Primeiro longa do mineiro Marcelo Reis, "Aterro" é um dos destaques entre as estreias de sexta

Paulo Henrique Silva - Hoje em Dia
01/08/2013 às 09:50.
Atualizado em 20/11/2021 às 20:34

Bons tempos aqueles. Frase corriqueira na boca de saudosistas, ela provoca estranhamento e reflexão quando parte de sete mulheres que, na década de 70, ganhavam a vida catando lixo no aterro (agora desativado) do Morro das Pedras, na região Oeste de Belo Horizonte.

A impressão, após assistir ao filme "Aterro", um dos destaques entre as estreias desta sexta-feira (2) nos cinemas, é que essas catadoras não só eram felizes (uma delas construiu uma casa com o que encontrou no lixão) como também tinham consciência do papel que cumpriam, como pré-ecologistas.

"Não se resume apenas a uma questão de sobrevivência. Várias delas incorporam esse valor, num trabalho de sustentação do sistema, enxergando que, quanto menos coisas forem para terra, melhor para todo mundo", observa o diretor Marcelo Reis, estreante em longas.

O que não quer dizer que tudo foi felicidade para essas mulheres. Há relatos tristes, como o encontro de grande quantidade de recém-nascidos quando os caminhões viravam o material colhido nas ruas. E o risco dessa atividade não era somente ingerir produtos vencidos e contaminados.

Tragédia

Caso pouco conhecido e divulgado, um incêndio ocorreu no aterro em 1971, devido à explosão de gás metano produzido durante a decomposição de substâncias orgânicas, que teria provocado uma avalanche de lixo, derrubando várias casas no entorno.

"Não há dados confiáveis porque, na época, tragédias em periferia não chamavam atenção como hoje. O número de mortos vai de 40 a 150. Muitos corpos não foram encontrados porque os bombeiros não reviraram todo o lixo, permanecendo enterrados embaixo do material queimado", registra.

Outro incêndio, de menores proporções, atingiu o lixão do Morro das Pedras no ano seguinte. O local só foi fechado pela Prefeitura Municipal em 1975, por ter extrapolado a sua capacidade de aterragem, sendo transferido para a BR-040. Em 2007, também foi parcialmente desativado e passou a abrigar um museu.

Tráfico de drogas

"Há ainda algumas células lá, funcionando principalmente como uma estação de transbordo para Sabará, para onde grande parte do lixo é levado. Lá também recebe lixo hospitalar e a poda de árvores que sofrem processo de compostagem para virar adubo para parques da cidade", salienta Reis.

Com a saída do lixão do Morro das Pedras, muitos catadores abandonaram a região. Nas décadas de 80 e 90, o tráfico tomou conta do lugar, que passou a ostentar os maiores índices de violência da cidade. "A exemplo de outras capitais, o tráfico se instalou nos lugares onde o Estado não está presente", analisa.

A razão de o filme contar apenas com mulheres entre os depoentes reside, em parte, na evasão pós fechamento do aterro. "Busquei personagens que ainda residiam no Morro. Não surgiu nenhum grande personagem masculino durante a pesquisa. Além disso, quis mostrar a força e a sabedoria do elemento feminino", explica.

"Filme não é de denuncia, é antropológico", diz diretor

A história das catadoras de lixo do Morro das Pedras chegou aos ouvidos de Marcelo Reis por uma educadora de idosos que trabalhava na região.

"Eu dava aula de vídeo para um projeto no Instituto Cruz de Malta quando essa educadora me falou de uma visita guiada de idosos no aterro da BR-040", lembra.

As visitantes repentinamente viraram professoras, passando informações ao instrutor. "O guia ficou assustado, porque quem acabou aprendendo foi ele".

O maior entrave para a realização do documentário foi o acesso ao aterro em Sabará. "Ficamos 114 dias esperando uma autorização, que nunca veio", lamenta.

A explicação pode estar nos problemas ambientais e legais gerados pelo aterro, como a proximidade de um rio, de uma mina e da cabeceira do aeroporto.

"Mas não me atenho a isso porque o filme não é de denúncia. É antropológico, destacando um patrimônio imaterial da cidade, a nossa memória", assinala.

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