Ele coordena iniciativa em Contagem que alia esporte e formação de jovens
O ex-jogador da Seleção Brasileira de basquete, Wanderson Camargos, conhecido como Wandão, está à frente de um projeto esportivo em Contagem que utiliza o basquete como ferramenta de prevenção ao uso de álcool e drogas entre jovens. A iniciativa, apoiada pela Lei de Incentivo ao Esporte, atende atualmente 120 alunos e já beneficiou mais de 2 mil pessoas desde a criação.
Wandão é coordenador e treinador do Contagem Towers, equipe fundada em 2016 por ele e pelo também ex-atleta Kaká Menezes. O foco principal está nas categorias de base, do sub-14 ao sub-19, com ênfase na formação esportiva e pessoal de adolescentes em situação de vulnerabilidade social.
Com passagens por clubes como Franca, Rio Claro, Uberlândia, Minas e Quimsa (Argentina), o ex-ala-pivô teve uma carreira marcada por conquistas. Foi eleito o melhor jogador de Minas Gerais em 1998 e defendeu a Seleção Brasileira por oito anos. Entre seus títulos, destacam-se o Campeonato Brasileiro de 2004 e o Sul-Americano de 2007.
Iniciativa, apoiada pela Lei de Incentivo ao Esporte, atende atualmente 120 alunos e já beneficiou mais de 2 mil pessoas desde a criação (Contagem Towers/Divulgação)
Além do trabalho de base, o Contagem Towers teve destaque também no profissional. Em 2016, ano de fundação, venceu o Campeonato Mineiro e, no ano seguinte, conquistou o bicampeonato estadual ao superar o Minas Tênis Clube. A equipe ainda alcançou o terceiro lugar na Liga Ouro.
Segundo os idealizadores, o projeto busca ir além do esporte. “Acreditamos que a prática esportiva, quando acompanhada de ações educativas, é um caminho eficiente para afastar crianças e adolescentes de situações de risco”, explicou Wandão em entrevista.
Wanderson Camargos conversou com o Hoje em Dia e detalhou como funciona o projeto, os desafios enfrentados e as perspectivas para o futuro da iniciativa.
Como começou a sua relação com o esporte? O que te motivou a ser um atleta profissional de basquete e o que a modalidade deixou de legado na sua vida?
O basquete surgiu de paraquedas na minha vida. Fui convidado a treinar no Minas Science Club por ser muito alto, tinha 1,87m aos 10 anos. E foi assim que tudo começou, de forma inesperada. Desde que cheguei no Minas, encontrei pessoas que me acolheram, viram potencial em mim e acreditaram que eu poderia me tornar um atleta profissional. Essas pessoas buscaram o melhor de mim, me treinaram e me ajudaram a me tornar um atleta. Com o tempo, fui percebendo que realmente era aquilo que eu queria, e, quando me dei conta, já estava vivendo do basquete, ganhando dinheiro e totalmente dedicado àquilo. O basquete se tornou a minha profissão, e, como toda profissão, exige dedicação, reciclagem, treino constante e aperfeiçoamento. Assim me tornei um profissional. O legado que o basquete deixou na minha vida é tudo o que aprendi durante todo o tempo que joguei e treinei, as vivências nos lugares por onde passei, as experiências com treinadores e jogadores. Isso tudo me proporcionou um grande aprendizado, que hoje passo para todos os meninos que treino, para aqueles que fazem parte do Contagem Towers, e que vivenciam o basquete com o mesmo sonho que eu tive.
Então, o esporte me deixou um legado não só profissional, mas também pessoal e familiar, que sigo compartilhando com todos ao meu redor.
Depois de ter uma carreira vencedora dentro de quadra, você decidiu se dedicar ao Contagem Towers. Como surgiu o projeto e qual é o principal objetivo dele hoje?
Foram 27 anos jogando basquete, e chegou um momento em que a rotina de viagens já estava me cansando. Minha família se estabeleceu em Contagem, e como sempre morávamos longe, meus filhos começaram a criar vínculos com a cidade. Então, pensei: “Vamos voltar para Contagem, já temos história e raízes aqui”. O Contagem Towers nasceu do meu sonho, junto com o Kaka Menezes, de criar um clube que fosse um divisor de águas para os atletas mineiros, permitindo que jogassem basquete na sua cidade, sem precisar se deslocar até a Zona Sul ou Belo Horizonte, como eu fazia, atravessando toda a cidade para chegar ao Minas Tênis Clube.
Hoje, o foco é oferecer à comunidade de Contagem, Betim, Igarapé e Grande BH a oportunidade de jogar basquete de nível competitivo sem precisar ir tão longe.
Como é a sua atuação e a sua rotina dentro desta iniciativa?
A minha atuação no Contagem Towers é voltada para a coordenação do projeto e no treinamento dos atletas das categorias sub 16 e 17, além da interlocução entre federação, confederação e CBC (Comitê Brasileiro de Clubes).
Quais são as principais dificuldades encontradas pelo projeto atualmente?
A maior dificuldade que enfrentamos hoje é a falta de recursos. O basquete no Brasil tem crescido bastante, com o fortalecimento da Liga, o NBB, a NBA se expandindo no país, campeonatos e clubes investindo. Acredito que o basquete está se tornando, se não o segundo, o terceiro maior esporte do Brasil. Porém, o maior desafio ainda é o recurso. Atualmente, trabalhamos com muito pouco. Temos a Lei de Incentivo Estadual (ICMS) e conseguimos captar 35% com dois parceiros: a Super Globo, que está no segundo ano com a gente, e a Granvilla Acabamentos, que entrou no primeiro ano. Além disso, temos projetos aprovados pela Lei Federal, focados totalmente na base, para garantir o mínimo necessário para o desenvolvimento dos atletas. Ainda assim, a falta de recursos impacta nosso trabalho. Temos atletas com grande potencial, mas, por exemplo, alguns não conseguem chegar aos treinos porque não temos como fornecer uma passagem de ônibus. Outros, que vêm de fora, precisam de moradia, mas não conseguimos arcar com isso. E, quando precisamos disputar campeonatos, muitas vezes temos que escolher entre um ou outro, devido à limitação de recursos.
Se conseguirmos captar mais, tanto pela Lei Federal quanto pela Lei Estadual, conseguiremos contratar mais treinadores, fisioterapeutas, psicólogos, preparadores físicos e garantir mais materiais e subsídios.
O projeto se enquadra na Lei de Incentivo ao Esporte? Pessoas e empresas podem optar por fazer a dedução do Imposto de Renda com doação para o Contagem Towers? Como eles devem proceder?
O projeto se enquadra nas leis de incentivo ao esporte, tanto na esfera estadual, através do ICMS das empresas, quanto na federal, com a dedução do imposto de renda. O empresário pode destinar até 2% do seu imposto de renda para o esporte, o que pode ser um valor considerável, dependendo do montante. Pedimos o que for possível dentro do orçamento da empresa, seja ela de pequeno, médio ou grande porte, ou até uma multinacional que queira investir no esporte e no basquete de Contagem. O processo é simples: basta pegar o número do projeto, a conta que fornecemos, entrar em contato conosco, colocar o número do projeto na sua dedução no imposto de renda e gerar um código. Esse código gera um extrato que será anexado à declaração de imposto de renda, e o valor destinado ao esporte será deduzido.
É importante lembrar que o valor não sai do bolso da empresa, mas do imposto que ela já pagaria ao governo, sendo direcionado para o esporte. Com isso, podemos atender um grande número de atletas – hoje, temos cerca de 140 a 150 atletas no Contagem Towers, entre escolinha e rendimento. Isso fará uma grande diferença no apoio ao basquete em Contagem.
Além do incentivo estadual, a dedução também se aplica ao ICMS. O processo é bem simples: envolve alguns documentos e a assinatura de ofícios. Em cerca de 5 a 10 minutos, a empresa pode fazer todo o processo e começar a deduzir o valor no pagamento do imposto.
Pessoas físicas também podem fazer a dedução, destinando 7% do seu imposto de renda. O procedimento é o mesmo: pegar o número da conta e informar que está destinando para o projeto de Contagem Towers. Vale ressaltar que o projeto é totalmente voltado para o esporte, sem qualquer falcatrua. A prestação de contas é rigorosa, e temos uma empresa especializada, a Farah, que cuida dessa parte para garantir que tudo seja feito corretamente, já que lidamos com recursos públicos. Não podemos cometer erros, pois o dinheiro vem do governo e deve ser utilizado de forma transparente e eficiente.
A longo prazo, quais são as metas do projeto? Pretendem chegar a qual número de alunos atendidos? Também é um desejo voltar a competir em torneios com a categoria profissional?
As metas do projeto são expandir nosso núcleo base atual e criar novos núcleos espalhados pela região de Contagem, abrangendo cidades como Betim, Igarapé e Ibirité. Estamos focados no desenvolvimento da região de Contagem e áreas vizinhas, com a ideia de atender mais pessoas, especialmente do interior.
Nosso objetivo é expandir o alcance e oferecer oportunidades para mais alunos com professores capacitados, tornando o basquete um esporte acessível para todos, assim como o futebol já é. Além disso, temos planos para investir em torneios de categorias profissionais.
Um dos nossos projetos federais, com um orçamento de R$ 1,8 milhão, é voltado para a equipe profissional. Para mim, a categoria profissional abrange atletas de 23 a 24 anos, já que é muito difícil trazer um jogador consagrado, que esteja jogando no NBB, para um projeto inicial. Isso exige muitos recursos e estrutura.
Por isso, acredito que Contagem merece uma equipe de basquete em uma liga de desenvolvimento, além de participação em campeonatos nacionais, como a LDB, Liga Ouro ou um campeonato da CBB. A Liga de Desenvolvimento atende a atletas até 22 anos, com uma categoria bem extensa, e os outros campeonatos são de nível adulto, com atletas mais velhos também podendo participar.
Ao longo dos nove anos de existência do Contagem Towers, teve algum case que te marcou? Pode ser de inclusão social, de ressocialização… Já recebeu relatos de garotos que contaram a mudança que o esporte causou na vida deles
Durante esses nove anos de existência do Towers, todos os dias recebemos relatos de pais sobre como o basquete mudou a vida de seus filhos. Muitos dizem que, além de melhorar o desempenho escolar, o esporte ajudou na disciplina em casa e nos relacionamentos familiares.
Os atletas também são constantemente cobrados, não apenas nos treinos, mas também nos estudos. Sabemos que, se não se tornarem profissionais, podem seguir outras carreiras, como dentistas, médicos ou educadores físicos. Recebemos muitos feedbacks positivos dos pais nesse sentido.
Além disso, tivemos casos de superação, como o de um atleta que chegou com 130 quilos e, após um período de treino, perdeu peso, chegando a 80-90 quilos.
O basquete, para nós, não é apenas uma questão de técnica e tática, mas também de disciplina, educação, alimentação e mudança de mentalidade. Trabalhamos muito a parte psicológica, incentivando o companheirismo, a resiliência e a aceitação do outro.
Temos também atletas com transtorno do espectro autista e TDAH. Um exemplo é um garoto, que, após treinar conosco, não precisou mais de remédios ou terapia. Ele possui o TEA e segue firme nos treinos, com o apoio da sua família. Ele jogava em outro clube, mas foi dispensado por não atender aos requisitos daquela organização. Hoje, está muito feliz no Towers.
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