Os últimos dos moicanos

Paulo Henrique Silva - Hoje em Dia
22/06/2014 às 08:32.
Atualizado em 18/11/2021 às 03:06
 (Samuel Costa)

(Samuel Costa)

Em tempos passados, eles só ocupavam lugar de destaque nas prateleiras em alguns estabelecimentos mais direcionados aos cinéfilos de carteirinha. Página virada. Hoje, os filmes brasileiros e de outras cinematografias que não seguem a fórmula hollywoodiana se transformaram nas grandes estrelas das locadoras belo-horizontinas, relegando a segundo plano nomes como Tom Cruise, Brad Pitt e Julia Roberts.
A mudança pôs fim a um modelo de gestão calcado na gigante americana Blockbuster, que pediu falência no ano passado, e representou a única maneira de as locadoras não fecharem as portas após a concorrência de serviços como Netflix e Now, que oferecem filmes no conforto de casa com apenas alguns comandos no mouse ou no controle remoto da TV a cabo.
No lugar de preencher o interior das lojas com cartazes dos principais sucessos nas bilheterias mundiais, os proprietários descobriram que a melhor forma de sobreviver a um mercado que, em dez anos, contabilizou o encerramento das atividades de 171 estabelecimentos somente em Belo Horizonte, seria atingir o ponto fraco das empresas de Video on Demand (VoD).
“Dificilmente você irá encontrar filmes de arte no menu desses serviços, que se baseiam em produções comerciais. Nós também temos esses filmes, mas numa proporção muito menor em relação ao que era antigamente, quando representavam o maior volume das locações. Se ficarmos restritos aos sucessos, não fecharemos as contas”, observa Juan Ferrer Moreno, dono da Companhia do Vídeo.
Randolfo Paiva, que administra a Star Video no bairro Luxemburgo, destaca que a adaptação levou a uma segmentação no setor, voltando-se para filmes de arte e nacionais, além dos clássicos – produções do século passado que também não costumam frequentar a programação do VoD. “O acervo tem que ser diferenciado. É a forma que você tem para fidelizar um público”, receita.
As produções “made in Brazil” têm lugar cativo em sua loja, bem como nas outras duas que mantém em Divinópolis. “Elas estão sempre alugadas”, afirma, citando como exemplo o documentário “Elena”, da diretora mineira Petra Costa, lançado com poucas cópias. “Nesse exato momento em que falo com você, o DVD não está aqui. Mas ‘O Lobo Atrás da Porta’, que concorreu ao Oscar, está”, compara.

Dos dez mil títulos disponíveis na Star Video, o proprietário Randolfo Paiva calcula que 1.500 têm origem nacional. Número não muito diferente da BH Video, localizada na região central de BH, uma das mais antigas do mercado (são três décadas de existência), e também uma das primeiras a reconhecer o filão. “Desde o início já trabalhávamos com os clássicos. Deu tão certo que abri, na mesma galeria, uma loja só para venda de filmes”, registra Élcio de Mello.
“Se você quer uma coisa mais difícil, pode procurar a gente, o Juan (Ferrer Moreno, dono da Companhia do Vídeo) ou o Randolfo. E se não tiver um filme que foi lançado no Brasil, corro atrás e entrego uma cópia em até 15 dias. Esse é o nosso diferencial, o que nos faz ser procurados por centenas de colecionadores”, envaidece-se Mello. Dos 67 mil filmes lançados em DVD e blu-ray no país, ele garante ter 30 mil.
“Não somos apenas uma locadora. Somos uma loja especializada em cinema. Tenho um orgulho danado desse trabalho, porque, assim como a Livraria do Amadeu (onde se vende livros antigos, no edifício Maletta), nós guardamos a cultura, só que em imagens. Belo Horizonte deve muito a mim, ao meu sócio, Antônio de Pádua, ao Juan e ao Randolfo”, salienta Mello.
Como já dá para perceber, a relação entre aqueles que investiram numa locadora segmentada é muito cordial, direcionando clientes para a loja dos concorrentes quando não dispõem de determinados títulos. “Trocamos muita figurinha. Antigamente éramos ‘inimigos’, mas agora somos parceiros – até porque estamos em bairros diferentes”, concorda Paiva.
A Companhia do Vídeo tem com a Dumont, outra importante rede da capital mineira, um código de conduta não escrito, segundo Juan. “Eles não abrem loja perto de mim e eu não abro perto deles. Belo Horizonte é muito grande. Não precisa de ninguém canibalizar o outro. Do contrário, todos nós perderemos dinheiro”.
  A nova formatação do mercado de vídeo fez com que as locadoras deixassem de ser os grandes clientes das distribuidoras de filmes. “Já fomos um dos mais fortes mercados de rental (locação) do mundo. Agora as distribuidoras estão se voltando para a venda (sell thru), passando os magazines na nossa frente”, relata Juan Ferrer Moreno, da Companhia do Vídeo.
“Como a fórmula se inverteu nos últimos tempos”, prossegue Moreno, “os distribuidores não se preocupam mais com a locadora. Os magazines recebem os filmes primeiro, com uma semana de antecedência. E quando vamos reclamar dizem que foi um erro logístico, mas a gente sabe que é mentira. Nossa relação passou a se dar mais com as produtoras independentes”.
Randolfo Paiva, por exemplo, costuma indicar para as distribuidoras Lume e Versátil títulos que são frequentemente procurados por clientes e que até hoje não foram lançados. Uma dessas sugestões foi o filme “Um Golpe do Destino” (1991), em que o ator William Hurt interpreta um médico diagnosticado com câncer na garganta, passando a ter outra perspectiva da medicina.
A Wmix representa em Minas Gerais algumas dessas distribuidoras menores, como Imagem, Versátil e Europa. A gerente regional Thais Guimarães se tornou, no Estado, a principal fonte de informação sobre a situação do mercado, reunindo números que comprovam a crise do setor após a pirataria e a implantação dos serviços de Video on Demand.
Das 232 locadoras existentes em Belo Horizonte em 2004, só restaram 61. Na Grande BH, a redução foi de 90 para 23 lojas. De acordo com Thais, ocorreu uma queda de 36% no volume das locações. Randolfo Paiva lembra que, no final da década de 80, período em que a locação viveu seu boom, a Associação das Videolocadoras do Estado de Minas Gerais (Avlemg) chegou a contar com cinco mil associados.
“A associação acabou por falta de entendimento entre os filiados, porque o foco passou a ser o boicote do preço das distribuidoras, deixando de comprar filmes de algumas empresas para forçar baixar os valores. Mas muitas locadoras furaram na época”, lembra Thais. Moreno recorda que a Avlemg não estava preocupada com o mercado. “Virou um cartel”, lamenta.

© Copyright 2024Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por
Distribuido por