(Reprodução/Facebook)
Embora não tenha passado por perigos ou decifrado complicados enigmas, a professora mineira Edneia Ribeiro pode muito bem ser definida como caçadora de tesouros. Saiu de Montes Claros, onde reside e leciona Língua Portuguesa e Literatura no Instituto Federal do Norte de Minas Gerais, para encontrar, no acervo da Casa Rui Barbosa, no Rio de Janeiro, textos inéditos de João Cabral de Melo Neto, cujo centenário está sendo lembrado hoje.
O material será publicado em dois livros editados pela Alfaguara, selo da Companhia das Letras. O primeiro se voltará para as poesias de Melo Neto, organizado por Antonio Carlos Secchin, da Academia Brasileira de Letras e maior especialista no escritor pernambucano. O segundo destacará a prosa, sob a coordenação do professor Sérgio Mar-tagão Gesteira. Os lançamentos deverão ocorrer ainda neste semestre.
O acesso de Edneia ao material inédito aconteceu por acaso, em 2016, quando pesquisava o espólio de Melo Neto no Arquivo-Museu da Literatura Brasileira para o seu trabalho de doutorado na UFMG, sob a orientação do professor Sérgio Alcides Pereira do Amaral. “Nessa ocasião, as cartas que motivaram a minha ida à Casa Rui Barbosa adquiriram papel secundário diante das possibilidades que o material, listado em um inventário analítico de quase 600 páginas, tinha a oferecer”, registra.
Além de três poemas inéditos – “Versos de Álbum”, “Epitáfios” e “Poema-flash” – e de dezenas de pequenos textos em prosa (artigos de jornal e programas de rádio), foi descoberto um documento de quase 30 laudas, intitulado “A poesia brasileira”, no qual João Cabral critica o distanciamento da poesia brasileira do leitor comum. “Essa conferência escrita no Recife, em 1954, mas nunca publicada, redefiniu os rumos da minha pesquisa de doutorado”, lembra.ARQUIVO PESSOAL / N/A
Professora e pesquisadora Edneia Ribeiro colabora na produção de dois livros com a obra de Melo Neto
A mineira interrompeu o trabalho para investigar se houve algum evento no qual o escritor poderia ter apresentado o texto. Não encontrou. Dois anos depois, mais surpresas. “Quando já parecia não haver mais novidades, achei dezenas de poemas, ainda inéditos, alguns manuscritos de difícil entendimento e outros datiloscritos e bem organizados, como se aguardassem por leitores”, destaca.
Foram transcritos 40 textos, que deverão constar das publicações da Alfaguara, em que Edneia aparecerá como organizadora das seções de Inéditos e Dispersos, no livro de poesias, e como autora do prefácio (ou posfácio) no de prosa. No caso do primeiro, “ainda há um trabalho minucioso a ser feito tanto para tentar transcrever outros manuscritos menos legíveis quanto para diferenciar os inéditos dos dispersos”.
Natural de Capitão Enéas, ela lembra que não se trata de um trabalho simples. Primeiro, por se tratar de um material muito vasto –só o inventário, é bom lembrar, possui quase 600 páginas. Segundo, porque os documentos inéditos, tanto da prosa quanto da poesia, encontram-se misturados a outros já publicados, demandando, como a pesquisadora frisa, “bastante paciência e familiaridade com a obra de João Cabral”.
Edneia compara a pesquisa em fontes primárias a atividades desenvolvidas em garimpos. “Às vezes, removemos muita terra e não encontramos nada. E em outras, somos mais felizes e nos deparamos com algumas pepitas, como (a conferência) ‘A Poesia Brasileira’ e muitos dos poemas inéditos que estão à altura da aclamada poesia cabralina”, observa a professora, que não descarta a hipótese de haver outros textos inéditos.