(Marcos Hermes/Divulgação)
Se podemos chamá-lo de “camaleão” da música brasileira é porque Ney Matogrosso, desde que estreou com o Secos e Molhados, incorpora uma nova face a cada performance, dando um passo adiante sempre que sobe ao palco. No início, a contravenção guiava a, digamos, rebeldia. Hoje, é o impulso de exercer o que ele chama de “liberdade artística” que o mantém com a vitalidade e transgressão de sempre.
As faces de Ney, no entanto, se traduzem em um só homem. Nos palcos, um dos poucos showman brasileiros – após 40 anos de carreira e mais de 30 trabalhos lançados – alcançou o pódio dos mais importantes artistas da música nacional. Fora deles, mantém uma rotina simples.
O sensual performer que chama atenção pelas vestes (ou pela falta delas), maquiagem e dança, não se dá conta do tamanho que alcançou. “Eu não considero essas coisas. Não fico avaliando nada disso. Eu toco minha vida. Não tem peso (em ser Ney Matogrosso). Para as pessoas deve ter, mas pra mim não tem”.
Quando não está em turnê, Ney, que vive no Rio de Janeiro, segue uma disciplinada rotina de exercícios e alimentação. “Gosto de ser magro”, afirma. “Não é minha intenção ficar fortão, mas manter um tônus muscular que me permita fazer meu trabalho dominando o aparelho”, garante.
Posicionamentos
Há quem diga que é a idade que nos dá o direito à opinião sincera. Não é o caso quando se trata de Ney. Aos 75 anos, apenas continua exercendo uma forte liberdade de expressão, com posicionamentos sérios e incisivos. Na entrevista ao Hoje em Dia, respondeu “sem pensar” muito a cada pergunta, dando noção dos posicionamentos já formados pelo artista.
Quando o assunto é política e o contexto social brasileiro, é enfático: “Está tudo errado! A caretice impera, igrejas dentro do Congresso brasileiro, governos equivocados. Está tudo desmascarado!. Voltamos a ser terceiro mundo”, exclamou.
Sobre a caretice do mundo, Ney credita o ônus à Aids. Segundo ele, foram o vírus HIV e a doença os responsáveis pelo recolhimento daqueles que viviam em plena liberdade sexual e, de repente, se viram podados – um pensamento quase freudiano.
“Todo mundo era livre, não existia a doença. Depois tem a morte associada ao prazer. Conheço um contingente enorme de gays que casou com mulheres pra fugir disso, do estigma”, lamenta.
Show
Toda essa miscelânea forte e irreverente volta a Belo Horizonte neste final de semana para lançar o registro ao vivo de “Atento aos Sinais”, disco que ressalta aspectos sociais e lança compositores inéditos ao grande público. Neste trabalho, ele lança nomes como Vitor Pirralho (Tupi Fusão) e a uma canção da banda banda Tono (Eu não consigo), que destaca no repertório escolhido.
Leia e ouça a seguir a entrevista que Ney concedeu ao Hoje em Dia
No show “Atento aos Sinais” você segue bem a característica de garimpar compositores desconhecidos. Como funciona essa busca?
De várias formas. Eu recebo muita coisa durante o tempo todo que eu viajo com um show. Quando vou fazer o disco eu presto atenção em tudo, se é compatível com o que eu pretendo. Vou atrás também. A banda Tono, por exemplo, eu recebi em uma propaganda na internet. Quando eu ouvi a faixa “Não Consigo”, imediatamente pensei que tinha que cantar aquela música. Nem sabia que tinha um filho do Gil na banda. O Vitor Pirralho, eu estava em Maceió e recebi um jornal no meu quarto. Li e achei interessante aquele camarada. Tinha acabado de sair um disco dele, “Tupi Fusão”, e eu adorei.
Se desnudar artisticamente no palco é extenuante?
Não, pra mim é prazeroso. Um direito que estou exercitando, não me dói nada. Não traz carga pesada nenhuma. É uma exposição onde eu sempre me expus. Estou exercitando um direito de exposição artística, porque houve exposição íntima.
Você sempre traz pro palco temas fortes, composições fortes. Cada trabalho é uma catarse?
É, mas o Atento aos Sinais é uma particularidade. Nunca eu tinha feito nada assim, claro que de quando em vez aparecia, temática existencial, o Mal Necessário, mas era esporádico. Agora, o Atento aos Sinais eu queria que fosse um trabalho todo conectado com a realidade deste momento do agora.
Existe um Ney diferente na vida e o do palco?
Olha, eu cheguei à conclusão que é uma coisa só. São formas de manifestação da mesma pessoa, do mesmo ser. Claro que a do palco é exacerbada e a da vida é contida, mas eu não preciso me expor na vida particular, não tenho necessidade. Eu prefiro observar a ser observado. Levo uma vida tranquila, saio, ando na rua, vou a todo lugar que eu quero, as pessoas falam comigo, mas nada é estressante. Tem um carinho muito grande envolvido nessa história toda, sinto que as pessoas gostam de mim.
Você parece ser uma figura tímida. É possível ser tímido sendo Ney Matogrosso?
Sou uma figura recatada, é diferente. Uma pessoa que não se expõe. Posso andar na rua porque as pessoas não me olham como um personagem, e sim como uma pessoa normal, sem disfarces. Óculos escuros eu uso porque tenho fotofobia, apenas.
Existe um peso em ser Ney Matogrosso?
Eu não considero essas coisas. Eu toco minha vida. Não tem peso. Quer dizer, para as pessoas deve ter. Pra mim não tem.
Seu trabalho traz sexualidade e erotismo. Qual a importância disso na interpretação?
Não é uma coisa que eu determine “agora eu vou sexualizar”. Enquanto houver sexualidade no meu corpo ela estará presente, porque é um recurso. Não é recurso, é verdadeiro. Se está no palco existe em mim.
E o efeito disso nas pessoas? Talvez elas queiram estar no seu lugar...
Ah, pois é, mas pra essas eu dou um recadinho desde o início: “Não se satisfaçam comigo”. Vocês têm o mesmo direito de serem livres independente do contexto geral, é um contexto de todos, mas cabe a cada um ter coragem de se expressar.
De figuras como você espera-se esse comportamento. Não é democrático, não é qualquer pessoa que faz. Mas eu não ando na rua rebolando com calça enfiada na bunda. O que eu faço foi agressivo quando eu cheguei, antes de me atacarem eu atacava. Eu expunha minha libido como uma arma. O tempo passou e eu entendi que não é mais uma arma, me dá muito prazer de poder expor com naturalidade. Não sei até quando. Isso vai acabar em algum momento. Ou será que não vai acabar nunca?
Você sempre derrubou tabus, quebrou convenções. O que você rompe hoje? O que está errado?
Está tudo errado! Olhe ao nosso redor. A caretice impera, igrejas dentro do Congresso, governos equivocados... Não tem mais ilusão, está tudo desmascarado, não há mais para onde se virar e acreditar. Só se for muito ingenuozinho. Na política como veículo transformador e para o crescimento da sociedade eu não tenho esperança.
Você acha que a sociedade encaretou pós-ditadura?
A sociedade encaretou foi pós Aids. Foi uma coisa que chegou afetando a sexualidade humana, que é o que nos move, e que todos nós exercitávamos na maior naturalidade. Saiba que aquela geração exercitava a sexualidade com muita naturalidade. Depois tem a morte associada ao prazer. Isso encaretou.
Bate-volta
Quem você deixaria em uma ilha deserta?
(risos) Eu deixaria o Congresso Brasileiro todo.
Qual poder você gostaria de ter?
Restaurar e restituir e recomeçar para uma direção mais evoluída do que nós viemos parar.
O que te dá medo?
A alta incidência do crime. A gente tem a impressão que os bandidos é que comandam o espetáculo.
O que te eleva a alma?
A natureza.
O que te dá preguiça?
Discussão política (risos).
E o que te dá mais tesão?
Tesão, tesão? (risos). No geral, o que me daria tesão seria ver um Brasil educado, civilizado.
O que falta realizar?
Não tenho dentro de mim o impulso de parar, vou parar quando eu for impedido.
Um arrependimento?
Não tenho arrependimentos.
Um grande amor?
Tive mais de um. Seria injusto citar nomes.
Algo que te mudou?
Quando eu tinha uns 50 anos, eu sentia uma dorzinha aqui, outra ali. Aí eu vi um senhor bem velho, de uns 80 ou 90 anos, de sunga e tênis, com a pele enrugada, mas tinha tônus ali dentro, tônus muscular por baixo daquela pele. E eu fui atrás e mudei, eu vi que era possível.
Deus ou diabo?
Um não vive sem o outro! Ambos fazem parte deste mundo de polaridade em que nós vivemos.
Ao acordar você...
Ah, eu rolo na cama pra lá, eu rolo na cama pra cá... Não gosto de levantar quando acordo. Eu fico lá.
E antes de dormir?
Durmo entre meia-noite e uma hora, assisto um último jornal que estiver passando, desligo e vou dormir.
Serviço:
“Ney Matogrosso - Atento Aos Sinais - 40 anos de carreira”
Sexta e sábado, às 21h, domingo às 19h, no Grande Teatro do Palácio das Artes. (Av. Afonso Pena, 1537)
Plateia I: R$ 250 e R$ 125 (meia)
Plateia II: R$ 200 e R$ 100 (meia)
Balcão: R# 180 e R$ 90 (meia)