Coronavírus pausa treinos e gera incerteza em atletas paralímpicos

Agência Brasil
17/03/2020 às 22:15.
Atualizado em 27/10/2021 às 02:59
 (Divulgação/Comitê Paralímpico Brasileiro)

(Divulgação/Comitê Paralímpico Brasileiro)

Faltando pouco menos de seis meses para a Paralimpíada de Tóquio, no Japão, o maior nome do paradesporto brasileiro está sem treinar. Dono de 24 medalhas (14 de ouro), o nadador Daniel Dias não está contundido ou doente, mas a precaução com a pandemia global do novo coronavírus (covid-19) obrigou-o a pausar a preparação. "Agora, temos um decreto da Prefeitura de Bragança Paulista (SP) e meus treinos estão suspensos por tempo indeterminado. Estamos com a atenção redobrada em casa, é claro", explicou Daniel à Agência Brasil.

O nadador, que normalmente utiliza a piscina pública da cidade em que mora com a esposa e os três filhos, teria como opção a estrutura do Centro de Treinamento Paralímpico, em São Paulo, onde os demais companheiros de seleção brasileira trabalham diariamente. Teria, porque o Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB) fechou a instalação, pelo menos até 5 de junho, também em razão do avanço do coronavírus em território brasileiro. Além da natação, as equipes de atletismo e tênis de mesa tiveram os treinos cancelados no local.

Situação semelhante à de Daniel é a dos atletas da equipe Fast Wheels, da qual fazem parte a recordista mundial no lançamento do disco Beth Gomes e a maratonista Vanessa Cristina, eleita a melhor atleta paralímpica das Américas em fevereiro. O projeto, realizado no litoral paulista, teve de suspender as atividades “seguindo as diretrizes das prefeituras municipais da região (Santos e Praia Grande)”, conforme postagem em uma rede social. Sem o CT da capital à disposição, o jeito foi interromper de vez os treinos.Divulgação/Comitê Paralímpico Brasileiro / N/A Nadador Daniel encontra dificuldades para manter a rotina de treinos 

Técnico da Fast Wheels, Eduardo Leonel explica que, antes da paralisação, a equipe já tentava adaptar a rotina para minimizar o risco de contaminação. “Trabalhamos com atletas com deficiência. Alguns tem imunidade mais baixa, tomam medicamentos. Aos atletas que utilizam transporte público, tínhamos deixado a frequência mais flexível, além de procedimentos nos treinos”, conta. à Agência Brasil.

“Vamos ter de buscar outras formas para trabalhar”, reconhece Israel Stroh, medalhista de prata do tênis de mesa nos Jogos do Rio de Janeiro há quatro anos. “É preciso seguir as orientações, esperar o fim da quarentena em casa, mas fazer isso treinando, de alguma forma. Ainda estou me perguntando [como fazer]. Provavelmente, não terei à disposição uma mesa para treino prático, então devo manter uma preparação física mais intensa por uns dez, quinze dias, e aproveitar o tempo disponível da melhor forma”, completa.

A dificuldade, ou impossibilidade, de treinar é mais uma baixa na preparação dos atletas para Tóquio. Até a última quinta (12), segundo o Comitê Paralímpico Internacional (IPC, na sigla em inglês), 42 competições paralímpicas, incluindo oito de esportes de inverno, já estão suspensas até maio, entre eventos-teste e torneios qualificatórios. “[O planejamento] já está sendo afetado em muitos países e devemos passar pela mesma coisa. O atleta precisa ter ritmo de competição, isso faz parte do treinamento. E agora, sem a rotina de piscina e musculação, ficará um pouco mais difícil”, lamenta Daniel.

Manutenção de datas não convence

Apesar disso, o discurso das autoridades japonesas, reforçado nesta terça, é de que os Jogos ocorrerão conforme o programado, com a Olimpíada agendada para 24 de julho a 9 de agosto e a Paralimpíada entre 25 de agosto e 6 de setembro. Já o Comitê Olímpico Internacional (COI) reafirmou, em nota assinada pelo presidente Thomas Bach, que “não há necessidade” de adiamento dos Jogos.

Otimismo que não encontra ressonância entre atletas e técnicos. “Não sabemos o que vai acontecer. Não adianta [o covid-19] melhorar apenas no Japão, é preciso que ele seja controlado no mundo”, diz Leonel. “O planejamento fica às cegas. Com os cancelamentos, perdem-se eventos de controle de treinamento, de referência. Agora, enfrentamos o fechamento de locais de treino. Os atletas terão que treinar de casa, precisaremos adaptar para que continuem a preparação, pois não sabemos quando volta o calendário”, emenda.

“Acredito que há muita coisa a ser decidida. Sabemos que as autoridades responsáveis estão pensando a respeito e a decisão será pensando no melhor para o esporte, para os atletas, em tudo. Claro que para dizer se é correto ou não [adiar os Jogos], as decisões precisam ser tomadas a partir do momento que não prejudique o espetáculo, o atleta e nenhuma família”, opina Daniel.

Israel, por sua vez, reprova o discurso dos organizadores. “O mundo está parado, assustado, não há certeza nenhuma do que acontecerá. Ainda que eles tenham mesmo a certeza [de que é possível realizar os Jogos na data prevista], deveriam mostrar ao público que há uma segunda possibilidade, que mesmo com um desvio de data, serão grandes Jogos do mesmo jeito. Talvez, se o discurso fosse mais próximo do que a gente vê no noticiário, os atletas estariam mais tranquilos, até porque estar tranquilo é prioridade no momento”, comenta. “Com tantos eventos suspensos, é improvável que isso não afete o cronograma. Acho que a organização poderia ser mais pé no chão e menos orgulhosa”, completa, à Agência Brasil.

Por enquanto, o IPC tem se manifestado por meio de boletins semanais, publicados às quintas-feiras. No último, diz que o planejamento para realização dos Jogos continua inalterado e que está em contato com federações e comitês nacionais para analisar eventuais mudanças nos critérios de qualificação, dimensão de quantos ainda precisam obter índices e priorizar a classificação funcional (que define se o atleta é elegível para o movimento paralímpico e qual sua categoria físico-motora, visual ou intelectual) de quem já tem vaga garantida no Japão.

A expectativa é que os detalhes desses contatos sejam divulgados no boletim da próxima quinta (19). Enquanto isso, reinam dúvidas. O CPB, por exemplo, tinha determinado prazos e competições para obtenção de índices para Tóquio, que precisaram ser suspensos “considerando a pandemia de covid-19, o calendário internacional majoritariamente cancelado, a incerteza da realização dos Jogos na data programada e a imprevisibilidade das consequências provocadas pelo covid-19”, conforme nota enviada à Agência Brasil. “Tão logo surja qualquer certeza, (...) tomaremos todas as medidas para a melhor representação do Brasil neste que, esperamos, deve ser o maior evento do corrente ciclo”, conclui.

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