'Dava a vida quando enfrentava o Cruzeiro', conta ex-ponta atleticano Sérgio Araújo

Henrique André
hcarmo@hojeemdia.com.br
04/05/2017 às 20:05.
Atualizado em 15/11/2021 às 14:24

Com a camisa do Atlético, Sérgio Araújo realizou 360 partidas, marcou 58 gols e levantou sete canecos. Aos 53 anos e obviamente sem a mesma velocidade dos tempos em que defendeu o alvinegro (de 1981 a 1993, em três passagens distintas), o ex-ponta-direita ainda dá trabalho aos adversários nas viagens que o time de masters faz pelo interior do estado.

Natural de Timóteo, no Vale do Rio Doce, Sérgio Araújo ficou marcado pela velocidade e esperteza dentro das quatro linhas. Aposentado há quase duas décadas e ainda idolatrado por atleticanos nas ruas, o ex-camisa 7 lamenta o que chama de “mecanização” do futebol nos dias atuais.

Em entrevista exclusiva ao Hoje em Dia, realizada no Museu do Mineirão, Araújo recordou momentos marcantes no Galo, contou como era enfrentar o Cruzeiro nos anos 80 e 90, reclamou da pouca valorização que o Atlético dá aos ex-jogadores e explicou a relação quase familiar que mantém com o presidente do clube, Daniel Nepomuceno.

Qual a sua relação com o Atlético atualmente? Respira o clube como fazia antes de pendurar as chuteiras?
A relação é muito boa. Sempre estou junto com os ex-jogadores, e o nosso time master está sempre jogando no interior. Devo tudo ao Atlético; a minha vida como homem e pai de família, principalmente. Até hoje recebo carinho das pessoas por onde vou e dou autógrafos. Isso é muito legal.

O que faltou para o Atlético ter sido campeão brasileiro em 1987?
Fico pensando se teve alguma coisa fora de campo. Nosso time era muito bom e tinha tudo para ser campeão brasileiro. Éramos muito prejudicados na década de 1980. Perdi quatro semifinais de Campeonato Brasileiro naquela época. A gente vê comentários na TV e fica meio com o pé atrás por tudo aquilo que acontecia com a gente; arbitragem e outras coisas que não entendemos. Nosso time sempre foi o melhor. Teve um jogo contra o Coritiba, por exemplo, que a bola do Reinaldo entrou e o juiz não deu.

Como foi enfrentar o Galo vestindo a camisa de outro time?
Enfrentei uma vez pelo Flamengo. Ganhamos por 2 a 0 lá no Maracanã e eu fiz um gol. Foi o “Gol do Fantástico” no domingo. Foi uma sensação ruim. Eu não queria sair do Atlético naquela época, mas fui forçado. O clube estava com uma situação financeira ruim e o único jogador valorizado era eu. Para se ter ideia, fui o jogador mais caro do Brasil. Eu não queria ir, mas me chamaram na sede do clube e me falaram que iriam me vender de qualquer jeito. A torcida quebrou tudo aqui. 

O que representaram para você os clássicos contra o Cruzeiro?
Tenho lembranças muito boas. A rivalidade vinha desde o juvenil. Quando a gente ia enfrentar o Cruzeiro, era um sabor especial. Enfrentar Douglas, Geraldão e outros tinha um sabor especial. Levamos esta rivalidade para o profissional. Quando ia jogar Cruzeiro e Atlético eu dava a vida; na sexta-feira já não saía de casa, ficando concentrado e mentalizando o que faria no domingo. Chegar no Mineirão, sabendo que a torcida confiava em mim, eu ficava arrepiado e queria ganhar sempre. Fiz grandes jogos e gols.

Teria aceitado jogar no maior rival?
Eu não quis jogar no Cruzeiro. Respeito o clube, tenho grandes amigos lá hoje, mas por tudo que fiz no Atlético, por toda história, preferi não jogar lá.

Como você enxerga clássicos com torcida não dividida igualmente?
É uma sensação muito ruim. Na minha época você tinha 100 mil pessoas, mas divididas igualmente. Hoje, a violência é muito maior. Para preservar um pouco as pessoas dos tumultos, fizeram isso. Mas a alegria do clássico é ter as duas torcidas. Eu fazia gol,passava embaixo da torcida do Cruzeiro e os caras jogavam chinelo e rádio em mim. Reprodução/Facebook

AGILIDADE – No clássico, Sérgio Araújo se desvencilha da marcação de Edson e Genílson

O futebol está chato?
Hoje você não pode dar um drible, não pode dar uma “caneta” num jogador que falam que você está o menosprezando. Tem que voltar o que era antes, está acabando a alegria. Antes dos clássicos, eu fazia piada. Chegava no treino e falava pro pessoal gastar o “bicho” que eu resolveria no domingo. Está perdendo a graça o futebol. Tem amigos meus que nem assistem mais. Futebol é povão e alegria. Quero jogadores que falem como faziam Viola e Edmundo.

Como foi ter Reinaldo e Éder Aleixo como companheiros no Galo?
Eu tive muita sorte no Atlético. Cheguei muito novo e com 15 anos já estava na seleção juvenil. Treinava com Paulo Isidoro, Reinaldo, Éder, João Leite, Orlando, Palhinha, Chicão e outros. Para mim, sempre tive estas pessoas do meu lado. O Atlético hoje deveria ter uns cinco ou seis jogadores de nível alto para ajudar os meninos que sobem, e manter o mesmo time durante cinco ou seis anos, mudando poucas peças, como era na minha época. Hoje não se vê mais isso. Fui titular do Galo por 5 anos.

Tem espaço no futebol para o ponta “de raiz”?
Claro que tem. É só trabalhar. Não vejo jogador rápido como eu. Desde criança já tinha velocidade; fiz atletismo. Hoje não tem jogador veloz como tinha naquela época, como o Maurício, o Lela, o Renato Gaúcho. Por que não preparam este tipo de jogadores na base? Não entendo.

Os ex-jogadores são valorizados pelo Atlético?
Tem que valorizar mais as coisas que são do Atlético. Vemos outros clubes sempre trazendo os ex-jogadores aos jogos, valorizando a história. O Galo tem que fazer mais isso. Temos um encontro dos ex-atletas em setembro, mas acho que falta algo do clube. Imagina ver Luizinho, Eder Aleixo e tantos outros em dias de jogos? É bacana. Tem que resgatar. Se o Atlético tem 109 anos hoje, nós estamos na história e não podemos ser esquecidos.

É verdade que você é muito ligado à família do presidente do Atlético, Daniel Nepomuceno?
Fui mandado embora do Atlético cinco vezes por causa do meu tamanho. Era muito pequeno. Quem me segurou no clube foi o pai do Daniel Nepomuceno (atual presidente), que era diretor. Convivo com o Daniel desde que ele era criança. Dr. (José) Nepomuceno foi meu pai e me ajudou demais. Daniel entrava em campo comigo e eu frequentei muito a casa dele. Até hoje me chamam de “filho do Nepomuceno”.

Você preferiria jogar na sua época ou hoje?
Com certeza na minha época; financeiramente, porém, eu gostaria de jogar hoje. Na minha época só jogavam craques de verdade. Hoje é tudo muito mecanizado. O futebol está muito esquisito. Reprodução/Facebook ESQUADRÃO ALVINEGRO – Lembranças do time com João Leite; Nelinho, Batista, Elzo, Heleno e João Luiz; Sérgio Araújo, Paulo Isidoro, Tita, Éverton e Edivaldo, em dia de Mineirão lotado e dividido

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