"Com os mineiros, aprendi a ser mais paciente na vida e no judô", diz Érika Miranda

Wallace Graciano
Hoje em Dia - Belo Horizonte
30/11/2014 às 11:31.
Atualizado em 18/11/2021 às 05:13
 (Wesley Rodrigues)

(Wesley Rodrigues)

Candanga de nascimento e mineira de coração, a judoca Érika Miranda, do Belo Dente/Minas, tornou-se uma das esperanças de medalha para o Brasil nos Jogos do Rio, em 2016. Um dos fatores que deram a ela esse status é seu bom retrospecto recente, que conta com um bronze e uma prata nos dois últimos Mundiais, em Cheliabinsk 2014 (Rússia) e Rio 2013, respectivamente. Duas semanas atrás, ela integrou a equipe do Minas que se sagrou tricampeã do Grand Prix Interclubes de Judô,a competição nacional mais importante do esporte. Os últimos bons resultados elevam a pressão sobre Érika e a seleção brasileira para o Rio-2016, mas a atleta vê essa expectativa apenas como um combustível para subir em um dos poucos pódios que ainda não teve oportunidade, o olímpico. Em entrevista exclusiva ao Hoje em Dia, a terceira colocada do ranking mundial da categoria meio-leve (até 52 kg) falou sobre o desafio do time brasileiro de judô, tido como carro-chefe de medalhas nos jogos pelo Comitê Olímpico do Brasil. Érika, que está namorando um húngaro integrante da Federação Internacional de Judô, apontou quais são as suas principais adversárias no momento, e disse que pretende aproveitar a “magia” do espírito olímpico e também da torcida brasileira para, quem sabe, subir no pódio em 2016.   É inevitável não fazer uma análise sobre a sua temporada este ano. Como foi?   Foi um ano muito bom. De todas as competições que participei, somente em uma eu não subi no pódio. Meus principais objetivos para este ano eram ganhar o Pan-Americano e chegar à uma final do Mundial. Não deu certo, escapei nos últimos segundos, mas fiquei feliz por não sair do pódio. A diferença do primeiro para o terceiro é baseada em detalhes e isso podemos corrigir no dia a dia.   No Mundial do ano passado, você fez boas lutas contra suas principais rivais, a Chitu, da Romênia, e a Kelmendi, do Kosovo. Neste ano, novamente no Mundial, chegou a ter o domínio da luta contra a romena, tendo um waza-ari a favor faltando pouco menos de um minuto para o fim. O que faltou para voltar à final novamente?   O Judô é muito rápido. Ali tentei entrar o golpe e, quando levantei o pé, sofri um contragolpe. Quando caí, fiquei sem entender. Foi coisa de praticamente milésimos de segundo. Eu estava com a luta dominada, sabia disso. Tanto que momentos antes havia aplicado um golpe que não foi pontuado. Foi o psicológico que pesou.   E contra a Kelmendi, que lhe tirou o ouro em 2013, você teria como ter essa revanche, caso fosse à final?   Com certeza! Eu me preparei para fazer uma possível final com ela. Um mês antes do Mundial, treinamos juntas e treinei muito bem com ela, o que me deixou confiante. Tinha uma estratégia sobre um possível confronto. Mudando até mesmo as técnicas que costumo usar.   As duas estão na sua frente no ranking mundial. Mas são suas principais adversárias já pensando em 2016? Tem alguma outra?   O peso até 52 quilos muda muito rápido. Não existe na nossa categoria quem fique absoluta. Uma quebra inicial é normal. Ninguém se mantém 100% sempre. Nesse momento, por exemplo, impossível passar da Kelmendi no ranking, já que o volume de competições dela é maior que o meu e não nos encontramos com tanta frequência. A Chitu também é uma adversária dura. E me ultrapassou por também competir mais vezes de forma consecutiva. Claro, mérito delas. Mas isso é bom. Ano que vem, elas terão de defender esse título para não perder pontos. Estou tranquila.   Você sofreu uma contusão às vésperas dos Jogos de Pequim, em 2008. Como foi ficar fora daquela Olimpíada?   Em 2008, foi como ter um gosto e perdê-lo de uma vez, já que fui cortada. Mas graças a Deus eu tenho uma família que está comigo incondicionalmente. Se estou aqui é por causa deles.   Quatro anos mais tarde, você chegou bem a Londres, mas teve uma derrota inesperada logo de cara. O que você aprendeu nesse período que pode levar para os Jogos do Rio?   Olha, em Londres eu cheguei com a cabeça completamente competitiva. Estava bem preparada. Mas, na minha mente, estar bem preparada não era o suficiente, já que todo mundo chega bem preparado. Por isso, foquei demais no que viria pela frente. E tomei um susto. Olimpíada é uma magia. É uma energia que não dá para explicar. Quem se dá bem é aquele que sabe aproveitar essa energia, que está relaxado. Em Olimpíada sai vencedor quem entra em busca do melhor, mas sem estar com a a obrigação da vitória. A experiência que vou levar é a de entrar de coração aberto e aproveitar a magia que teremos aqui.   Que magia é essa?   Olha, eu já competi em vários lugares do mundo e vou te falar: torcida igual a do Brasil não tem igual. Não é só gritar. Gritar, todos gritam. Aqui é passado um incentivo diferente. Há uma sintonia. É uma energia. Todos querem que aquilo dê certo. Lá dentro, pensamos: eu vou fazer isso dar certo.   O Comitê Olímpico do Brasil (COB) aposta muito no judô, tanto pelo histórico (é o esporte que mais deu medalhas ao país na história olímpica) quanto pela estrutura que a Confederação Brasileira de Judô (CBJ) oferece. Chega a ter alguma pressão para atingir determinada meta de medalha?   Nossa comissão técnica tenta passar o mínimo possível para a gente, para que isso não afete em nada, muito menos em resultados. Porém, temos que ter a consciência do que nos cerca. Entrei na seleção em 2006 e o sonho de todo judoca era de que o judô se tornasse um esporte profissional, o que está acontecendo. Seria hipocrisia reclamar de alguma pressão. Se tem quem incentive, é louvável que queira resultados. E temos que estar preparados para isso. Hoje temos boas estruturas, mas para continuar com elas, precisamos dar resultados também.   Chegaram a estipular alguma meta para o judô especificamente?   Ainda não falaram nada com a gente sobre 2016. Em Londres, tínhamos como meta quatro medalhas e uma final no feminino. E conseguimos isso, com um ouro da Sarah e três bronzes. Essa era a meta. A gente surpreendeu, pois achávamos que seria melhor, pela equipe que levamos.   Você tem uma medalhista olímpica lutando ao seu lado no Minas. Como a Ketleyn (bronze em Pequim, 2008) vem te ajudando a seguir o caminho dessa medalha que falta no seu currículo vitorioso?   Na época que ela foi medalhista, nós morávamos juntas na república do Minas. Isso foi tão positivo, já que eu vinha de uma situação extremamente negativa. Até falei com ela que ela foi a única pessoa que poderia me fazer chorar e sorrir de alegria em um momento como aquele. Acompanhei o progresso dela ao longo da carreira, desde Brasília. E ver que ela se esforçou e conseguiu o resultado foi muito bom. Conviver com pessoas como ela e o Luciano, que são pessoas positivas, só me engrandece.   Como você chegou ao Minas Tênis Clube?   Em Brasília não tínhamos políticas voltadas para o esporte. E era eu, minha irmã e meu irmão no judô. Então, tinha aquela história de tira um dinheiro aqui para pagar viagem, outro ali para pagar despesas de campeonato. E uma hora cansa. Foi então que ficamos sabendo do processo de seleção do Minas. Minha mãe encheu o carro e veio parar em Belo Horizonte. Chegando aqui, assustei. Treinava três vezes na semana em Brasília. Aqui era todo o dia. No primeiro treino, já me senti cansada, pois o ritmo era outro. Felizmente, consegui forças. Viemos eu, Ketleyn e meu irmão. Em 2006, teve a seletiva para a equipe permanente. Nem esperava muita coisa, mas dei sorte: saiu uma atleta e abriu a vaga, justamente a minha. Aí ganhei a seletiva.   E, após esse tempo todo aqui, você já se considera mineira?   Claro! Apesar de não perder o sotaque, já peguei muita coisa. Peguei a paciência de vocês, que foi ótimo para mim até mesmo no meu estilo de luta. Fiquei mais concentrada. Antes eu perdia lutas por precipitação.   Você veio com a Ketleyn pra cá. Parece ser uma forte amizade.   A gente realmente é mais do que amigas. É um laço muito forte. O bom do judô é que criamos amigos de verdade para a vida inteira.   Além da Ketleyn, quem mais o esporte te deu de amigos?   O Luciano Corrêa, a Rosicleia (Campos, treinadora de Érika na seleção brasileira), meus professores e companheiros de treino. Conheci também meu noivo Bence Szöke, que é húngaro.   Ele é judoca também?   Não. O Bence trabalha na Federação Internacional de Judô. Ele trabalhava na premiação e a gente foi conversando e aí aconteceu. E gringo é doido, né? Um dia ele me fala pela internet: ‘estou chegando tal dia’. Assustei. Falei: ‘como assim?’ Quando vi, ele estava aqui. Eles são um pouco doidos, mas têm um coração bom, né? (risos).   Há quanto tempo estão juntos?   Tem mais ou menos um ano já.   E quando pretendem se casar?   Ah, tem que esperar a Olimpíada, né?    Voltando ao judô, tanto no Minas quanto na CBJ, há uma estrutura montada para apoiar o atleta. Até que ponto isso faz diferença dentro dos tatames?   Quando vim para cá, já vi a força do Minas. O clube dá uma estrutura para que eu consiga pensar somente no judô, assim como a CBJ. Essa estrutura te dá segurança para trabalhar. E não é todo clube que consegue isso. Morei um ano no Rio, defendendo o Flamengo. E não era como aqui. Mas é uma estrutura para quem sabe aproveitar. Aqui tenho que lutar a cada dia para justificar essa estrutura.       Nós temos a equipe mais homogênea. Eu estou na seleção, a Ketleyn. A Mariana também. Fizemos a contratação da Bárbara e da Idalys (Ortiz, cubana líder do ranking mundial da categoria + 78kg). Então, entramos com uma equipe para ser campeã. Ano passado também. E não é só chegar com equipe mais forte. É ter união e experiência. E isso temos aqui. E se continuar desse jeito, vamos para o tetra, para o penta.   Mesmo com pesos muito distintos, deu para aprender algo com a Idalys Ortiz?   A Idalys é uma campeã. E tem resultados que são incontestáveis. Ela já ganhou uma Olimpíada, é bicampeã mundial. E, conversando com ela, perguntei como ela se prepara para as competições. Ela respondeu: ‘para as adversárias mais difíceis e para os piores árbitros’. Ela se prepara para ser campeã. Perguntando sobre o segredo, ela disse que tem fé de que tudo dará certo.   E qual é seu segredo?   Acreditar. Ter muita fé em Deus e pensar todo dia que ‘eu vou conseguir’.

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