Um passeio com Antonio Pitanga

Paulo Henrique Silva - Hoje em Dia
19/07/2015 às 11:51.
Atualizado em 17/11/2021 às 00:58
 (Luiz Costa)

(Luiz Costa)

Antonio Pitanga se sente à vontade no Mercado Central. Apesar de seu “ambiente natural” ser um set de filmagem, onde ajudou a realizar algumas das produções mais marcantes do cinema brasileiro, o veterano ator, de 76 anos, nunca abriu mão de fazer ele mesmo a sua “feira”, especialmente aos domingos.

“Isso aqui é o meu oxigênio, a minha vida”, registra esse baiano residente no Rio de Janeiro. Com seu indefectível chapéu panamá, caminhou pelos corredores do Mercado a convite do Hoje em Dia, na última segunda-feira, horas antes de participar da exibição de “Ladrões de Cinema”, da Mostra Curta Circuito.

“É o que me faz estar perto do povo, da minha origem pobre”, observa Pitanga, que representou o homem das ruas no cinema, desde a estreia com “Bahia de Todos os Sambas”, em 1960, passando por obras como “O Pagador de Promessas”, “Ganga Zumba”, “Barravento” e “A Grande Cidade”.

COZINHA DA BENEDITA

Apesar de sempre voltar para casa com jiló, quiabo e peixe, ele admite que, na cozinha, quem manda é a Benedita. “Sei fazer coisas simples, mas quando você tem em casa uma mulher que cozinha melhor que você, deixo para ela”, explica, referindo-se à deputada e ex-governadora do Rio, Benedita da Silva.

A cada passo no Mercado Central Pitanga é abordado por lojistas e frequentadores. “Você é o pai da Camila (Pitanga?”, pergunta um. O ator leva no bom humor, respondendo que “sim, mas antes de ser pai da Camila, ela era a minha filha”. Outro quer saber o que ele anda fazendo e o baiano dá um título: “Malês”.

E devolve a pergunta: “Você já ouviu falar da revolta dos malês? Foi uma das mais importantes do Brasil, feita por negros muçulmanos em Salvador (no século 16) para libertar os escravos”, avisa. Ele deve interpretar Pacífico Licutan, um dos líderes do movimento. “Não será um filme sobre negros coitadinhos”.

DOCUMENTÁRIO

Antes, porém, Pitanga estará em outro filme, dessa vez sem precisar interpretar: um documentário que leva o seu nome, dirigido pela filha Camila e por Beto Brant (“O Invasor”, “Eu Receberia as Piores Notícias dos seus Lábios”). No início, rechaçou a ideia, mas depois foi convencido pela proposta, que o põe ao lado de nomes que escreveram a história cultural do país nos anos 50 e 60.

“Fizemos isso numa época em que Salvador, apesar de ser 90% formada por negros, era racista. Vivíamos essa ebulição em todas as áreas”, recorda. E hoje, como a cultura anda? “Vivemos a revolução tecnológi-ca, em que tudo acontece aqui (mostra o celular), para lhe dar mais conforto”.

Pitanga não é avesso, por exemplo, a smartphones. Mostra um, usado para se comunicar – pelo whatsapp, principalmente – com os filhos (além de Camila, ele é pai do também ator Rocco). “É como ter tudo e não ter nada”, critica, lembrando-se de um tempo em que o aprendizado se dava fazendo.

“QUERO TROCAR IDEIAS”

Para ilustrar essa ideia, Pitanga pega uma embalagem de tomates e pergunta ao vendedor o seu valor. Após a resposta, ele confirma a sua tese: “Está vendo? A coisa já aconteceu, a ideia está aí. Não precisamos repetir essa cena 20 vezes, enchendo o saco das pessoas, como muitos diretores de agora fazem”.

Ele enxerga nesse exagero uma “afirmação constante de si mesmo”. Lamenta que os jovens de hoje não se movem, no sentido literal e figurado. “Tenho 76 anos e quero mais é dialogar e trocar ideias. É algo que não tem limitação de idade. Mas os jovens de hoje não querem diálogo”, observa.

Fã guardou o abraço desde a realização da Mostra CineOP

Luiz Gama mal acreditou quando viu Pitanga no Mercado. Pôde finalmente cumprimentá-lo, algo que queria ter feito na mostra de cinema de Ouro Preto, em junho. “Um amigo contou que ele estava num restaurante, ao lado do Milton Gonçalves, mas quando fui até lá para abraçá-lo, já tinham ido embora. Imaginei que nunca mais teria essa oportunidade”, comemorou o guia turístico, que convidou o ator para conhecer mais das belezas ouro-pretanas.

Mas Pitanga conhece bem a cidade: em 1979, durante as filmagens de “Chico Rei”, ficou quase um ano lá, devido à falta de dinheiro. “Como havia um seguro dos investidores alemães, os produtores queriam boicotar a produção, mas (o diretor) Walter Lima Jr. foi em frente”.

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