Letras de Bob Dylan reunidas em obra

Hoje em Dia - Belo Horizonte
27/10/2017 às 16:14.
Atualizado em 02/11/2021 às 23:25

Para quem ainda precisava, eis a prova inconteste, impressa em edição especial pela Companhia das Letras: o ganhador do Nobel de literatura de 2016 é mesmo um mestre maior da escrita. E que mestre, e que escrita: “Bob Dylan: Letras (1961-1974)” reúne o que podemos chamar de fase áurea do maior poeta do rock.

E se o rock é uma das artes mais fundamentais para a tessitura do último século, estamos falando, basicamente, do nascedouro de um cânone dylaniano. E ste, que é o primeiro volume de letras do bardo de Minessotta reunidos em edição bilíngue e com boa tradução de Caetano W. Galindo, é uma excelente porta de entrada para “ler” Dylan. 

A edição traz as letras dos discos de estúdio e das gravações ao vivo, bem como variações, revisões e material inédito dos arquivos do compositor. Os discos deste primeiro volume cobrem os anos de 1961 a 1974, ou seja, o período em que Dylan se estabeleceu como um moleque talentoso rondando os palcos folk do Greenwitch Village, em Nova Iorque (e deixando o público boquiaberto com obras primas seminais como “Blowin’ in the Wind”, “Masters Of War”, “A Hard Rain’s a-Gonna Fall” e “Don’t Think Twice, It’s All Right” e a lista é infindável) até ser chancelado como “a voz de uma geração”, título que o incomodava na medida em que o distanciava do artesanato de canções e o levava para as luzes faiscantes do holofote pop.

Tanta reclusão que o poeta emana hoje em dia (tanto que nem foi receber o prêmio Nobel) pode estar diretamente conectada com o impacto que seu texto causou no período. “São letras que nos ensinaram a viver”, sumarizou certa vez Bruce Springsteen, falando por si e por toda uma geração, não apenas de músicos. 

Tudo isso porque Dylan erigiu em si um justificável status de guru: dono de narrativas universais, mas de carga poética inédita no ambiente da música, e de força expressiva que atravessava- e ainda atravessa- este locus. 
Ensinar a viver é um papel típico da arte, e a arte de Dylan realmente faz isso com potência e brilhantismo. Poucos descreveram a política como ele (“The Times They Are a-Changin’”, “Ballad of a Thin Man”, “Maggie’s Farm” ); poucos construiram imagens tão elaboradas do amor (ou da falta dele) como o autor de “It’s All Over Now, Baby Blue”, “Boots Of Spanish Leather”, “I Want You”. E poucos, pouquíssimos se estabeleceram como um refinado comentarista social, capaz de tecer peças imortais como “It’s Alright, Ma (I’m Only Bleeding)” , <TB>“Subterranean Homesick Blues”, “Visions Of Johanna” ou “Rainy Day Woman”. 

Se o mundo da música pariu outros grandes artistas das letras, como Lou Reed, Leonard Cohen, Morrissey, Dylan segue sendo o diapasão, a guia mestra para todos os que vieram depois dele. Portanto, é muito desejável que as novas gerações tenham acesso à estas e outras maravilhas, organizadas, com edição atraente, traduções precisas e caráter de obra– e não através de aleatórias buscas por letras na internet. 

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