(Luiz Costa)
Paulo Cesar Tinga, 36 anos, ficou decepcionado quando a Conmebol anunciou, no dia 23 de março deste ano, a punição ao Real Garcilaso – uma multa de R$ 27,8 mil – pelo episódio lamentável de discriminação ocorrido no jogo contra o Cruzeiro pela Libertadores (leia Saiba Mais). Mas a contrariedade não o abateu. Indignado com a postura da maior entidade do futebol no continente, o meio-campista passou a encampar uma campanha com o mote “Chutando o Preconceito”.
“Depois daquele dia 23, juntamente com a Central Única das Favelas (CUFA), lançamos a campanha, que inicialmente era contra o racismo. Mas percebi que o preconceito é algo mais forte no nosso país, até pela quantidade de cartas que eu recebo que não falam somente sobre a questão racial”, afirmou o jogador em entrevista ao Hoje em Dia na Toca da Raposa II, ainda com o uniforme e uma bolsa de gelo na perna direita, parte do tratamento para se recuperar de uma fratura após um choque com o goleiro Rafael.
Desde que foi lançada, a campanha vem ganhando a adesão e o apoio de personalidades de vários segmentos nas redes sociais.
Jogadores como Kleber Gladiador, D’Alessandro e Lucas Leiva, além do goleiro atleticano Victor e do cruzeirense Everton Ribeiro , entre outros atletas do futebol mineiro e nacional, já vestiram a camisa da campanha de Tinga e postaram a foto no Instagram e em outras redes sociais.
Artistas como o cantor Gabriel, o Pensador, além de atores, músicos e anônimos também aderiram. A percepção de Tinga de ampliar o foco do debate sobre o preconceito, estendendo o problema a outros tipos, encontra eco em números preocupantes. Atualmente, segundo dados do Grupo Gay da Bahia, um homossexual é morto a cada 28 horas no país. Além disso, um levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) revela que a cada três assassinatos no Brasil, dois vitimizam negros. A chance de um adolescente negro ser assassinado é 3,7 vezes maior do que a de brancos na mesma faixa etária.
‘Ministro’ Tinga critica a alienação de seus colegas de profissão
Com mais de 16 anos de carreira profissional e o convívio direto com jornalistas de veículos de imprensa do Brasil e do exterior, Tinga sabe que o atleta de futebol de clube grande costuma ter um espaço privilegiado na mídia. Ele acredita que os jogadores deveriam aproveitar isso para se engajar mais nas questões sociais do país.
“Todo dia tem um jogador do Cruzeiro, do Atlético, do Grêmio falando na televisão. Um ator está normalmente interpretando um personagem, então não pode falar o que pensa. Nós podemos e essa é uma ferramenta importante para que o jogador não pense somente no seu umbigo e se preocupe mais com a coisas que acontecem no país”, afirma ele, que foi influenciado por Dunga a se envolver em temas sociais, ainda em 2000, quando ambos eram colegas na equipe do Inter-RS.
Chamado de ‘Ministro’ pelos colegas de Cruzeiro, como Dedé, Egídio e Ricardo Goulart, justamente pela liderança natural que exerce dentro do grupo, Tinga descarta se lançar futuramente na política.
“Eu sempre acreditei que para fazer uma coisa, como a política, você tem que estudar. Quero inspirar outros jogadores a pensarem mais sobre as questões importantes do nosso país como grandes caras me inspiraram no passado”, declara o jogador, nada empolgado com a ideia de se candidatar.
Atleta fala do desejo de seguir no Cruzeiro até o fim de 2015
Aos 36 anos, Tinga tem contrato com o Cruzeiro até maio de 2015. Ele diz que pretende seguir no clube pelo menos até o fim do mesmo ano, até para facilitar a situação de sua família, bem adaptada a Belo Horizonte.
No momento, o jogador se recupera de uma lesão grave (fraturou a tíbia e a fíbula da perna direita ao se chocar com o goleiro Rafael em um treinamento, há cerca de dois meses) e se prepara para voltar.
Segundo ele, ficar fora da equipe, apenas observando, dá uma perspectiva diferente e até mesmo uma motivação a mais. “Me sinto como quando era garoto, com aquela vontade de estar em campo e jogar”, contou ele ao Hoje em Dia. Tinga se mostra muito feliz com o que faz e se diz um privilegiado por ter como profissão aquilo que muita gente no Brasil paga para fazer no fim de semana e tem como hobbie: jogar bola.
Questionado sobre se ainda jogaria este ano, ele afirma que vai seguir o cronograma de recuperação sem pressa, e diz que o elenco cruzeirense é qualificado e não há necessidade de precipitar o seu retorno. Tinga chegou ao clube celeste no começo de 2012 trazido pelo então treinador Vágner Mancini. Ao todo, são 65 partidas com a camisa celeste e dois gols marcados. Ele conquistou o Brasileiro 2013 e o Campeonato Mineiro deste ano.
Torcida imitou som de macaco no Peru
No dia 12 de fevereiro passado, Tinga foi ofendido pela torcida do Real Garcilaso, do Peru, em jogo d a Libertadores , em Huancayo. Os torcedores imitavam o som de macaco toda vez que ele pegava na bola. No dia 23 de março, veio o anúncio da punição da Conmebol: R$ 27,8 mil. Para Tinga e analistas, saiu barato, diante da seriedade do tema. Muitos esperavam até pela exclusão do time peruano da competição.