Junto e misturado: bandas e ilustradores unem talentos ao vivo

Patrícia Cassese - Hoje em Dia
07/08/2014 às 07:52.
Atualizado em 18/11/2021 às 03:41
 (Paula Manzali)

(Paula Manzali)

O formato de performances conjuntas entre bandas e desenhistas não é propriamente inédito. “Em Belo Horizonte mesmo, já aconteceram apresentações em que artistas visuais criavam seus trabalhos durante shows”, lembra o artista gráfico Jão, um dos mentores do “Traço – Música e Desenho”, festival que adentra a cena belo-horizontina a partir desta sexta, prevendo, nesta primeira edição, quatro etapas – o encerramento está previsto para junho de 2015.

Trocando em miúdos: 12 bandas independentes da capital mineira vão se reunir a 16 artistas gráficos em uma iniciativa experimental, na qual os grupos tocam enquanto os desenhistas criam, ao vivo, ilustrações, projetadas no telão da casa anfitriã, a Stonehenge. Serão três apresentações por noite, configurando, pois, as citadas quatro etapas.

Os convidados do palco desfilam ritmos dos mais diversos, como rock, dub, ska, afrobeat, música instrumental, eletrônica, punk, grunge e “stoner barroco”. “No final de 2009, participei de um evento de integração de artes e uma coisa que ativou a minha curiosidade foram as animações exibidas em telão enquanto as bandas tocavam.   Desde então, aquilo ficou em minha cabeça”, lembra Jão, que, porém, acabou percebendo que fazer uma animação ao vivo, não seria viável.
  “Mas vi que seria possível criar uma ligação performática com os shows por meio de desenhos feitos na hora, pois geraria uma situação inusitada ao colocar um desenhista, que normalmente cria em um ambiente intimista, diante do público e com sua produção sendo projetada no telão”.

Ao se debruçar sobre o assunto, Jão descobriu que sim, já existiam propostas similares na Europa – “ou nas parcerias entre o desenhista argentino Liniers com o cantor Kevin Johansen, e, assim tentei, viabilizar o formato aqui”.
O que aconteceu no fim de 2013, junto com o colega Bruno Pirata e o grupo Tempo Plástico. “Agora, contudo, a ideia que surgiu, em conversas com as meninas da Pulo, foi de expandir para novas possibilidades, como um festival, algo que não sei se já foi feito”, acrescenta ele, referindo-se, em sua fala, a Helen Murta e Tetê Procópio, as “meninas” por trás da Pulo Comunicação, que promove o “Traço”.

Com a palavra, Helen: “Ano passado, o Jão e o Pirata iam lançar o selo deles, o Passaporte. Na época, eu e Tetê trabalhávamos como produtoras da Tempo Plástico, que os desenhistas convidaram para uma apresentação”.   Valorização da produção local é viés prioritário
Helen Murta lembra que, no citado evento de 2013, Jão e Bruno Pirata aventaram que seria interessante levar, para o público das artes visuais, uma performance que também contemplasse a música.   “Para aquele primeiro evento, fomos com a ideia de experimentar, sem muita exigência. Permitindo a liberdade de todos os envolvidos e com um mínimo de organização, concretizamos a produção. Não lotou, mas recebemos mais público que esperávamos”, recorda.

Observando quem estava ali, naquela experiência embrionária – amigos, público da banda e dos quadrinistas e, especialmente, curiosos – deu para perceber que seria possível um próximo passo. E veio a ideia do “Traço”. “São detalhes que avaliamos: a recepção de pessoas de idades e estilos diferentes, os toques dos amigos observadores e bons críticos, o espaço na imprensa para projetar os trabalhos dos envolvidos”, rememora Helen.

“Com o ‘Traço’, veio a ideia da reunião de pessoas e do melhor planejamento mesmo, já que, agora, a quantidade de convidados e a duração são bem maiores”. O que não mudou? “Bem, a abertura para experimentar”, diz ela.

O “Traço” está sendo desenvolvido de forma independente, sem financiamento, explica Helen. Por isso, nesse momento, o evento só foi viabilizado pela aposta dos convidados na ideia. “Por mais que todos recebam cachê – e não poderia ser diferente, considerando que trabalhamos justamente com a valorização do trabalho artístico – consideramos os valores como forma de parceria mesmo.   Houve uma recepção surpreendente da ideia por cada um dos convidados. Mais especial ainda para nós, pelo fato de os participantes serem pessoas que admiramos e que, agora, estão junto com a gente, no sentido de união duradoura mesmo, para desenvolvermos, em breve, novos encontros e ideias”. Importante: sempre tendo como prioridade o viés da valorização da produção local.

A ideia é, mais uma vez, unir o público das bandas, o dos artistas gráficos e amigos, mas, especialmente, os tais “curiosos”. “A gente imagina que cada apresentação será completamente diferente da outra, seja pelo estilo musical, pelos desenhistas e pelo trabalho desenvolvido em conjunto, o produto resultante disso, e por tudo ser realizado ao vivo”.   Bancas serão montadas no local   Além das performances, o público pode conferir, no evento, trabalhos dos participantes do “Traço”, assim como outras obras, em bancas montadas no local. Detalhe importante: os vendedores serão os próprios artistas, que ficarão, assim, disponíveis para autógrafos e troca de ideias com os interessados.

O Stonehenge fica na Rua Tupis, 1.448, Barro Preto. A casa abre suas portas às 21h. Os ingressos serão vendidos ao preço único de R$ 20. Informações para o público: 3271-3476 e 9247-2020.     “Não é nossa intenção combinar nada”, diz Stênio Severino, da Desorquestra. “O elemento surpresa é, sim, fundamental nesse tipo de ação. A expectativa é que apimenta a coisa toda”, adiciona o moço, lembrando que ainda não fez contato com Ricardo Tokomuto, com quem vai dividir a noite. “Mas estamos conhecendo o trabalho dele e esperamos que ele esteja de olho no nosso para já ir imaginando o que reproduzir lá, na hora”.

No cômputo geral, ele diz que vai ser mais um aprendizado do que um desafio – “e os fãs têm se mostrado surpresos e animados com a ideia, assim como nós”.

Michel Brasil compartilha o pensamento do colega. “Gosto da ideia de mesclar linguagens artísticas diferentes em um mesmo espaço. Além da questão sinestésica e do diálogo entre expressões artísticas, creio que este tipo de proposta ajuda a diversificar o público das bandas e da casa que vai acolher o evento.   E vice-versa, pois possibilita o contato do público com o trabalho dos ilustradores/artistas visuais que vão participar do ‘Traço’”, defende o integrante do Coletivo Dinamite, que vai subir ao palco na quarta edição, a de encerramento do festival.

E para os que acham que o som pode tirar um pouco da concentração dos artistas, o artista gráfico (conhecido por suas histórias expressionistas) Luciano Irrthum elucida: “O barulho ajuda muito... Raramente desenho em silêncio aqui em casa, ligo o rádio e viro noites desenhando”, advoga ele, que, no caso, vai trabalhar com o Fodastic Brenfers – no festival, o responsável pelo nicho sonoro “stoner barroco”.

Nunca ouviu falar? Bem, os meninos citam, como influências, o blues e o rock psicodélico, com letras compostas em português.

Por último, mas não menos importante, Hugo Rezende fala sobre a experiência de transitar pelos dois universos: ele é artista gráfico e integra, com Flávio Gatti, a banda Os Marrones, que possui a tradição de criar capas de possíveis HQs em datas específicas.   “Mas quando eu e o vocalista fazemos os desenhos, sofremos influências (mesmo que inconscientemente) do nosso senso de vaidade. Assim, acredito que se outro artista ‘traduzir’ o nosso som em traço, vou me surpreender de forma satisfatória”.

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