Jogador boliviano é o maior artilheiro internacional da Raposa
Cruzeiro prepara despedida para Marcelo Moreno em um Mineirão lotado (Cruzeiro/Divulgação)
O atacante Marcelo Moreno se despede do futebol neste domingo (7), antes da finalíssima do Campeonato Mineiro, entre Cruzeiro e Atlético. Como agradecimento, o jogador escreveu uma carta de ao torcedor cruzeirense, destacando o relacionamento com o clube.
O time celeste ainda não informou como será a “última flechada”, nome dado por ele mesmo ao evento, que vai ocorrer uma hora antes de a bola rolar no clássico, com a presença de mais de 60 mil pessoas.
Vestindo a camisa da Raposa, Moreno entrou em campo 142 vezes e marcou 52 gols, em três passagens. Ele é o maior artilheiro estrangeiro da história do clube.
Na primeira passagem (2007/2008), o artilheiro surpreendeu a torcida. Foram 20 gols em 36 partidas. Na segunda (2014), quando conquistou o Campeonato Brasileiro, foram 23 gols em 52 jogos. Já em 2020/2021, na pior fase da história do clube, o jogador balançou as redes 9 gols em 54 partidas.
Confira a carta na íntegra:
Torcedor cruzeirense,
Como você pode imaginar, os últimos dias têm sido muito emotivos e nostálgicos para mim. Desde que voltei à Toca, não paro de pensar em como este lugar é especial.
Em 20 anos de carreira, o Cruzeiro é o clube onde mais joguei, mais marquei gols e mais títulos conquistei, entre as maiores alegrias que o futebol me deu. Por isso, eu não poderia encerrar meu ciclo profissional sem me despedir da torcida que me acolheu como um legítimo cidadão celeste.
Olha, eu rodei o mundo – e isso não é força de expressão. Posso garantir que não existe energia igual à da Nação Azul. Sério, o que eu vivi com vocês no Mineirão… Uau, me emociono toda vez que essas imagens vêm à minha mente… É coisa de maluco!
No meio de tantas memórias vestindo esta camisa, carrego uma que nunca vou esquecer.
Um gol?
Uma vitória?
Um título?
Mais do que isso: um sentimento.
Para descrever o que sinto, precisamos voltar no tempo. Dez anos atrás, quando retornei ao clube para a temporada de 2014. Naquela época, o Cruzeiro era o atual campeão brasileiro. Jogava o melhor futebol do país e tinha um elenco maravilhoso, com diversas opções no ataque. Juro que nem acreditei ao receber uma ligação do meu empresário dizendo que o Alexandre Mattos queria fazer uma proposta para que eu voltasse ao clube.
A verdade é que eu não tinha feito uma boa temporada no ano anterior. Não esperava que, com aquele timaço que tinha, o Cruzeiro fosse se interessar pelo meu retorno. Tenho certeza que foi uma oportunidade de ouro que Deus colocou em meu caminho, e eu não precisei pensar duas vezes para aceitar.
“Partiu! É impossível dizer ‘não’ para o Cruzeiro.”
Como um bom mineiro, eu, boliviano de nascença e brasileiro de coração, aprendi a comer pelas beiradas. Tive de lutar bastante, trabalhando quietinho, para conquistar meu espaço naquela equipe, algo parecido com o que aconteceu em minha primeira passagem pelo clube.
Para quem não se lembra, eu tinha apenas 19 anos quando pisei na Toca pela primeira vez. Antes de ser apresentado, sentado na arquibancada assistindo ao treinamento do time principal ao lado do meu pai, confesso que eu estava com medo. É natural que um garoto recém-saído do Vitória para um clube do tamanho do Cruzeiro sinta um choque. Mas eu realmente fiquei assustado. Ou intimidado, sei lá… Só tinha fera no time, vários nomes consagrados e experientes. Um treino pegado, intenso, como eu nunca tinha visto.
Em minha despedida, só quero sentir de novo a energia incomparável da nossa Nação Azul.
Então, eu viro para o meu pai e falo assim:
– Com esse tanto de jogador bom, será que vou dar certo aqui?
E meu pai, por também ter sido jogador de futebol, me responde com a maior tranquilidade:
– Meu filho, você já é uma estrela. Confia em mim! Você vai brilhar com a camisa do Cruzeiro.
A presença do meu pai foi muito importante ao longo da minha carreira. Ele sempre me passava segurança e acreditava que eu poderia me tornar um grande atacante. Mesmo confiando no meu talento, ele me mostrou desde cedo que, para jogar em alto nível, eu precisaria me dedicar e, principalmente, me entregar ao futebol com todo meu amor. O exemplo dele me ajudou não só a me firmar no Cruzeiro, mas também, alguns anos depois, a provar que poderia ser útil no time de 2014.
Ganhamos o Mineiro invictos, em cima do rival. A cada dia que passava, jogávamos um futebol ainda melhor. Durante o Brasileiro, chegou um momento em que a gente simplesmente tinha a certeza de que ganharia as partidas. Não tô brincando. Era uma confiança absurda, ainda mais quando a gente jogava no Mineirão.
Entrava no vestiário e já rolava o papo entre os jogadores:
– E aí, tudo bom?
– Tá concentrado? Certinho?
– Como vai ser hoje?
– Quanto vai ser o jogo?
E eu já chegava batendo na porta e falando que a gente ia ganhar. Porque eu sabia que ia ganhar!
Como?
Só de entrar no gramado para o aquecimento, ouvir o barulho da torcida e sentir a energia do Mineirão, eu tinha plena convicção de que “hoje, é nosso”.
Tá bom, vai… A gente tinha um time fantástico. Um dos elencos mais qualificados do Brasil. O ambiente, melhor ainda. Um respeitando o outro, mas querendo se esforçar ao máximo para brigar por seu lugar na equipe. Mas o que fazia a diferença naquele ano, sem sombra de dúvida, era a energia que a arquibancada transferia para o campo. A energia que você, torcedor, transferia para nós, jogadores.
E é a esse sentimento que eu me refiro. O sentimento de pertencer à Nação Azul.
Certa vez, quando jogava na China e vim passar férias em BH, eu tive a chance de me juntar a vocês para assistir a um jogo na arquibancada do Mineirão. Foi o dia em que entendi totalmente o que é ser cruzeirense. E agora, antes da minha última flechada, eu posso dizer que me sinto orgulhoso de dividir essa paixão com vocês.
Hoje me dou conta de que, ao abrir mão do melhor contrato da minha carreira, na China, para voltar ao Cruzeiro no pior momento da história do clube, quatro anos atrás, quem falou mais alto foi meu lado torcedor. Era uma situação de vida ou morte. Não fosse a torcida, que jamais abandonou o barco, o time poderia ter acabado ali.
Em minha terceira passagem pela Toca, vivi coisas que ninguém seria capaz de imaginar – e o que encontrei era bem pior do que eu imaginava. Um clube gigante, cheio de conquistas e ídolos no passado, que mal tinha jogadores para completar um treino no início da temporada.
Só que, como eu disse, “é impossível dizer ‘não’ para o Cruzeiro”.
Muitas pessoas me chamam de maluco por ter voltado e tentado ajudar a reerguer a instituição de todas as formas possíveis, muito além do campo.
E sabe de uma coisa? Elas têm razão.
Sou maluco, sim. Maluco pelo Cruzeiro, pela torcida e pela devoção que ela tem por este clube onde sempre me senti em casa.
Foi uma honra imensa ter sido artilheiro de uma Libertadores vestindo esta camisa e campeão brasileiro com um time que encantou o país.
Isso fica no currículo, guardado com muito carinho. Mas o que fica na memória, que ninguém nunca vai tirar de mim nem da minha família, é a identificação que tenho com o Cruzeiro. É o respeito de uma torcida que retribui em dobro o sacrifício que enxerga no campo. É o Mineirão inteiro gritando:
“MAR-CEEE-LO-MO-REEE-NO!!!”.
Ninguém tira. Nunca.
Em minha despedida, só quero sentir de novo a energia incomparável da nossa Nação. Quando eu pisar pela última vez naquele gramado e escutar a torcida gritando meu nome no domingo, não tenho dúvida que meu pai, que agora descansa como uma estrela no céu, estará feliz ao saber que todo o amor que entreguei ao futebol foi devidamente recompensado.
Meu muito obrigado a cada cruzeirense por ter me proporcionado o maior dos sentimentos que um atleta pode sonhar em receber. E ao Cruzeiro, claro, que pra sempre eu vou amar.
Sai o Marcelo jogador.
Fica o eternamente grato, Moreno torcedor.