Livro transcreve experiência do naturalista Saint-Hilaire por Minas

Elemara Duarte - Hoje em Dia
10/04/2013 às 11:00.
Atualizado em 21/11/2021 às 02:42
 (Reprodução de exemplar coletado no século 19)

(Reprodução de exemplar coletado no século 19)

O naturalista francês Auguste Saint-Hilaire (1779-1853) foi um dos primeiros pesquisadores a fazer registros científicos – e também históricos – da flora brasileira. Ele percorreu vários estados, inclusive Minas Gerais. E foi o trajeto que ele fez aqui, em quase 30 cidades, que o escritor e médico Eugênio Marcos Andrade Goulart refez para escrever o livro "Viagens do Naturalista Saint-Hilaire por Toda Província de Minas Gerais". O livro será lançado nesta quarta-feira (10), às 18 horas, no Centro Cultural e Turístico do Sistema Fiemg, em Ouro Preto.

No Brasil, ele percorreu 16 mil quilômetros entre os anos 1816 e 1822. "Refiz o trajeto dele em Minas, em várias viagens de carro, percorri algumas estradas em péssimas condições de tráfego, e alguns trechos de montanhas refiz o caminho dele a pé", relata Goulart.

Entre as cidades mineiras por onde passou estão: Juiz de Fora, Ouro Preto, Conceição do Mato Dentro, Diamantina, Sabará, Formiga, Araxá, Paracatu, Uberaba, Baependi, Passa Quatro. Outras em Goiás e na Bahia também foram percorridas a cavalo ou a pé pelo francês.

Naquela época, a mineração de ouro já deixava marcas visíveis de degradação: "O metal precioso não se reproduz como os frutos e os cereais e, revolvendo imensas extensões de terra, despojando-as do seu húmus pela operação das lavagens esterelizaram-nas para sempre", lamenta Saint-Hilaire, em um de seus cadernos.

Jacuba e pinga

Saint-Hilaire dormia em fazendas, currais ou improvisava tendas, dormindo sob couros de boi que transportava. "Comia o mesmo que os tropeiros: jacuba (farinha de milho e rapadura), e à noite, jantar à base de feijão, toucinho, arroz e mandioca. Os acompanhantes bebiam cachaça.

Os flagrantes sócio-econômicos do pesquisador Brasil afora entraram nos seus cadernos de relatos. Algumas já desapareceram de Minas, como a malária. "Persistem ainda a tuberculose, a hanseníase, as verminoses", enumera o médico.

Goulart diz que o naturalista desbravador descreveu todas essas doenças e, mesmo não sendo médico, chegou a tratar alguns doentes com os chamados "vomitórios".

Progresso parcial

"Em algumas regiões a situação de saúde dos moradores, mesmo tendo melhorado, ainda é precária. Tive, ocasionalmente, que receitar antibióticos para infecções e bronco-dilatadores para asma, para alguns pacientes na zona rural", lembra Goulart.
Mesmo com as necessárias, e por vezes, implacáveis mudanças no ambiente e na sociedade, Goulart garante que um dos símbolos da antiga "província" mineira ainda mantêm-se intactos: "nos altos das montanhas, em regiões desertas, pode ser constatada a mesma descrição de Saint-Hilaire de quase 200 anos".

Francês considerou o Brasil a sua "segunda pátria"

Em suas andanças pelo "Novo Mundo", Saint-Hilaire coletou plantas que até então não eram conhecidas pelo meio científico. Hoje, esse acervo e os cadernos de anotações do pesquisador estão digitalizados no Herbário Virtual A. de Saint-Hilaire, no endereço http://hvsh.cria.org.br/. O site deve ser finalizado até novembro, juntamente com lançamento da biografia do naturalista.

"Através de imagens em alta resolução, o internauta tem acesso, à coleção de plantas do botânico fruto de sua viagem ao Brasil entre 1818 a 1822", descreve o coordenador do projeto, Sergio Romaniuc Neto, que também integra o Instituto de Botânica da Secretaria do Meio Ambiente de São Paulo.

O herbário está sendo feito em parceria com o Centro de Referência em Informação Ambiental (Cria). Além das instituições brasileiras, os projetos têm apoio do Muséum National d’Histoire Naturelle, na França.

No do site, para bons entendedores de francês, estão disponíveis as imagens dos cadernos de Saint-Hilaire, mas outras fontes também preservam o pensamento do pesquisador. Os textos também estão disponíveis traduzidos em publicações das editoras da Livraria Itatiaia e da Universidade de São Paulo.

Coração brasileiro

Sant-Hilaire morreu solteiro, aos 73 anos, na França, considerando o Brasil sua "segunda pátria". Em obra sobre viagem à nascente do Rio São Francisco, desabafou: "Quanto a mim, se vier a saber que meus fracos apelos foram ouvidos, que alguns dos conselhos que dou aqui timidamente produziram frutos, jamais lamentarei ter passado perdido nos sertões, em meio a privações sempre renovadas, os mais belos dias da minha existência. Não lastimarei a perda de minha saúde, pois poderei dizer: paguei a dívida da hospitalidade, e minha passagem pela terra não foi inútil".

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