No mês das mulheres, Maria Inês Vasconcelos, que atua na defesa delas, relaciona busca por igualdade a direitos humanos
Para Maria Inês Vasconcelos, "o feminismo é uma ética de responsabilidade" (Valéria Marques)
Nada de deixar os homens de fora da “luta”. Para promover a igualdade, a liberdade e a justiça para as mulheres é preciso chamá-los à responsabilidade – e, desde pequenos, também à sororidade. Quem aposta na união de esforços é a advogada Maria Inês Vasconcelos. Com uma trajetória marcada pela defesa da mulher, sobretudo no trabalho, e forte atuação na defesa dos direitos humanos, a mineira é autora de 11 livros, um deles “Mulheres que não se escondem”, em que aborda o feminismo. Ao Hoje em Dia, a professora convidada da Escola Superior de Advocacia, presidente do Instituto Plante e PhD em educação mostra como essa pauta está acima da questão do gênero em si e diz respeito a toda a humanidade. Confira.
Vamos começar do básico: o que é o tal do feminismo?
O feminismo é uma ética de responsabilidade. O feminismo é qualquer mulher ou homem que busque realizar as aspirações da mulher em direção à igualdade, liberdade e justiça.
Qual a principal dificuldade para convencer a sociedade sobre o que o feminismo realmente representa?
A principal dificuldade em convencer está em mostrar que as reivindicações feministas fazem parte de uma agenda de justiça social.
Vale a pena comprar essa briga?
Vale a pena comprar essa briga sim! Todas as vezes que lutamos pela mulher, na realidade, estamos lutando pelos seres humanos. Todos os movimentos sociais, sindicais e coletivos que registram uma luta essencialmente defensiva em face da mulher são válidos, porque são formas de transformação da sociedade. Na realidade, existe o feminismo praticado em pequenas esferas do cotidiano, através de alinhamentos pessoais, mas a força do coletivo é importantíssima, quando internaliza valores igualitários e tem comportamentos afinados por lutas de direito e justiça.
Qual o maior obstáculo para alcançar esse feminismo na prática?
Na realidade, o feminismo é um tipo de ética, um tipo de caminho. Quando decidimos seguir por um caminho, nos desviamos de outro. Há uma certa dinâmica, ou desordem, em alguns tipos de feminismo, principalmente entre aqueles que insistem na radicalidade.
Você se considera uma feminista?
A pergunta é uma das mais interessantes, porque está ligada ao ativismo. Sim, sou feminista e feminina. Eu luto a luta de muitas mulheres e me tornei ativista. Porém, acho que o conceito de ativista provoca muito barulho, porque, infelizmente, o Brasil não conhece o ativismo científico, não valoriza a pesquisa e a literatura. Há mil modos de ser ativista. O meu caminho não foi retilíneo, contudo foi escolhido e trilhado. Me tornei ativista quando comecei a advogar para as mulheres na área trabalhista. Muitas chegavam aquém de seus direitos mínimos. Era preciso fazer algo. A vida, então, foi me colocando frente a frente com muitas cenas de dificuldades para elas e, isso, em vários campos da vida. Me tornei ativista quando me desviei do caminho raso e insensível, quando fiz uma opção que era, justamente, a prática constante, assídua, de quaisquer ações consistentes em defesa das mulheres.
Que papel os homens têm na busca do feminismo?
Há homens que são extremamente pró-feministas. Outro dia, vi uma entrevista do Nelson Motta dizendo ser um “feministo” e me lembrei até mesmo do Pepeu Gomes. Não estou aqui fazendo piada, pelo contrário. Há homens que saltam junto com as mulheres, abraçam verdadeiramente as demandas feministas e recheiam a opressão patriarcal. Um dos maiores progressos do feminismo está, justamente, nas alianças com os homens. Não podemos viver para o resto da vida numa posição de recalque, fazendo dissonância, justamente pelo gênero. A busca pelo respeito e pela igualdade se faz a partir de uma tomada de consciência e adoção de uma posição. Conheço muitos homens que nos ajudam a navegar. Que mostram que navio preso no porto não navega. Conheço homens que reforçam o papel da mulher, que preferem trabalhar com mulheres, que reconhecem que em muitos campos as mulheres são mais competentes que eles.
É possível transformar um machista em um feminista convicto?
Sim, é possível focar no entendimento mútuo. Muitos homens já vivem a pintura da pós-modernidade, que tem personagens femininos ao lado de masculinos. Os homens, mesmo tendo sido criados debaixo de regras sexistas, como impedidos de chorar ou dar um abraço no coleguinha de sala, são homens que hoje têm a visão exata desse desvio. Muitos foram forjados na infância para serem durões, machões e, hoje, estão educando seus próprios filhos de outra forma. Eles não carregam cólera. Ensinam que brincadeiras de gênero são um risco e que é essencial ensinar a discordar sonoramente do patriarcado, criando filhos sensíveis ao feminismo. Muitos se convertem e se tornam ativistas pelos direitos da mulher. Há muitos homens que escrevem e lideram campanhas pela igualdade dentro das empresas e projetam ambientes seguros para elas. Enfim, existem muitos homens feministas renunciando a qualquer percepção de preconceito sobre a mulher. Conheço muitos.
O que muda quando a pessoa machista é uma mulher?
Acho muito interessante essa pergunta, porque, na verdade, ela fala do papel da antifeminista. Muitas mulheres sofrem de um desvio. Elas realmente reforçam o sintoma da supremacia masculina e, geralmente, são as mais covardes, aquelas que sempre se escondem, eternizando rancores. A mulher que é contra a própria mulher só sufoca vozes e estereótipos. Mas há mulheres que divergem umas das outras, que têm um agir descompassado, uma falta de atitude diante do sofrimento de outras, que, realmente, têm decisões morais bastante complexas. O feminismo, li em algum lugar, nunca será uma família feliz. E assim ele segue, sem forçar afinidades e obrigar coligações.
Você critica o slogan “lugar de mulher é onde ela quiser”. Por que vê esse lema como alienante?
Eu tenho enorme cuidado com a intencionalidade dos slogans, pois são criados pelos seres humanos com alguma motivação, podem clarear ou obscurecer. Na minha visão, lugar de mulher não é onde ela quiser, como o do homem também não é. Esse lugar é um lugar de construção, de trabalho e de luta. Penso que esse slogan confunde a mulher e diminui a responsabilidade que nós temos de nos posicionar contra as diferenças e desigualdades.
Como ensinar sobre feminismo às crianças, dentro de casa?
Eu tenho um filho e o educo para enfrentar a masculinidade tóxica. Para fazer pontes e respeitar as mulheres que são suas colegas de sala. Elas têm 12 ou 13 anos, mas, em breve, serão médicas, magistradas ou ministras, por isso, mostro para ele que o mundo pede alianças, parcerias e sensibilidades. Nós precisamos ensinar a nossos filhos a conviver com sexo oposto, buscar justiça, rechaçar preconceitos e, sobretudo, dar aos meninos a oportunidade de chorar. Há crianças, muitos meninos, que são impedidos até mesmo de chorar, como se isso fosse um atestado de falta de masculinidade. Enfim, nós fomos forjados na infância e as mudanças que queremos ver no mundo temos de plantar no coração de nossos filhos, para que possam modificar o enredo e escrever seus próprios roteiros de vida. Eu sempre digo que deriva de protagonistas. Os homens da minha família sempre incentivaram a liberdade e o respeito aos direitos da mulher. Eu acredito que a educação de um homem ou de uma mulher é o início do caminho que será percorrido por toda a vida.
Como o feminismo se relaciona com os direitos humanos?
Nem todo homem e mulher que luta pela liberdade da mulher é um feminista. A ação feminista atua no estabelecimento de marcos, de direitos iguais para homens e mulheres, portanto direitos humanos. Quem luta pela liberdade da mulher luta e defende os direitos humanos.