Três tons do artista carioca Jorge Mautner

Cinthya Oliveira - Hoje em Dia
23/03/2014 às 10:07.
Atualizado em 20/11/2021 às 16:48
 (Lais Merini)

(Lais Merini)

Jorge Mautner acredita que nunca teve tanto público quanto hoje. Mais de 50 anos após a publicação de seu primeiro livro, “Deus da Chuva e da Morte”, e 48 anos após seu primeiro compacto, “Radioatividade, Não, Não, Não”, parece que o Brasil finalmente compreendeu melhor um de seus filhos mais visionários. E como ele responde aos afagos? Com mais trabalho. Aos 73 anos, se prepara para colocar no mercado mais um disco de inéditas, além de planejar uma turnê com a banda Tono e comandar mais uma temporada do programa “Oncotô”, da TV Brasil.    Em sua agenda também estão várias palestras sobre a ditadura militar – temática oportuna por conta dos 50 anos do golpe. No dia 9 de abril, o artista/pensador estará na UFMG para participar do programa “Retrato do Artista – Molduras do Pensamento”, onde vai conversar com jovens sobre sua passagem pelo Partido Comunista (sua adesão foi em 1962), sua prisão em 1964 e seu exílio em 1970, em Londres, quando se aproximou de Caetano Veloso e Gilberto Gil.    Além do portal “Panfletos da Nova Era”, onde se pode encontrar tudo sobre o artista (discos, textos, livros, vídeos), o público agora também poderá ter um contato maior com uma das fases mais célebres da carreira musical de Mautner. A Universal Music acaba de lançar o box “Três Tons” com os importantíssimos álbuns “Para Iluminar a Cidade” (1972), “Jorge Mautner” (1974) e “Mil e Uma Noites de Bagdá” (1976).    Para Mautner, o público brasileiro hoje o abraça com maior intensidade por, finalmente, estar vivenciando as tão sonhadas inclusões sociais e compreendendo sua riqueza cultural – algo que sempre reverenciou em suas obras. “Agora, com a internet, a molecada vê que muita coisa passou, aconteceu. Compreende esse amálgama que é o Brasil, algo que José Bonifácio descreveu lá em 1823. Hoje, o mundo não bebe água, não come nada que não seja Brasil. Ou o mundo ‘mimifica’ o Brasil ou ficará estraçalhado”, afirma.    Show com Tono lembra anos 70   O encontro com o Tono no palco já vinha acontecendo desde o ano passado, mas agora ganhou um caminho diferente. Aproveitando o lançamento do box “Três Tons”, Jorge Mautner e a banda (um coletivo de prodígios da música carioca, como Bem Gil, Eduardo Manso e Rafael Rocha) decidiram levar para o palco o repertório dos três álbuns marcantes dos anos 70 – algo complicado, porque a linguagem musical dos três trabalhos são completamente diferentes entre si.   “Eles são geniais, possuem neurônios saltitantes. Eles queriam rigor ao levar esse repertório para o palco, mas eu disse que não precisava imitar. Então, eles decidiram manter os arranjos das gravações e ressaltar sua assinatura em um momento aqui e ali”, revela Mautner, que diz estar feliz em trabalhar com Bem Gil, filho de seu amigo Gilberto Gil. “É uma sensação maravilhosa ver essa união de gerações”, diz.    Novo   Para a realização de seu novo disco de inéditas (como nome provisório de “Jesus de Nazaré e os Tambores do Candomblé”), Mautner está contando com o trabalho de outros dois prodígios da música contemporânea: Kassin e Berna Ceppas, que já haviam produzido o álbum “Revirão”, de 2007.   “O disco sai no segundo semestre e terá várias surpresas, como novas gravações para as música ‘Radioatividade’ e ‘Não, Não, Não’, que foram lançadas em 66, mas o Dops recolheu. Também tem uma música minha com Caetano Veloso sobre direitos humanos, que fala assim: ‘A liberdade é bonita, mas não é infinita/ acredita, a liberdade é a consciência do limite”, adianta.    Este é o primeiro disco que Mautner faz sem ter o amigo e principal parceiro musical por perto. Morto em 2012, vítima do câncer, Nelson Jacobina compôs com Mautner algumas músicas que se tornaram clássicas – como “Maracatu Atômico” e “Lágrimas Negras”. “Foram 40 anos de parceria e a falta dele é total. É um artista que participou até o fim de shows e da militância política. O impressionante é que, com a metástase, ele sentia dores muito fortes que nenhum remédio conseguia resolver. A dor só sumia quando ele subia no palco”.    Filho de judeu, criado por uma mãe de santo   A história de Jorge Mautner se tornou conhecida, por ser tão fantástica, mas não custa relembrar. O artista nasceu um mês após seus pais chegarem ao Brasil, fugidos do Holocausto – seu pai, o austríaco Paul Mautner, era judeu.    Sua mãe viveu uma intensa depressão e Mautner foi criado pela babá Lúcia, uma mulher negra e ialorixá que o levava sempre ao terreiro de candomblé. “Todo fim de semana eu a via colocar a roupa branca e ela acariciava os meus cabelos, enquanto me dizia que meus pais sofreram muito, mas que ali eu encontraria amigos e amigas. Eu adormecia ao som dos batuques”, lembra Mautner.   Quando seus pais se separaram, sua mãe, Anna, se casou com um o violinista Henri Müller, integrante da Orquestra Sinfônica de São Paulo. “Ele fazia bicos nas rádios Record e Tupi, e com ele aprendi a gostar de música popular, como Jackson do Pandeiro. Já com meu pai, aprendi a ser um grande admirador do Brasil”.   As influências foram tão díspares que Mautner se tornou o maior exemplo da multiplicidade de culturas e ideias que sempre tratou em suas obras. Ele se sente o exemplo de uma mistura em eterno movimento. “Isso vem dos tupis e guaranis. Enquanto outras culturas procuram estraçalhar o diferente, os nosso índios entendiam o diferente como um mistério a ser desvendado. Quando os brancos chegaram, em vez de travarem guerras, quiseram conhecer melhor o diferente que chegava. Por isso há a história do Caramuru”.    Filme popularizou a história do artista   Quem quiser saber mais sobre a história de Jorge Mautner pode conferir o DVD do filme “O Filho do Holocausto” (2012), baseado em autobiografia. Dirigido por Heitor D’Alincourt e Pedro Bial, o documentário explora a incrível história de Mautner e sua obra, tanto literária quanto musical.   “Sou uma pessoa que conseguiu contribuir para a história da música no Brasil e para as mudanças políticas porque sempre irradiei novidades”, diz o artista, que compreende que seu jeito sempre pareceu estranho a muitos olhos. “Esse é o meu estilo, que faz parte de um conteúdo poético, literário, histórico e filosófico”.    Leia mais na Edição Digital

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