Pessoas de várias idades assentiram ao convite para assistir a filmes de época

Paulo Henrique Silva - Hoje em Dia
30/06/2014 às 08:49.
Atualizado em 18/11/2021 às 03:12
 (Luiz Costa)

(Luiz Costa)

"Se rir, vai apanhar!”, avisa, em tom de brincadeira, Maria Teresa Santa Bárbara, apontando para a filha, Marcella, ao lado. O motivo para o alerta é “Os Embalos de Sábado à Noite”, marcante musical da década de 70 que voltou aos cinemas, na semana passada, para sessões especiais em cópia digital restaurada. Um dos temores da mãe é que a indumentária da época e a trilha sonora que tanto empolgou a geração “disco” (com direito a Bee Gees) sirvam de chacota para quem cresceu diante de um computador ou smartphone.
Independentemente de gostos, a programação dedicada a clássicos vem obtendo ocupação acima do esperado em salas do BH Shopping, Diamond Mall e Pátio Savassi. Outra surpresa é observar que o público que vem acorrendo a essas salas não é formado apenas por saudosistas e cinéfilos de plantão. Entre os que estão garantindo seus ingressos estão, por exemplo, jovens como Adma Maciel, de apenas 17 anos, que está sendo apresentada pela primeira vez a obras inesquecíveis como “Taxi Driver”, “Laranja Mecânica” e, claro, o filme que lançou John Travolta ao estrelato.
“Além de já ter assistido a outros filmes de Travolta e gostar muito do trabalho dele, sempre ouvi falar de ‘Embalos’ através de meus pais. Por influência deles, aprendi a gostar das músicas e do comportamento daquela época”, observa. Na noite da última quarta-feira, a estudante compareceu à sessão no Pátio Savassi acompanhada do namorado. Os pais ficaram em casa. Mas o que se viu, na verdade, foram vários grupos, inclusive famílias, de faixas etárias distintas.
A empresária Denise Icker, que já viu o musical inúmeras vezes na TV a cabo e em DVD, fez questão de levar os pais, Marco Antônio Rodrigues e Vanda Silva, para uma revisão de “Os Embalos de Sábado à Noite” na telona. “Fui à primeira sessão no lançamento”, recorda Rodrigues, que não escapou à febre que tomou conta do mundo em torno de Tony Manero, um jovem trabalhador que extravasa as suas frustrações nas pistas.
  Na linha ‘vale a pena ver de novo’
A enfermeira Alessandra Vitoriano de Castro se lembra como se fosse ontem da sessão de “Os Embalos de Sábado à Noite” num Metrópole (cinema de rua que foi fechado em 1983, para dar lugar a uma agência bancária) cheio. E no qual o público não se limitou a ficar devidamente sentado nas poltronas. “Era uma bagunça organizada. As pessoas que já sabiam as coreografias subiam ao palco para dançar juntamente com John Travolta”, registra. Sim, não eram poucos os que assistiam ao filme várias vezes.
Alessandra retornou outras vezes ao cinema, naquele mesmo ano de 1977, além de matar as saudades periodicamente do filme sempre que era lançado em um novo formato, como VHS ou DVD. Sem falar do disco com a trilha sonora assinada pelo trio de irmãos Bee Gees, e recheada de hits como “Night Fever”, “How Deep Is Your Love” e “Staying Alive”, tocadas em dez em cada dez discotecas no mundo.
Evidentemente, ela espera que a filha Ludmila também se deixe contagiar por essa paixão. Na verdade, minutos antes de entrar na sala do Pátio Savassi, a designer se dizia apenas “uma acompanhante” da mãe, embora revelasse um gosto particular por musicais, citando “Mamma Mia” (recheado com canções do grupo sueco ABBA) como um dos seus preferidos. “Poderiam reexibir também ‘O Mágico de Oz’ (produção de 1939)”, sugere Ludmila.
Pelo menos dois entrevistados citaram o filme “O Poderoso Chefão”, de Francis Ford Coppola, como um dos títulos que gostariam de rever em tela grande, sem saber que a saga mafiosa da família Corleone já está agendada para o segundo semestre. Erick Gomes nunca viu o filme ganhador do Oscar de 1972, mas sabe da importância dele na história do cinema mundial.
O servidor público de 29 anos está acompanhando o projeto da Cinemark como uma maneira de pôr em dia os clássicos recomendados pelos guias de cinema. Assim como ele, seu amigo Fabrício Gonçalves, 22, não conhecia o filme com John Travolta. Para o analista de negócios, a projeção de “Os Embalos de Sábado à Noite” e “Nos Tempos da Brilhantina” é a oportunidade para tomar contato com os primeiros trabalhos do ator.
Magda Santa Bárbara, por sua vez, sabe de cor e salteado a história de Tony Manero. “É uma obra que marcou época, nunca canso de rever. É muito interessante ver o comportamento, a cultura e alegria que os jovens carregavam naqueles tempos. Algo que hoje não se vê mais”, assinala a engenheira, que espera também poder rever o drama “O Franco Atirador”, outro filme marcante da década de 70.
  Assistir na tela grande faz toda diferença para os que amam cinema   O crítico de cinema Thiago Stivaletti celebra o êxito do retorno dos clássicos – juntos, “Taxi Driver”, “Laranja Mecânica” e “Pulp Fiction” levaram mais de 30 mil espectadores às salas da Cinemark nesta iniciativa – como a quebra de um tabu, segundo o qual filmes antigos não dão bilheteria.
“Apesar de boa parte dos clássicos estar disponível em DVD ou para download, tem sempre uma galera interessada em vê-los nos cinemas, muitos deles jovens que, mesmo sem saber bem o porquê, percebem que existe uma diferença entre assistir em casa e numa telona”, registra.
A surpresa de Stivaletti é em relação ao responsável pela iniciativa, uma rede que normalmente privilegia filmes comerciais. “Na contramão disso, os cineclubes, que deveriam cumprir com esse papel, estão mais tímidos, raramente passando produções antigas”, lamenta.
Ele salienta que, na França, há várias salas especializadas em clássicos, como a rede Action, que administra três complexos com duas salas cada. “O que falta aos cineclubes daqui é criar uma embalagem charmosa para que se tornem um programa interessante entre os espectadores”, receita o crítico. Para Stivaletti, tudo é uma questão de hábito, mesclando filmes de viés mais cult e conhecidos do público com obras de começo de carreira de um diretor de renome. “Hoje, a oferta de inéditos é tanta que esse ingrediente deixou de ser uma força. O charme agora é ver filmes bons de qualquer época”.
Editor do caderno de Cultura do jornal “Correio da Paraíba”, Renato Félix lembra que, até a década de 80, era muito comum os cinemas reapresentarem grandes filmes. “Virava um evento por si só. E isso deixou de fazer sentido com a chegada do VHS, que facilitou o acesso a filmes antigos”, assinala.
“Não sou eu que vou negar como são boas essas facilidades proporcionadas pelas novas tecnologias, mas a verdade é que, para quem ama mesmo o cinema, ver na tela grande faz uma diferença enorme”, destaca Félix, que se deslocou de João Pessoa, onde não há salas da Cinemark, a Recife para assistir à cópia de “Pulp Fiction”.

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