Lisboa, 3 de julho de 1920. “Nininho da minha vida: Cheguei à casa eram quase 10h e são 10 e tal, estou mais morta que viva, pois que andei imenso, imenso mas além de estar morta por me apanhar na cama não deixo de escrever ao meu lindo Nininho para que veja que o não esqueço”. Ele, Fernando Pessoa, chamava o amor de ridículo e considerava vulgar o namorado conhecer a família da namorada. Ela, Ofélia Queiroz, doze anos mais jovem, pacientemente conseguiu tomar-lhe um cachimbo. Vem da única namorada do poeta maior da língua portuguesa a sinceridade do sentimento transmutado em versos. Sem ela, ele igualmente dominou a magia das palavras, mas com ela a poesia deu sentido a si próprio. As correspondências eram diárias e, ao lado de passeios nas ruas de Lisboa, beijinhos apressados e abraços desesperados de desejo, compunham o relacionamento que se dividiu em duas etapas. Conheceram-se quando ela tinha 19 anos, tiveram uma relação amorosa por nove meses, se separaram e, nove anos de silêncio depois, em 1929, reataram o namoro por alguns meses. Todas as cartas de Ofélia para Pessoa e de Pessoa para Ofélia estão reunidas num livro de formato grande, 544 páginas, organizado por Richard Zenith, norte-americano especialista no poeta lisboeta e tradutor de alguns autores brasileiros, que sai pela editora Capivara, com patrocínio da Portugal Telecom. Os originais incluem a reprodução dos envelopes em que a antiga Lisboa se vê espectadora de um amor que nunca se realizaria plenamente, pois os dois não se casaram e provavelmente não tiveram relações sexuais. A certa altura, ela mesma reclama que a sua “balança pesa mais” que a do poeta. E dedica-se a um homem complexo, que não corresponderia plenamente à sua paixão. Foi Pessoa quem dela se enamorou primeiro. Ofélia era uma menina burguesa, porém ativa. Não precisaria trabalhar, mas foi buscar emprego de datilógrafa no escritório do primo de Fernando Pessoa. E veio o fim Era ela quem mais escrevia. O livro traz 289 peças, entre cartas, bilhetes e cartões-postais assinados por ela, além de 59 de Pessoa. O que se percebe com o avanço das conversas registradas no papel é que Ofélia cansou o poeta. Parecia demasiadamente possessiva e não houve em Fernando Pessoa fôlego suficiente para a concretização do amor. Ele acabou colocando os próprios heterônimos para passar recados à amada. “Obtida a devida autorização do snr. eng. Álvaro de Campos, mando-lhe o poema que escrevi entre as estações...”. E, já secamente, prossegue: “este poema deve ser lido de noite e num quarto sem luz”. A luz do amor se apagou em definitivo, mas a correspondência ficou como testemunha da única paixão entre o grande Pessoa e sua Ofélia –, para quem a vida sorriu posteriormente, com um novo amor, o casamento e filhos.