Livro mostra como Milton Nascimento pensa em cinema quando lhe chega a inspiração

Estadão Conteúdo
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23/09/2017 às 08:06.
Atualizado em 15/11/2021 às 10:41

Milton Nascimento abriu o livro que chegou às suas mãos sem crer muito no que via, segundo suas próprias palavras. "De tudo o que eu vi, foi algo dos mais bonitos, fiquei emocionado".

Suspeito para falar sobre uma publicação que leva seu nome e sua imagem na capa, ele não parece fazer média em causa própria. "Vi minha história ali, nas canções, nas imagens. Foi algo que mexeu muito comigo."

A publicação tem o título de Milton Nascimento - Letras, Histórias e Canções, que sai pela Editora Master Books e tem a organização de seu assessor de imprensa, o jornalista Danilo Nuha.

O ineditismo de algumas fotos, sobretudo de arquivo pessoal, e alguns documentos revelados ali, como um Certificado de Aprovação do Curso Primário de 1953 da Secretaria de Educação de Minas Gerais, pertencem a um Milton bituquinha de 9 anos, que aparece em uma foto do livro de bermuda e paletó curto para seu tamanho.

"Essa documentação existe graças à minha mãe, que sempre guardou tudo", diz ele, agradecido a Lilia Campos, sua mãe adotiva. "Quando fui fazer uma música para ela, nos anos 70, não havia palavras que pudessem descrever o que eu sentia por aquela mulher. Por isso a música (chamada Lilia) ficou instrumental".

Danilo Nuha foi quem descobriu um material farto colocado em sacos plásticos na casa de Lilia, depois de sua morte. "Eles estavam lá, sem destino. Havia muita coisa, cerca de três mil fotos e muita documentação da vida de Milton. Infelizmente, não pude usar tudo o que queria no livro porque não sabíamos quem eram os fotógrafos e não tínhamos autorização para publicá-las", lamenta.

O charme maior da publicação, no entanto, está na história das canções. É por elas que se descobre um pouco mais de um artista que tem uma relação com a criação muito diferente de seus parceiros.

"Desde que fiquei trancado um dia inteiro em um cinema com o Márcio Borges assistindo ao filme Jules et Jim, de François Truffaut (isso em sua adolescência, em Belo Horizonte), resolvi fazer música como se estivesse criando um filme. Ela tem imagens como uma história de cinema", diz Milton, antecipando uma das passagens do livro. "Depois desse dia em que vimos o mesmo filme por quatro sessões seguidas, fui para casa com Márcio e criei três músicas, uma atrás da outra."

Milton, um cineasta da canção, conta no livro como criou Morro Velho, em 1967. Seu pensamento ficcionista não precisava viver para criar, mas imaginar. "Morro Velho tem uma outra história que não vivi, mas que pude imaginar quando criança, nas vezes em que ia para a fazenda da tia do Wagner (Tiso). Lá tinha um empregado chamado Niceto Aniceto, que vinha sempre contar causos e ficar conversando com a gente. E passava um trem na beira do rio, à margem da fazenda. Fiquei com esse cenário todo na cabeça e comecei a imaginar aqueles personagens, por exemplo, o filho do Niceto, amigo dos filhos dos donos da fazenda, que depois iriam embora estudar e já voltariam doutores. Curioso que essa história que criei acabou se tornando realidade."

A música Certas Canções, uma parceria com Tunai, de 1982, tem outras revelações. E aqui vale contar a estratégia de Nuha, que viabilizou a publicação do livro. "Eu comecei a escrever as histórias das músicas que Milton contava aos jornalistas durante suas entrevistas. Foi assim que o material começou a ser acumulado".

Sobre Certas Canções, a entrevista foi dada em Tóquio ao próprio autor, jornalista à época da publicação International Press, voltada para a comunidade de brasileiros que vivia no Japão. Foi ali que Nuha começou a se aproximar do artista. "Fiz essa música inspirado em Ebony and Ivory (de Paul McCartney e Stevie Wonder)", conta Milton sobre Certas Canções. Assim que a música acabou de tocar no rádio, Milton resmungou.

"Como eu não pensei nisso antes?" Era o marfim e o ébano, o branco e o preto convivendo em harmonia no instrumento. "Tempos depois, Tunai me mandou uma música e pediu para eu escrever uma letra. Foi assim que nasceu Certas Canções, completamente inspirada em Ebony and Ivory."

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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