(Fernando Rabelo/Divulgação)
“A humanidade é uma coisa horrorosa, sabia Shakespeare”. Quem também sabe disso é o protagonista de “O Orangotango Marxista” (Cia. das Letras), livro recém-lançado do escritor, jornalista e dramaturgo Marcelo Rubens Paiva. Como o próprio título sugere, a obra acompanha a história de um primata, retirado ainda criança de sua mãe e enviado de uma selva em Bornéu ao Brasil, onde vai de objeto de estudo à atração de um zoológico.
O autor conta que a ideia para a obra surgiu de visitas feitas a um zoo em Americana, cidade do interior de São Paulo. “Eu reparava que ninguém prestava atenção nos macacos. Eles ficaram em ilhotas, olhavam para a gente, mas não olhávamos para eles. As pessoas estavam muito concentradas nas redes sociais. Então resolvi escrever sobre o que eles estariam pensando sobre a gente e como eles testemunhavam as nossas transformações ao longo do tempo”, explica.
Assim, com um tom quase fabular, o autor dá voz aos pensamentos dos animais através da figura de um orangotango. A história do protagonista começa em um laboratório, quando torna-se objeto de estudo de uma jovem bióloga chamada Kátia. Lá, entre várias outras coisas, ele aprende a ler e conhece o pensamento de teóricos importantes, o que faz com que ele desenvolva um inicial fascínio pela humanidade– além de uma paixão pela jovem bióloga, que culmina com sua mudança para um zoológico.
É neste novo ambiente que o símio faz suas descobertas e, ancorado nas teorias estudadas em sua juventude no laboratório, passa a observar as outras nuances de sua vida e também da vida dos humanos que o cercam. “Ele está enjaulado, descobre o quanto é explorado, mas nota também como o próprio homem explora o homem e como eles também estão em jaulas”, explica Rubens Paiva.
Ao longo da obra o autor ainda sublinha, através do olhar atento do primata, a fixação dos seres humanos pelos celulares e pelas redes sociais – temática que tem se tornado ainda mais evidente na atualidade, principalmente por ser uma peça chave nas eleições do país.
Sobre esse contexto, o autor acredita que o personagem teria muito a dizer: “Acho que ele diria que assim como os homens exterminam os animais, eles também estão exterminando a si mesmos. Existe muito ódio, muita intolerância e isso não vai acabar bem. Ele diria que temos que aprender com os animais a viver em comunidade”. Vale lembrar que o escritor é atuante em questões que envolvem a memória da Ditadura Militar brasileira, responsável pelo assassinato de seu pai, o deputado Rubens Paiva.
Aula
Para além do olhar crítico sobre a sociedade, há ainda outras contribuições no livro. “É uma forma de falar de filosofia de um jeito gostoso e didático”, acredita o autor, que na obra aborda através dos olhos do orangotango teóricos importantes. “Muita gente não conhece a obra dos filósofos, as ideias marxistas. E existem coisas muito bonitas em Hegel, Kant, em Marx. Tem toda a questão de pensar em uma utopia, no altruísmo. Marx foi o primeiro a falar que o que difere o homem do animal é o altruísmo e é isso que falta hoje”, acredita.