(Nereu Jr/Universo Produção/Divulgação)
TIRADENTES – O peixe presente no título de “O Bagre Africano de Ataléia” é apenas uma isca. Exibido na noite de terça-feira, dentro da seção competitiva da 17ª Mostra de Cinema de Tiradentes, dedicada a cineastas iniciantes, o documentário está menos interessado em investigar a lenda sobre um ser aquático que anda e devora animais do que registrar o cotidiano de uma pequena cidade localizada no Vale do Mucuri.
O verdadeiro “monstro” é um povo de costumes arcaicos que nos assusta por seu ritmo lento de vida, como se estivesse em estado de suspensão. A dupla de diretores, Aline X e Gustavo Jardim, brinca com esse aspecto dissonante, criando mistério e assombro em torno de personagens que pertenceriam ao universo da imaginação, quase fantasmagóricos na maneira como se apresentam, aparentemente sem justificativas.
Por que enfocar por longos segundos o rosto de uma garota que é atendente de loja de presentes? Aquele local seria apenas uma fachada para um ritual macabro? Pode ser. O que representa o curioso pescador sem rosto, de roupa escura e chapéu chinês? É alguém que não conseguiu passar para o “outro mundo” porque ainda tem uma missão a cumprir? É uma possibilidade. E o que dizer do cão sentado num riacho, que nos olha fixamente?
As primeiras cenas do filme exibem imagens em preto e branco do que parece ser um zumbi sendo eliminado por um valente herói. Ficamos na expectativa de que a narrativa retome, mais tarde, esse acontecimento, que poderia explicar todo o mistério que envolve a aparição dos demais personagens. Ataléia seria uma cidade fantasma? Mas onde está o protagonista, normal, confiável e que podemos nos projetar nele?
A graça está nessa ausência, fazendo do nosso olhar o único indício de sanidade – até o momento em que, já exauridos, colocamos em dúvida a capacidade de discernir. Com essa roupagem de terror, o documentário nos mostra depois que as sequências são apenas recortes embaralhados de situações normais. Encadeados da maneira correta, num doc sobre Ataléia, só despertaria enfado sobre vidas ordinárias.
É como se os realizadores tivessem pregado uma peça de humor negro, nos obrigando a acompanhar, ao final, a história do que seria uma pacata cidade do interior, transformando pequenas ações cotidianas – como uma pescaria ou um simples corte de cabelo – em algo maior que a nossa imaginação tenta completar. Alguns sairão frustrados e sentindo-se lesados, enquanto outros compreenderão a mensagem de crítica social.
(*) Viajou a convite da organização da Mostra