Carol Gattaz: ‘É um orgulho muito grande fazer parte da geração mais vitoriosa do vôlei’

Cristiano Martins
csmartins@hojeemdia.com.br
17/07/2016 às 06:00.
Atualizado em 16/11/2021 às 04:19
 (Lucas Prates/Hoje em Dia)

(Lucas Prates/Hoje em Dia)

A distância entre a academia e a piscina do Minas é curta, mas suficiente para Carol Gattaz ser abordada por duas fãs pelo caminho. Aos 34 anos, a capitã do time feminino de vôlei talvez seja a figura mais conhecida e vitoriosa em um clube repleto de atletas de alto nível.

Para ela, no entanto, a carreira ficou incompleta. Às vésperas da Olimpíada, a pentacampeã do Grand Prix recebeu o Hoje em Dia para esta entrevista reveladora, na qual admite uma profunda frustração com o corte nos Jogos de 2008 e fala abertamente pela primeira vez sobre o relacionamento exposto nas redes sociais com a também jogadora Ariele Ferreira.

O Brasil acaba de conquistar o Grand Prix. Esse título é suficiente para indicar um favoritismo nos Jogos do Rio?

A seleção está na preparação. Não está no ponto ainda. Após a final do Grand Prix, começa a entrar naquele ápice que precisa alcançar até a Olimpíada. A equipe não começou tão bem, com o Zé (Roberto, técnico) fazendo ainda algumas experiências com as jogadoras, então agora é que começa. Foi um torneio forte, mas a China não foi com a equipe completa, por exemplo, então a gente sabe que vai ser mais difícil no Rio. Mas acho que o Brasil está no caminho certo.

Essa seleção pode ser considerada a principal equipe de esporte coletivo da história do país. Como você se sente, às vésperas do possível tricampeonato olímpico em casa, por ter feito parte dessa geração?

Lembro bem que, quando nós começamos, em 2005, nem imaginávamos tudo que essa geração poderia conquistar. São praticamente 11 anos, e posso falar, sem dúvida, que é a geração mais vitoriosa do vôlei e vai deixar um legado muito importante. E não apenas para o vôlei, mas para todos os esportes. É um orgulho muito grande fazer parte disso, pois essa geração conseguiu esses feitos históricos para o esporte.

E essa base chega mais experiente, tanto no aspecto emocional quanto no técnico, concorda?

Sim. É claro que, por ser em casa, o peso nas costas vai ficar maior. Mas, ao mesmo tempo, há toda essa experiência de ter disputado muitas finais, jogos acirrados, importantes, vários 3 a 2 em momentos decisivos, e isso conta. Estou às vésperas de completar 35 anos e digo que queria ter a experiência de hoje lá atrás, quando tinha 25, para viver tudo de novo na seleção, nos momentos em que poderia ter me saído melhor, ter menos ansiedade, enfim. Com certeza, todas as jogadoras que estão lá têm bagagem suficiente para ganhar essa medalha que a gente tanto sonha.

  

Você se sente frustrada pela falta do ouro olímpico de 2008 no seu currículo?

Sim, bastante. Acho que até hoje eu poderia ter uma chance na seleção, até pela Superliga que eu joguei. É claro que tem várias jogadoras de nível excelente, as centrais, indiscutivelmente (Fabi e Thaísa são as titulares, Juciely e Adenízia disputam vaga). Mas eu teria condições, sim, de estar brigando. A frustração é muito grande, é muito grande. É engraçado falar disso, é a primeira vez que estou falando, mas para mim é até difícil assistir às chamadas da Olimpíada na TV. É uma coisa que fica em mim e que ainda não é bem digerida.

Acha que poderia ter feito mais, algo diferente?

Eu não sei se poderia ter feito nada a mais. Na verdade, não tinha mais o que ser feito. Foram as escolhas do Zé, da comissão, optaram por outra jogadora (em 2008, foram convocadas Thaísa, Fabi, Walewska e Valeskinha). Mas a frustração é muito grande, porque isso faz uma diferença enorme na minha carreira, até em situações extraquadra. Eu poderia aproveitar de muito mais coisas, pois uma campeã olímpica leva isso para o resto da vida, e eu simplesmente não tenho o título mais importante. Mas não se pode voltar atrás, então tenho que viver sem isso e tentar entender o que eu fiz e no que fui importante para o vôlei.

Como avalia a dupla formada por Fabi e Thaísa?

Com certeza, a seleção está muito bem servida. São jogadoras que a gente simplesmente não vê no mundo inteiro. Grande parte das conquistas ao longo desses anos foi graças a essa dupla de centrais. Não só elas, é claro, mas também Sheilla, Fabizinha, Fofão, Walewska, Dani Lins, que são jogadoras que a gente considera fenômenos. É muito difícil encontrar centrais tão altas e tão eficientes quanto as duas. Para o Brasil, nesse quesito, vai ser difícil a renovação. Quando elas se aposentarem, vai haver uma carência. A não ser que apareça alguém nesses próximos anos, mas, como elas, eu ainda não vi ninguém.

  

A Naiane, sua colega de Minas, viveu essa experiência do corte logo após o Grand Prix. E, recentemente, ela me disse que tem em você uma referência na profissão. O que pretende dizer a ela?

Para mim, isso é muito gratificante. Fico feliz de poder acompanhar a evolução dela. A Nai chegou ao Minas como terceira levantadora e, de repente, estava em uma equipe que tinha Jaque e Walewska, duas campeãs olímpicas, e eu também, uma jogadora mais experiente. E ela levou a equipe bem na Superliga, e ali surgiu uma revelação, tanto que mereceu essa convocação. É uma jogadora muito inteligente, paciente, diferenciada mesmo, e que vai evoluir muito ainda. É natural ela ter sido cortada, por ser jovem e não ter tanta bagagem internacional. Mas acredito que, nos próximos anos, será a levantadora titular da seleção, e vou estar lá aplaudindo, com muito orgulho.

Você trabalhou com Zé Roberto e Bernardinho. O que faz deles técnicos tão vencedores?

Eles têm estilos bem diferentes, mas ao mesmo tempo uma característica igual que é estudar bastante, trabalhar muito. E o diferencial é que conseguem ter o respeito das pessoas, porque não basta sem bom, o atleta precisa acreditar que o trabalho é bom. Não posso escolher qual deles eu prefiro, porque fui campeã com ambos, em clube e na seleção. Cada um no seu estilo, mas realmente os caras são muito acima de média e estão acima de todos os outros treinadores do mundo inteiro, sem dúvida.

Com o Paulo Coco, auxiliar do Zé na seleção, vocês levaram o Camponesa/Minas ao terceiro lugar da Superliga, o que não ocorria desde 2006/07. Como explica essa química?

O Paulinho tem a mesma linha de trabalho do Zé. É um estudioso, um grande técnico. Ele não tinha montado essa equipe quando chegou, mas nós entendemos bem o trabalho que ele propôs, assim como ele entendeu bem o que o clube tinha a oferecer. Foi uma classificação muito boa, pelo que se esperava. Vamos continuar, e esperamos que o trabalho seja ainda melhor nessa temporada, porque a gente confia pra caramba nele.

  

Mas o time perdeu peças como Tandara e Mari Paraíba. O que pesa mais, o elenco ou o conceito de jogo?

Saíram jogadoras importantíssimas, mas já vieram algumas novas, e tenho certeza que vão chegar outras. É lógico que, quando se consegue manter uma base ao longo de muitos anos, a gente vê o Sada/Cruzeiro e o Rexona/AdeS (Rio de Janeiro) aí tantas vezes campeões. Mas no Brasil existe essa questão financeira, de repente um patrocinador sai, e o trabalho não é mais a mesma coisa.

Você mesma enfrentou esse tipo de situação no Campinas/Amil...

Sim, e infelizmente acho que o vôlei ainda vai sofrer muito, até por essa crise financeira que o país está passando. É a realidade, mas é uma pena, porque o vôlei é o segundo esporte no Brasil e tem muita audiência, dá muito retorno, e a gente vê os ginásios lotados praticamente em todos os jogos. Passei por Amil/Campinas e Vôlei Futuro, que tiraram o patrocínio depois de dois anos de investimento pesado. Se tivessem continuado, tenho certeza que chegariam a finais e seriam campeões.

E o ranking da CBV? Acha uma boa forma de tentar equilibrar as forças?

Eles querem evitar que clubes mais ricos como Nestlé/Osasco apareçam com milhões e levem todas as jogadoras. Mas não faz sentido, pois em vários anos temos clubes com alto investimento, mas que o time não encaixa. Não tem fundamento, e ainda acaba prejudicando jogadoras que têm sete pontos e são obrigadas a sair do Brasil, porque só três, quatro clubes têm condições de bancar. Para muita gente, extinguir o ranking também não daria certo, então acho que deveria haver um meio termo.

  

Você é bastante ativa nas redes sociais. Enfrentou algum inconveniente após a decisão de expor a sua vida pessoal?

Não, pelo contrário. Abrir a sua vida pessoal tem o lado bom e o lado ruim, é claro. A gente sabe que as pessoas julgam, e você tem que estar preparada para isso. Eu quis expor a minha vida justamente para as pessoas não ficarem naquele burburinho, foi para dizer ‘eu sou isso e ponto’. E, a partir do momento que eu abri, as pessoas retribuíram com um carinho muito grande. Pessoas que admiram a nossa coragem, que até agradecem, por terem dificuldade de se expor, etc. Então, em relação a isso, por enquanto, eu nunca tive nada que me chateasse ou fizesse me arrepender.

Você pretende jogar por mais quantos anos? Já pensa em planos para o futuro após encerrar a carreira de jogadora?

Eu amo jogar vôlei, isso é o principal. Então, enquanto os times me pagarem, eu vou jogar (risos). Porque, fisicamente, eu estou super bem, tanto quanto uma menina de 20 anos. Tive só uma lesão, no meu pé, que até me prejudicou na seleção, em 2009 e 2010, mas depois não tive mais nada (bate três vezes na madeira). Faz três anos que estou no Minas, rendendo bem e sem nenhuma lesão. Sobre o futuro, não faço muitos planos, estou deixando a vida me levar.

Cogita se tornar técnica algum dia, já que praticamente não há mulheres treinadoras na Superliga?

Nada, chance nenhuma, acho um saco! (risos). Tem que ser muito estudioso, ter muita paciência, e eu não tenho nenhuma.

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