(Pandora/Divulgação)
Numa daquelas aborrecidas reuniões de condomínio, apenas um morador resolve não contribuir com a taxa extra para o conserto do elevador, por morar no primeiro andar e sempre usar a escada. Logo a narrativa de “Fique Comigo”, em cartaz nos cinemas, pune o locatário egoísta, fazendo-o usar cadeira de rodas.
Visto também como invejoso, ao querer a bicicleta ergométrica do síndico, Sterkowitz é apresentado como “vilão” de certa forma, até porque não aceita que estava errado e prefere pegar o elevador às escondidas, observando a rotina dos vizinhos para que não o vejam.
Ainda que se valha de mais mentiras, ele tem nessa situação embaraçosa a sua segunda chance. Essa mudança de perspectiva exemplifica a proposta do filme. Surgem outros cinco protagonistas que têm em comum, além de serem residentes no mesmo edifício, a solidão, em seus mais variados estágios.
O objetivo é justamente mostrar que ninguém está imune a esse sentimento de vazio – dos jovens ao mais velhos, dos intelectuais aos alienados, dos americanos aos árabes. Muitas vezes, a sensação é apenas percebida. Em outras, encontramos uma justificativa, mas que nunca é aprofundada.
Chaves internas
É o caso do garoto que diz viver com a mãe no apartamento, mas nunca é visto com ninguém, e que passa a ter numa atriz de renome, vivida por Isabelle Huppert, uma espécie de mãe postiça.
O filme vai costurando essas relações de forma sutil, mesmo que, em determinadas ocasiões, apele para o absurdo, como o fato de o módulo de um astronauta americano cair exatamente no telhado do prédio, sendo abrigado por uma argelina, que passa a ter com ele também uma relação de mãe e filho.
O humor está presente, seja nos diálogos ou nas situações visuais, especialmente com Sterkowitz, de estampa meio bizarra e que perambula com dificuldade com a sua cadeira de rodas. Os demais não são freaks, se podemos dizer assim, mas precisam dessa “chave” para se abrir ao outro.
Do morador indesejável, interpretado por Gustave Kervern (diretor de “Mamute”, que tem muitas similaridades com “Fique Comigo”, ao enfocar esses encontros inusitados de aprendizado mútuo), só vamos saber que tinha uma mãe protetora e já falecida. Não por acaso encontra atenção numa enfermeira.
Assim acontece com o garoto, que tem na atriz uma válvula de escape à sua realidade mais crua. Ela, por sua vez, ganhará uma rejuvenescida na maneira de ver o que acontece ao seu redor. Enquanto o astronauta significará para a argelina uma forma de “ficcionalizar” mais a sua vida, já abastecida pela TV.
Mas é o americano que parece resumir o que se passa com todos os personagens do longa de Samuel Benchetrit, ao penetrar numa realidade totalmente desconhecida para ele (local, língua) e precisando de restabelecer antigos códigos de convivência, livres de preconceito e intolerância.