(MAURÍCIO VIEIRA)
No longo corredor que leva ao gabinete da presidência da Fundação Clóvis Salgado, Eliane Parreiras cumprimenta cada funcionário como se fossem velhos conhecidos. De fato, o ambiente não é estranho a ela. Há 20 dias à frente do principal centro de produção e difusão cultural de Minas Gerais, Eliane vive a terceira passagem pela FCS, uma história que começou em 2000, quando atuava na área de marketing. Em 2009 e 2010, ela foi a presidente, pouco antes de assumir a secretaria estadual de Cultura (2011-2014).
Conhecer as entranhas da fundação ajudou a, em tão pouco tempo, traçar as principais metas da gestão, dentro de uma nova configuração – tanto administrativa, em que o centro cultural sofreu um corte 10% de custeio, quanto em relação à criação de novos espaços que tiraram o protagonismo do Palácio das Artes, um dos braços mais importantes da FCS. “O nosso grande desafio é conseguir aliar tradição com uma inovação, a partir da formação de novos públicos”, adianta.
Há cerca de cinco anos, como secretária estadual de Cultura, você divulgava recursos da ordem de R$ 470 milhões para projetos culturais. Agora, como presidenta da Fundação Clóvis Salgado, está inserida num governo que vem reduzindo gastos em todas as pastas. Quais são os planos diante deste quadro?
De maneira geral, e Minas Gerais não é diferente, a gente vive hoje um contexto da gestão pública em que há a necessidade de contenção de gastos, a partir de uma dívida pública muito grande e, em alguns casos, de uma queda de arrecadação de receita. Existe uma necessidade mesmo de intervenção na gestão pública em todas as esferas para que se tenha um equilíbrio financeiro. A cultura também sofre o impacto e tem que dar a sua parcela de contribuição neste sentido. É um momento de muita austeridade e de estabelecimento de prioridades, mas ao mesmo tempo de identificar e buscar formas de trabalhar mais criativas. A missão deste governo é que a restrição não impeça que serviços possam ser oferecidos com qualidade e que o fomento à cultura, que é um papel do Estado, esteja garantido. Na Fundação Clóvis Salgado, tiveram um olhar bastante responsável em relação ao que tinha que ser preservado, além de uma atenção especial ao que era prioridade, como a segurança e o conforto do público. Entre as nossas metas também estão a busca de parcerias privadas e a ampliação de público.
O governo anunciou recentemente a destinação de R$ 1 milhão para o conserto do ar-condicionado e da subestação elétrica do Grande Teatro, após críticas públicas do comediante Paulo Gustavo durante show realizado no início deste ano.
Os recursos já estão viabilizados e as licitações preparadas para podermos intervir.
Para quando está previsto o conserto destes equipamentos?
Estão sendo orçados para termos uma estimativa – a expectativa é de que até possamos reduzir este valor – e, nos próximos dias, fazermos o pregão eletrônico de um e a contratação emergencial de outro. A previsão é de que, dentro de seis meses, já estejam funcionando absolutamente bem. É um prazo máximo, considerando a possibilidade de recurso. Talvez até antes já esteja tudo funcionando 100%.
Estes problemas afetam a agenda do Palácio das Artes, com grandes produções preferindo outras casas em Belo Horizonte?
Não, a demanda está grande. A Fundação Clóvis Salgado e os espaços dela têm uma tradição, mas haverá de nossa parte um trabalho de prospecção, de espetáculos e ações, especialmente no sentido de equilibrar as lacunas, porque muitas vezes você tem uma demanda espontânea de artistas já mais consagrados ou de espetáculos que já tenham uma viabilidade econômica para poder atuar. Estamos reestruturando a área de programação artística para que tenhamos uma atuação forte de prospecção, criando editais de ocupação e projetos que irão incrementar uma agenda que hoje já tem uma procura grande. Evidentemente que o produtor levará em consideração, e o público também, que esses equipamentos não estão funcionando. Por isso a nossa preocupação de anunciar que esse problema será resolvido no menor tempo que a gente conseguir.MAURÍCIO VIEIRA / N/A
Quando você fala em criar editais de ocupação é no sentido de oferecer um espaço gratuito para outros tipos de produção se apresentarem?
A composição de uma programação artística se dá por uma procura espontânea e também na prospecção de espetáculos que estão em produção ou já estrearam fora. É recolocar o Palácio das Artes, a Serraria Souza Pinto, os espaços das galerias e a Câmera Sete num espaço de protagonismo do ponto de vista de articulação. Uma articulação que traga atrações que não estavam pensando antes em vir. Vamos trazer o Balé Nacional da China de novo. Tive a honra de recebê-lo em 2010, quando eu estava no Palácio. Esse trabalho de prospecção é importante para que tenhamos uma diversidade cultural ampla, que automaticamente gere uma diversidade de público. Isso passa por uma articulação de identidade dos espaços. Um produtor, quando decide levar um espetáculo, ele não está só considerando a parte técnica, mas a identidade e o público que o lugar já tem e que tipo de esforço a instituição está fazendo para poder receber. Então vamos fortalecer também a parte de comunicação, num grande esforço de abrir a instituição mesmo para a comunidade. Estou falando de artistas, de sociedade e de roteiros culturais. A gente tem muitos espaços de convivência que podem oferecer uma programação gratuita e de experimentação. Este papel de fomentar uma programação que, muitas vezes, as pessoas não conheceriam se não fossem ofertadas aqui, é uma tradição e uma vocação do Palácio das Artes. É quase uma chancela de qualidade, de credibilidade.
Essa necessidade de prospecção e de ampliação da programação vem também da observação de que a concorrência se tornou maior nos últimos anos? Antes de reassumir a presidência da Fundação Clóvis Salgado, você estava na gerência cultural do Sesc em Minas Gerais, que administra o Palladium.
Belo Horizonte mudou muito nos últimos anos com uma oferta de espaços culturais que é muito positiva para nós. Isso transformou a cidade, que passou a ter um movimento muito profícuo, com uma criação e infraestrutura muito diversas. Essa oferta leva os espaços a se repensarem o tempo todo. Quando eu estive aqui em 2010 já dizia, e agora continuo dizendo, a Fundação não pode se autorreferenciar, em especial o Palácio das Artes. Como durante muito tempo foi o espaço de protagonismo absoluto na cidade, a tendência é de autorreferência e isso a gente não pode fazer. Além dessa questão dos espaços, em que cada um tem a sua identidade e forma de atuar, outro aspecto é o consumo cultural, que mudou muito. Houve uma revolução tecnológica nos últimos dois anos, com uma mudança na forma de descobrir e entender o que está acontecendo, além de formas diferentes de se comunicar e se relacionar. Entender esse novo formato é um desafio, tanto de comunicação, que precisará ser mais customizado, não podendo ter um plano que será igual, por exemplo, para ópera e para o cinema, quanto um trabalho de mobilização que nunca foi tão importante. Mobilização de grupos de influenciadores ou de grupos específicos que estão fora do circuito, formadores de novos públicos. Chego na Fundação num momento muito diferente de 2010, em termos de reposicionamento e de um outro funcionamento dos espaços culturais. A passagem pelo Sesc foi importante para eu chegar com este olhar fresco e oxigenado, de trazer essa inovação e equilíbrio necessários a uma casa que cumpra efetivamente a sua missão pública
Há uma exigência, por parte do governo, para que a Rádio Inconfidência seja autossustentável. Essa solicitação também foi feita à Fundação?
Existe uma meta de ampliação de recursos, a partir de parcerias. No caso da Fundação, elas são muito interessantes, porque permitem o contato com uma cadeia produtiva muito ampla. Não são recursos para manutenção, para ficar dentro da instituição, mas para aumentar a nossa oferta. Os recursos para manutenção básica da operação foram viabilizados, como falei. Hoje todo mundo, e não só a gestão pública, passa por duas vertentes. A primeira é: posso melhorar o modelo de gestão e cortar despesas? Posso ser mais eficiente e eficaz? Isso é uma busca e uma responsabilidade com o dinheiro público. Se existe na iniciativa privada, no compromisso com os acionistas, no setor público a responsabilidade) é com a sociedade. Tenho a obrigação de tentar fazer o máximo possível com o mínimo possível. Por um lado, é qualificar o gasto, por outro é o que eu posso ampliar como receita. Esta, em duas frentes: do ponto de vista de consumo cultural, sem perder o aspecto democrático, e das parcerias privadas. É muito saudável que tenhamos investimentos privados e de leis de incentivo, injetando recursos na economia mineira. Agora, sustentabilidade é algo muito difícil de a gente falar, por ser uma instituição muito ampla e que oferta uma quantidade de serviços que são bastante complexos de serem transformados simplesmente em viabilidade com receita. Em nenhum lugar do mundo você tem instituições parecidas que possam abdicar de investimento privado. Bilheteria gira em torno de 8% a 15% dos custos. Quando é muito sucesso, pode chegar a 20%. No restante, entram licenciamento, patrocínio e doação de pessoa física. A autossustentabilidade absoluta é um cenário muito difícil para determinadas atividades. Hoje a gente oferece gratuitamente cursos em teatro, dança, música, artes visuais e tecnologia cênica para 810 alunos. Desta forma, o governo entende que algumas atividades terão necessidade de subsídio.