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Mesmo estreando com muito estilo e inovação, o músico paulista Romulo Fróes não escapou da sanha “rotulante” da imprensa especializada. Seu primeiro trabalho, o melancólico disco “Calado”, de 2004, remetia ou, de alguma forma, lembrava as antigas melodias de Nélson Cavaquinho, principalmente aquelas mais contidas. Foi o bastante para os “especialistas” começarem a chamá-lo de sambista, sambista, sambista. Fróes não tem nada contra o samba, muito pelo contrário, acha até que para “dar o passo adiante na música brasileira, é preciso dar conta do samba”.
A primeira pergunta é sobre essa tal “pecha’ de sambista que te acompanhou por um tempo. Foi seu primeiro álbum “Calado”, de 2004, que imprimiu isso ou você vê isso de outra forma?
Foi meu trabalho inicial que imprimiu essa pecha. Apesar das experimentações, dos arranjos incomuns, das letras estranhas, toda invenção que contém nele vem do samba, porque acreditava e ainda acredito que para dar o passo adiante na música brasileira, é preciso dar conta do samba. O fato do Calado soar muito samba vem disso e talvez explicite seu fracasso na tentativa de criar algo novo!
A Folha colocou “Calado” como um dos 50 álbuns mais importantes da música brasileira. Como você recebeu essa eleição?
Na realidade é uma lista dos álbuns mais importantes da música brasileira na primeira década neste século. É claro que me senti muito envaidecido e realizado, porque contrariando o que disse na resposta anterior, ele pode até ter sido um fracasso no que se refere a apresentar algo novo, mas seu sucesso artístico é indiscutível e o tempo vem mostrando isso!
Você foi assistente do Nuno Ramos e ele é seu parceiro há um bom tempo.
Como funciona essa parceria?
Foram 16 anos trabalhando como assistente pra ele, foi minha verdadeira formação intelectual! A parceria nasceu da amizade primeiro, como minha parceria com o Clima (Eduardo Climachauska). Esse núcleo fundamental para a minha música se organiza por nossa vida em comum, nos nossos trabalhos em outras áreas, especialmente as artes plásticas, por nossos encontros, nossos papos no boteco, enfim, do cotidiano que criamos e em torno do qual o assunto principal é fazer e falar de arte!
Em 2006 você faz o álbum “Cão”. Fale um pouco sobre esse trabalho.
Cão” é um álbum muito especial pra mim pelo que veio dele ao longo desses anos. É um álbum muito querido por quem gosta da minha música, mas à época ele se colocou pra mim como um trabalho no meio do caminho na minha discografia. Ao mesmo tempo que avançava questões que o “Calado” propunha, sobretudo sua relação com o samba, ele estava atrasado em relação ao meu desejo de mexer com a sonoridade das minha canções. Me lembro de tocar somente uma música do disco no dia do seu lançamento, minha cabeça já estava no disco que viria substituí-lo, o “No Chão Sem o Chão”. Agora que estou num momento de pensar em um novo disco o que realizei com “Cão” não sai do meu horizonte.
Como você vê a produção musical- e de cultura - hoje no Brasil?
A produção artística brasileira vive um grande momento, um dos maiores de sua história, basta ver o cinema, as artes plásticas, a literatura, a música. A quantidade de trabalhos consistentes produzidos hoje no Brasil não tem precedentes. O que falta mudar é a percepção preguiçosa dos consumidores de cultura. Os meios tradicionais não são mais os interlocutores ideais de nossa produção. É preciso sair à rua, buscar as novidades, tenho certeza que quem fizer isso se surpreenderá! Agora, se o que se procura é Cândido Portinari, Gilberto Freire ou Ariano Suassuna, como sugeriu a Carta Capital em sua última edição, então nem perca o seu tempo! Não é para perpetuar as conquistas que existe a arte. Arte existe para seguir adiante, respeitando o passado, pensando o presente, preparando o futuro!
O “Chão Sem O Chão” é um álbum duplo! Que fôlego é esse?
O fôlego que mostro desde o início, mas que com “No Chão Sem o Chão” se tornou explícito. Acho que menos por sua quantidade de faixas - 33, mas mais pela variedade de caminhos que ele propõe, seja nos arranjos, nas letras, nos ritmos, isso tudo pra me livrar da tal pecha de sambista que você citou. Queria escancarar o que para mim é minha principal característica, a de ser um compositor. Para isso me lancei pra compor em qualquer estilo que a musica brasileira abarque: baião, bossa nova, frevo, jazz, valsa, marcha, etc. Tudo amalgamado por um som e uma atitude, digamos, mais rock. Mas o rock feito no Brasil dos anos 1970 por Jards Macalé, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Jorge Mautner, Lanny Gordin, Mutantes e tantos outros. “No Chão Sem o Chão” foi minha carta de alforria, a partir dele ficou mais difícil de classificar minha música e, ainda que eu faça samba, coisa que nunca deixei de fazer, ninguém mais terá a ideia de me chamar de sambista!
A mídia parece que gosta de você. Matérias quase sempre elogiosas na Folha, TRIP, BRAVO! etc. Como é sua relação com a imprensa?
Minha relação com a crítica é de interesse, pelo que ela tem a dizer sobre o meu trabalho e de cobrança, para que ela acompanhe a evolução por que passa a música brasileira. Não tenho o menor pudor em discutir sobre música, venho de um meio onde esse exercício é muito valioso. Talvez por isso, por esse meu interesse e por meu desejo em divulgar não só minha música, mas a música que meus contemporâneos estão criando, coisa que faço há anos através de textos, festas, curadorias, programas de tv e por minha facilidade em falar a respeito, talvez por isso seja tão contínuo meu contato com a imprensa.
Já ouvi mais de uma vez que seu primeiro álbum “Calado” é um dos trabalhos mais tristes da história recente da música brasileira...
Tenho apreço por um lado menos luminoso da arte brasileira, do qual Nélson Cavaquinho talvez seja seu maior expoente. Me refiro a artistas como Paulinho da Viola, Cartola, Batatinha, mas também a Goeldi, pra falar de alguém das artes plásticas. Essa sensação mais rebaixada, mais contida, mais para dentro, permeia todo o meu trabalho e me seguiu até meu disco mais recente “Um Labirinto Em Cada Pé”, de 2011. E é esse sentimento que pretendo exacerbar ainda mais no disco que devo lançar ainda este ano.
Quais são seus projetos para 2013?
Além de gravar meu disco novo, que deverá se chamar “Barulho Feio”, antes, provavelmente em junho, lanço o segundo disco do “Passo Torto”, projeto que mantenho ao lado de Rodrigo Campos, Kiko Dinucci e Marcelo Cabral. Fora isso é a vida normal, tentando levar minha música para mais e mais lugares, tornando-a conhecida para o máximo de gente que conseguir!