Enquanto há pessoas que vão às ruas solicitar uma intervenção militar no país, um grupo de teatro leva para o palco uma história que coloca em xeque o terror promovido pelas ditaduras impostas em vários países latino-americanos. Realizado pelo grupo Mulheres Míticas, “O Deszerto” terá cinco apresentações no CCBB-BH, de hoje a segunda.
Na trama, que se passa em um deserto que poderia estar localizado em qualquer canto da América Latina, a ex-juíza Laura é confrontada pela filha, que a questiona se havia feito algo contra a repressão durante a ditadura. Neste momento, as memórias, guardadas silenciosamente, vêm à tona, revelando uma história de opressão não apenas política, mas também física.
Vinte anos antes, Laura recebeu uma proposta de um general: toda vez em que ela tivesse relações sexuais com ele, um preso político era libertado na fronteira.
A inspiração para a história partiu do livro “El desierto” (inédito no Brasil), do chileno Carlos Franz. “Muitas coisas do romance foram transformadas em elementos e linguagens próprias do teatro, como corpo, cenário, trilha sonora, imagens. O lugar cênico, por exemplo, é o deserto, que não é somente um espaço geográfico, mas também um deserto afetivo e social”, afirma a diretora do espetáculo, Sara Rojo, chilena radicada em Belo Horizonte há duas décadas.
Contemporâneo
O espetáculo começou a ser preparado há exatamente um ano e, conforme 2016 foi passando, os integrantes do Mulheres Míticas viram que o assunto se torna cada vez mais urgente.
“Muito já se fez em diferentes linguagens sobre a ditadura militar. Encontramos essa história que toca em partes que são meio abismais do ser humano. A personagem é estuprada e violentada, mas isso acontece de uma maneira um pouco romantizada no livro. Levantamos questões a partir disso”, explica Felipe Cordeiro, que assina a dramaturgia do espetáculo com Gabriela Figueiredo.
Segundo ele, não somente a memória sobre a repressão serviu de inspiração, como também a contemporaneidade. “Tem uma relação forte aqui com a situação do Brasil atual. Conseguimos englobar, por exemplo, as ocupações políticas, pensando em como a juventude tem trazido novos discursos políticos e novas formas de pensar o poder”, diz Cordeiro.
Embora violenta, a história de Laura também diz muito sobre todos, segundo Gabriela Figueiredo. “A pergunta que a filha faz para a mãe é algo que todos fizemos a nossos pais. Sempre refletimos as responsabilidades individuais”.
Serviço: “O Deszerto” no CCBB-BH (Praça da Liberdade, 450), de hoje a segunda, às 19h. Ingressos: R$ 20 e R$ 10 (meia)