(Ricardo Bastos)
São apenas dois pré-requisitos: gostar de cantar e ter disciplina. Ou seja, não há dificuldades em integrar um dos cerca de 200 corais presentes na Região Metropolitana de Belo Horizonte. E para quem se dispõe a soltar a voz, não faltam benefícios. Além da possibilidade de educar a voz e dos males espantar por meio do canto, há outras vantagens, já que esse é um importante espaço de socialização.
O aposentado Alexandre José Pinheiro Neto, de 61 anos, é uma prova de como a dedicação a um grupo pode ser prazerosa e estimulante. Ele está no Coral BDMG desde sua fundação e chegou a ser diretor do grupo. Hoje, além de cantar, prepara uma publicação comemorativa sobre os 25 anos desse que é um dos principais corais de Minas Gerais.
“No livro, vamos contar as aventuras que os integrantes viveram nesses 25 anos. São histórias sobre vivências dos colegas durante as apresentações e viagens. Preferimos falar sobre os bastidores”, conta o ex-funcionário do BDMG. “É uma atividade que exige disciplina e um coleguismo em torno de um objetivo comum. Você não pode se sobressair aos outros, nem ser pior”.
Ter interesse por história e cultura é fundamental. No Coral BDMG, por exemplo, há uma grande preocupação em interpretar peças desconhecidas compostas em Minas Gerais entre o século 18 e o início do 19. Esse rico material é compartilhado com o público em diferentes projetos, como o “Quatro Cantos Coral na Praça”, que há 20 anos leva diferentes corais para a Praça da Liberdade.
Grupo vocal
Muitas vezes, um coral não precisa ser ligado a uma instituição, mas pode ser criado apenas pelo desejo de cantar. O grupo vocal Coro de Cobras nasceu em 2006 a partir de amigos que queriam desenvolver um trabalho voltado para a música popular brasileira. Hoje são 16 integrantes das mais diferentes profissões, que cantam sob a direção musical de Hudson Brasil.
“Cantar não é um ato natural, é uma coisa complexa”, afirma o regente do grupo, que costuma se apresentar acompanhado de instrumentistas. “Independentemente do que as pessoas fazem fora daqui, no grupo elas possuem papel social, político e cultural. Há pessoas que não são pró-ativas fora da escola, mas aqui se revelam verdadeiros líderes”, completa.
A arquiteta Adalgisa Lacerda Mesquita, de 55 anos, está no Coro de Cobras desde seu início. A liberdade do repertório e a democracia do grupo vocal são pontos altos para ela. “Todo mundo dá sugestões para o repertório. Há uma votação e algumas são aceitas”.
Os integrantes costumam sair para bares ou restaurantes e se encontrar em saraus, além de conversarem por redes sociais ou WhatsApp. Às vésperas de uma importante apresentação – marcada para o dia 6 de dezembro, no Memorial Minas Vale –, o envolvimento é maior. Cada integrante assume uma responsabilidade, como produção, figurino e cenografia. “Não há um objetivo de sermos profissionais, mas a qualidade é muito importante”, afirma a arquiteta.
Diversão após a aposentadoria
No Minas Tênis Clube, enquanto a moçada gosta de usufruir das piscinas e das quadras, tem uma turma que prefere a tranquilidade da sala de ensaio do coral. Embora a idade não seja determinante (na verdade, o único pré-requisito é ser sócio do clube), a maior parte dos integrantes são pessoas maduras, que não precisam mais se preocupar com estudos ou em buscar os filhos na escola.
Segundo a maestrina Eliane Fajioli, o repertório trabalhado com os 56 integrantes é bastante eclético, com composições feitas da Idade Média até os dias atuais. “Faço exercícios de técnica vocal, para a voz ficar bem educada para o canto. A intenção não é ter uma linda voz, mas, de vez em quando, acaba saindo um solista no meio do grupo”, afirma a maestrina, que também ensina a leitura de partituras aos que podem chegar mais cedo aos encontros.
“O trabalho vocal é como o treino de um atleta. Quando você entra numa academia de ginástica, não sabe fazer nada. Mas vai praticando e a musculatura vai respondendo”, explica Eliane.
O trabalho em grupo e as relações pessoais ali construídas são fundamentais para a motivação. “Normalmente os integrantes são pessoas que já se aposentaram e buscam uma atividade prazerosa, mas que tenha uma exigência, ao mesmo tempo. Algo que aprimore o espírito e o corpo. Não é apenas uma atividade de terceira idade para passearem”, diz Eliane.
Dedicação
O engenheiro e arquiteto, Almeno Tirado, de 78 anos, trabalhou no Tribunal Regional do Trabalho e se aposentou no final dos anos 80. Há 14 anos, passou a se dedicar ao coral, ao lado de sua esposa, Aída.
“Ali pude ter a sensação de que nem tudo se perdeu, que sempre há muito mais para se aperfeiçoar. A única exigência é ser melhor de uma maneira que seja interessante para o grupo. Ao seu lado, pode haver pessoas melhores ou piores, mas todos buscam a mesma excelência”, afirma Almeno Tirado, que nasceu em São João del Rei e viu seus pais tocarem instrumentos musicais em sua infância. “Iniciei o contato com a música por meio de um coral em São João. Parei quando vim para Belo Horizonte estudar. Somente agora pude rever esse tesouro infantil”.
Além de cantor, Tirado e sua esposa também são voluntários na área administrativa do coral. “Enquanto o Alzheimer não me pegar, enquanto nós dois tivermos energia e cabeça boa para continuar, vamos ter as nossas funções dentro do coral”.
Festival internacional de Corais contribui na divulgação da arte
Criador do Festival Internacional de Corais (FIC) e um dos principais militantes da importância da atividade artística, o maestro Lindomar Gomes costuma ouvir depoimentos rotineiramente sobre os benefícios do canto em grupo.
“Em Belo Horizonte há uma grande incidência de pessoas da terceira idade nos corais. Muitas delas já vieram me contar como venceram a depressão depois de entrar para um coral”, afirma o regente, que reuniu mais de 1.500 vozes na 12ª edição do FIC, realizada entre 17 de maio e 1º de junho.
“A minha motivação está em ver o brilho nos olhos das pessoas, na transformação que acontece em seus comportamentos. As pessoas ficam muito agradecidas e motivadas, porque passam por um aumento da autoestima. O coral ajuda no despertar dos sonhos”, diz Lindomar.
Incentivo
Segundo ele, se os corais não aparecem na mídia com frequência, é porque não há investimentos públicos no segmento. “Uma das conquistas do FIC foi ter chegado ao grande público. Isso acontece, em grande parte, por causa da valorização da música brasileira. Seguimos o lema de Fernando Brant: o artista tem de ir aonde o povo está”.
Atualmente o maestro investe na criação de corais nas escolas públicas de cidades do interior, como Nova Era e Casa Grande. Sua intenção é relembrar um trabalho de estímulo do canto que foi implementado pelo governo brasileiro na primeira metade do século 20 (iniciativa de Villa-Lobos), mas interrompido pelos militares durante a ditadura militar.
“Com a lei da obrigatoriedade do ensino de música nas escolas, o canto coral pode ser visto como uma opção mais acessível. E seus resultados são imediatos. Praticamente todos os países ricos têm o estímulo ao coral como uma política cultural fundamental”, diz o maestro, que destaca ainda uma grande vantagem dos corais brasileiros. “No exterior, ficam impressionados sobre como valorizamos a música popular brasileira. Afinal, a música é o nosso maior patrimônio imaterial”.