Atletas de Seleção buscam apoio para receber salários e manter time

Gazeta Press
26/04/2013 às 09:50.
Atualizado em 21/11/2021 às 03:11
 (CBF/Divulgação)

(CBF/Divulgação)

Algumas das principais jogadoras da Seleção Brasileira de futebol feminino ficaram sem receber salários em 2013, a três anos das Olimpíadas do Rio de Janeiro. Continuaram a treinar e levaram o time do Centro Olímpico, de São Paulo, até as semifinais da Copa do Brasil - enquanto paralelamente se encarregavam de buscar (por conta própria) novas parcerias para a equipe, que perdeu o suporte financeiro de seus quatro patrocinadores com a mudança de gestão municipal e
ainda convive com a ameaça de deixar de existir.

"Isso tem nos afetado muito. Sobrevivemos do futebol. Muitas vezes, nossas famílias dependem da gente. Nossas contas estão atrasadas. Alguns projetos, como estudar, foram adiados. Tudo está sendo prejudicado pela falta de patrocínio e, consequentemente, de salários", desabafou a jovem volante Esterzinha, bicampeã sul-americana sub-20 pela Seleção Brasileira (2008 e 2010), em entrevista para a "Gazeta Esportiva.net". "O fim do Centro Olímpico está perto. Se não conseguirmos mais patrocinadores, perderemos jogadoras e a equipe poderá acabar. Estamos temerosas."

O receio de Esterzinha é justificável - ainda que a Secretaria Municipal de Esportes, Lazer e Recreação de São Paulo (Seme), responsável pela administração
do Centro Olímpico, negue o risco de extinção do seu time profissional de futebol feminino. Há pouco mais de um ano, a jogadora vivenciou a experiência de ficar desempregada com o término da vitoriosa equipe administrada pelo Santos.

"Sei o quanto é difícil conseguir patrocinadores para o futebol feminino. Isso só vai mudar quando as autoridades olharem com mais carinho para a modalidade. Os grandes clubes deveriam manter categorias de base, com investimento. Além disso, precisamos de apoio da mídia, já que nada funciona sem visibilidade."Em 2012, a Seme havia angariado apoio suficiente para contratar muitas das estrelas que defendiam o Santos. Da Vila Belmiro, vieram jogadoras como Érika, Maurine, Calan, Gabi, Raquel, Janaína, Kelly, Chu, Paula e Karen, além de Esterzinha. Outras atletas de Seleção Brasileira, como a goleira Tháis Picarte, a zagueira Andréia Rosa e a experiente Rosana, também reforçaram o Centro Olímpico. Aquele elenco foi apresentado com pompa, em meio a promessas de incentivo da iniciativa privada que
tinham como meta principal os Jogos Olímpicos de 2016. O discurso dos empresários não resistiu a uma nova administração na Prefeitura de São Paulo.

"Eram os patrocinadores que pagavam os salários das jogadoras e da comissão técnica. Com a troca da gestão política, ficamos sem o apoio dessas empresas, que eram associadas a outro partido", explicou a atacante Rosana, mais uma que tem sofrido com a crise do Centro Olímpico. "Não recebemos salários exorbitantes, como acontece no futebol masculino. Longe disso. Sendo assim, o dinheiro faz muita falta. A maioria das atletas não tem outros recursos e precisa se alimentar e ajudar a pagar as contas de casa com esses salários. Estamos muito preocupadas", complementou a jogadora, medalhista de ouro nos Jogos Pan-americanos de 2007 e
de prata nas Olimpíadas de 2004 e 2008.

O problema é tamanho que as jogadoras do Centro Olímpico acrescentaram uma nova tarefa à rotina de jogos e treinamentos. "A maioria das nossas atletas está se empenhando para conseguir os patrocínios necessários para manter o time. É difícil e até chato a gente bater de porta em porta nas empresas, mas, sem isso...", suspirou a volante Mayara, reconhecendo a falta de talento para negociar com empresários. "Na verdade, a gente nem sabe direito como ir atrás dessas coisas. As meninas têm contatos de pessoas que têm os seus próprios contatos nas empresas. Fica um pouco complicado", lamentou.

Aos 30 anos, Rosana lembrou que a missão de angariar apoio não é exclusividade das maiores destaques da equipe. "Todas as jogadoras estão imbuídas. A Secretaria também nos diz que está o tempo todo correndo atrás de novos patrocinadores. Não tem sido fácil, talvez pelo fato de a mídia não divulgar tanto o futebol feminino, embora já tenhamos conquistado medalhas expressivas em Olimpíadas e Mundial",
comentou. Para Esterzinha, o esforço da Seme e de suas companheiras deverá ser em vão. "Estamos, sim, em busca de novos patrocinadores, mas a nossa urgência não corresponde ao tempo que as empresas precisam para ver se podem ajudar. E ninguém quer investir em uma modalidade que não tem muita visibilidade."

Para minimizar a crise, a Seme informou recentemente ao elenco do Centro Olímpico que alinhavou acordo com um patrocinador - o que não será suficiente para arcar com toda a folha salarial do time. "Temos um grupo muito qualificado, que deverá perder algumas de suas peças principais. Infelizmente", previu o técnico Arthur Elias, lembrando que a equipe não precisa de um aporte exagerado de recursos. "A gente consegue pagar todo o mundo aqui com o salário de um cara que erra passes de
cinco metros no futebol masculino... Estou brincando!", comparou, rindo.

Apesar de encarar a situação com bom humor, Arthur Elias, de fato, tem grandes chances de ficar sem algumas de suas comandadas. Conforme Rosana advertiu: "A Secretaria adotou a posição de que o time não vai acabar, mas tememos que a maioria das jogadoras não consiga esperar e aceite propostas de outras equipes enquanto a situação não é resolvida. Consequentemente, uma equipe muito talentosa seria desfeita. E o maior problema de todos: se o time terminar, nem todas nós teremos espaço em outros lugares, já que os elencos estão praticamente formados para o Campeonato Paulista".

Mayara é uma das atletas que já cogitam deixar o Centro Olímpico. "Vou tentar ajudar o time a conseguir os patrocínios que estão faltando da forma que for possível, mas preciso procurar outras coisas para a minha carreira enquanto isso. O Campeonato Paulista está para começar, e existe uma indefinição aqui. Muitas meninas não sabem direito o que fazer", contou a volante, que iniciou carreira nos Estados Unidos, onde o futebol feminino chega a superar o masculino em valorização, e passou pelo Foz Cataratas-PR antes de dar sequência à trajetória em São Paulo.

Já Arthur Elias não pretende sair do Centro Olímpico. "Desde que o projeto continue caminhando para a frente, sendo vencedor, com apoio...", condicionou o técnico. "Mas não acho que o nosso time vá acabar. Estou aqui há três anos, desde quando não havia o planejamento para o futebol feminino. Agora que nos tornamos uma referência na modalidade, a minha ideia é investir um pouco mais de tempo no projeto que ajudei a construir. Temos grandes jogadoras, possibilidade de títulos...

Recentemente, cedemos dez atletas para a Seleção Brasileira de base. Pela primeira vez, não fomos à final da Copa do Brasil. Seria uma pena isso tudo terminar."As incertezas e a falta de pagamento dos últimos meses não impediram as jogadoras do Centro Olímpico de treinar ou de jogar a última Copa do Brasil. "Era uma situação que dificultava o nosso trabalho, sem dúvida, mas não usamos isso como desculpa para a derrota que tivemos para o Vitória-PE no torneio. As atletas tiveram um comportamento muito bom diante dos problemas. É claro que, sem receber salários, qualquer um perde um pouco de tranquilidade. Esperamos que isso seja resolvido
para mantermos um padrão de rendimento", comentou o treinador da equipe.

Mayara concordou: "Independentemente do resultado negativo que tivemos na Copa do Brasil, todas as jogadoras foram muito profissionais, procurando evitar que as dificuldades financeiras interferissem no trabalho. Mas toda essa situação influencia muito, sim, pois você não sabe o que vai ser da sua vida. Mesmo assim, fomos mais profissionais do que muita gente seria nesse estado". Com a voz serena, a atleta ainda lembrou que muitas de suas companheiras desistem da profissão por casos como o do Centro Olímpico. "Conheço algumas meninas com potencial que largaram o esporte. Acontece."

Para que o desestímulo não continue "acontecendo" no País do futebol (masculino), Arthur Elias cobra uma "articulação mais ampla, com participações efetivas do governo, da CBF e das Federações estaduais". "Temos um apoio muito grande da Secretaria para o Centro Olímpico, por exemplo, mas agora estamos atrás do auxílio da iniciativa privada. É triste que o futebol feminino não seja levado tão a sério no Brasil, pois temos um potencial enorme de conquistas", lastimou o técnico.

"Não sei qual é a solução, mas aqueles que poderiam mudar a história de qualquer esporte de alto rendimento no nosso País mostram falta de interesse e até de respeito", acrescentou Mayara.Para Rosana, que conheceu uma realidade diferente do futebol feminino em países como Áustria (defendeu o Neulengbach de 2004 e 2008), Estados Unidos (pelo Sky Blue, entre 2009 e 2010) e França (por Lyon, no ano passado), a mídia também tem papel significativo. A atacante chegou a rogar por apoio: "O maior problema é a falta de divulgação. Se houvesse mais visibilidade, teríamos mais patrocinadores e recursos para investir, deixando os campeonatos ainda mais atrativos. Fica um apelo para os profissionais de imprensa: ajudem-nos".

A Seme preferiu não partilhar do pedido público de socorro. Em contato com a reportagem, garantiu através de sua assessoria de comunicação que continua engajada a manter ativo o time de futebol feminino do Centro Olímpico, para o qual já fornece toda a estrutura necessária para jogos e treinamentos - legalmente, os salários das atletas não podem ser pagos pela Prefeitura de São Paulo. O secretário Celso Jatene, contudo, não quis conceder entrevista antes do anúncio oficial do novo parceiro do projeto, prometido para o final do mês. A estreia da equipe de Arthur Elias no Campeonato Paulista será às 10 horas (de Brasília) deste sábado, no Estádio Distrital da Vila Guarani. Com ou sem patrocinadores. 

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