Pesquisa enfoca mistérios sobre a passagem de Orson Welles por Ouro Preto

Paulo Henrique Silva - Hoje em Dia
30/04/2015 às 07:57.
Atualizado em 16/11/2021 às 23:50
 (Eugenio Moraes)

(Eugenio Moraes)

A caminho de Ouro Preto, o carro de Orson Welles faz uma parada não prevista em Itabirito, para resolver problemas mecânicos numa oficina do centro. Poucas horas no lugar, naquela tarde de março de 1942, são suficientes para um dos maiores nomes do cinema figurar no anedotário: em seu único registro fotográfico em Minas Gerais, Welles posa, divertido, após ser flagrado fazendo xixi no rio Itabirito.

A imagem do morador Alyrio Cavallieri – um cinéfilo que mais tarde seria juiz e desembargador no Rio de Janeiro – ganhou as manchetes de um jornal carioca, destacando o “batismo” promovido pelo diretor americano, que estava no Brasil para filmar o documentário “It’s All True”, como parte da política de boa vizinhança do governo dos Estados Unidos, na época da Segunda Guerra Mundial.

No Brasil, o “boy genial”, que completaria cem anos na próxima quarta-feira (29), dia 6 de maio, se enfronhou na cultura e problemática social brasileiras, principalmente em Fortaleza e no Rio de Janeiro. Mas sua passagem por Minas é até hoje cercada de muito mistério e casos pitorescos. Quais as razões, por exemplo, que o teriam levado a Ouro Preto, numa pausa das filmagens?

Esse é o tema da pesquisa da jornalista Laura Godoy, que acompanhou a reportagem do Hoje em Dia pelas ruas íngremes da cidade histórica. “Ele se transformou numa lenda aqui, com depoimentos de gente que o viu nos mais variados lugares”, afirma. Apesar de as certezas serem poucas, ela comemora o que vem cada vez mais se revelando como verdade: o enfant terrible quis ver com seus próprios olhos a Semana Santa ouropretana.

Contraponto

Após intensa troca de informações com a professora Catherine L. Benamou, autora do livro “It’s All True: Orson Welles’s Pan-American Odyssey” (2007), Laura concluiu que a cidade serviria, no documentário, como contraponto ao Carnaval carioca. Mais do que isso: Welles estaria curioso a respeito da forte influência ibérica na festividades mineira.

“Ao que tudo indica, essa informação foi passada pela fotógrafa Genevieve Naylor, que veio ao Brasil um ano antes, enviada pelo Departamento de Estado. Ela viajou pelo país, fez fotos da nossa pobreza e depois acabou se aproximando da esquerda brasileira. A partir de Genevieve, Welles viu, então, uma ligação com a Espanha onde morou, especialmente em relação aos cantos e às procissões”, relata a jornalista.

A pesquisa mostra que Welles foi recebido pelo padre João e pelo então prefeito, Washington Dias, na porta da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Pilar, na Praça Monsenhor Castilho Barbosa. Ele teria entrado na igreja, que é uma das referência do barroco mineiro, e depois subido até a rua São José, para acompanhar a procissão. É possível que tenha também passado pela Praça Tiradentes.

De família

A pesquisa de Laura é uma continuidade do interesse que seu pai, o fotógrafo Victor Godoy, demonstrou pelo assunto. “Meu pai sempre se interessou pela memória da cidade, mas a questão de Welles ficou meio no ar. Por isso peguei a pesquisa dele para aprofundá-la”, explica Laura, que a um congresso na Universidade de Michigan, em outubro, para falar de sua pesquisa.

Itabiritenses desconhecem história de estátua de cineasta

Pastel de angu, minério de ferro e Telê Santana, que foi técnico do Atlético e da Seleção Brasileira. Essas são algumas das riquezas de Itabirito, localizada a 57 quilômetros de Belo Horizonte. Na cidade, porém, pouca gente sabe da história da passagem de Orson Welles.

No Centro de Informações Turísticas, no Centro de Itabirito, há vários guias turísticos, destacando cachoeiras e parques ecológicos, mas nada que se refira à vinda do cineasta, apesar de, a poucos metros dali, ter sido instalada uma escultura em tamanho natural de Welles.

Cria do artista plástico Genin Guerra, a estátua está diante exatamente do rio onde o realizador americano “se aliviou”, no Largo dos Imigrantes. Do lado há uma placa com dizeres de Alyrio Cavallieri, que, na época, reconheceu Welles e fez a histórica foto do “pipi” no Itabirito.

“(A atitude) Teve uma repercussão danada, até mesmo negativa para a cidade, pois ele urinou no rio que corta a cidade”, recorda Vitto Rocco Melillo, que tinha seis anos em 1942. É a este filho de imigrante italiano que recorrem quando o assunto é o passado do município.

Primo de Telê, ele sabe tudo sobre a fundação de Itabirito, em 1709, até o nascimento de um quitute naquelas terras: o pastel de angu. Quando Welles passou por Itabirito, já trabalhava como engraxate no dia que Alyrio pegou uma pequena câmera Kodak para fazer o flagrante.

“Ele ajudava no Bar do Primo, que tinha como donos dois gêmeos, o Primo e o Segundo. Alyrio provavelmente tinha visto um filme com Welles no Cine Central, o que fez com que reconhecesse o diretor, que, depois do xixi, entrou no bar para comer, partindo em seguida para Ouro Preto”, registra.

O Primo, que reunia restaurante, bar, espaço de sinuca e “uma vitrine rotativa com doces maravilhosos”, foi demolido e hoje o local é usado como estacionamento. As colunas coloridas que saem do chão são fruto, segundo Vitto, da construção frustrada de um edifício.

“O construtor caiu em descrédito na praça e a Prefeitura, durante o Carnaval, preferiu pintar as fundações”, explica Vitto, que, como filho de imigrantes, desaprova a estátua. “Não tem nada a ver. O largo foi feito para homenagear os imigrantes italianos, portugueses, japoneses e árabes. E Welles era americano”, critica.
 

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