entrevista

‘Futebol baiano com identidade esportiva inspirada em MG’, diz consultor de time em ascensão

Mineiro de BH, Luiz Kriwat leva experiência que conduz futuro do esporte em Porto Seguro

Angel Drumond
angel.lima@hojeemdia.com.br
05/05/2025 às 09:27.
Atualizado em 05/05/2025 às 14:18
Luiz Kriwat trabalhou no Cruzeiro e no América antes de levar o sucesso para o litoral baiano (Flickr Cruzeiro)

Luiz Kriwat trabalhou no Cruzeiro e no América antes de levar o sucesso para o litoral baiano (Flickr Cruzeiro)

Consultor, mentor e figura central nos bastidores do ambicioso projeto do Porto de Porto Seguro, Luiz Kriwat é um dos responsáveis por transformar um sonho recente em uma realidade competitiva. Com passagens marcantes por clubes tradicionais como América e Cruzeiro, ele carrega na bagagem a vivência de quem conhece os bastidores do futebol brasileiro como poucos — inclusive em momentos de escassez, quando a gestão estratégica e a criatividade falaram mais alto.

Oficialmente consultor do clube baiano, Kriwat é, na prática, o elo entre a comissão técnica, os investidores e os processos decisivos do dia a dia. Com uma postura discreta e foco total nos resultados, ele se tornou a referência silenciosa por trás do quinto lugar conquistado no Campeonato Baiano e da histórica vaga garantida para a Série D do Campeonato Brasileiro de 2026, em apenas dois anos de projeto.

Sua jornada no futebol começou cedo, com formação em Gestão de Futebol pela CBF Academy e pós graduação em jornalismo esportivo, além de sólida atuação como executivo e gerente de futebol. 

Do planejamento orçamentário, passando pela montagem de elenco e negociação de atletas, Kriwat transitou com consistência por diferentes áreas e modelos de gestão — incluindo a estrutura associativa e a transição para a SAF no Cruzeiro.

No Porto, ele aplica tudo o que aprendeu em um cenário desafiador: um clube jovem, com poucos recursos, mas com muita organização e pé no chão. Com uma filosofia baseada em planejamento, ética e valorização regional, o time baiano já demonstra que pode ser protagonista — sem pressa, mas com muita ambição.

Nesta entrevista para o Hoje em Dia em ritmo de bate-bola, Luiz Kriwat fala sobre os bastidores do projeto, os aprendizados ao longo da carreira e os caminhos que podem levar o Porto a voos ainda maiores no cenário nacional.

Porto, de Porto Seguro (Reprodução: Instagram)

Porto, de Porto Seguro (Reprodução: Instagram)

Luiz, você teve passagens importantes pelos bastidores do América e do Cruzeiro, clubes tradicionais do futebol mineiro. O que essas experiências te ensinaram e como influenciam sua atuação hoje no Porto? 

Eu entendo que a gente carrega as experiências de todas as esferas da vida — sejam elas profissionais, vividas em outros clubes, que a gente traz para o projeto que está sendo executado no momento, quanto de outras áreas, como amizades, relacionamento com a família, hobbies ou cursos diversos que a gente sempre busca fazer. São experiências ricas que moldam quem somos hoje. Falando especificamente de América e Cruzeiro, foram oito anos no América. Comecei no departamento de marketing. Em 2015, conquistamos o acesso à Série A; em 2016, fomos campeões mineiros; e, em 2017, ganhamos a Série B depois de 20 anos — com um orçamento inferior ao do Internacional. Trabalhar em um cenário de escassez de recursos é sempre interessante, principalmente quando você parte para um projeto de menor expressão, como é o do Porto, e precisa encontrar soluções de processos que permitam ajustar, com poucos recursos, as boas práticas do departamento de futebol. No Cruzeiro, de forma muito semelhante, participei também do título da Série B em 2022. Ao longo dos três anos no clube, trabalhei praticamente sem recursos, enfrentando momentos críticos. Isso, mais uma vez, a gente carrega para o projeto atual: uma forma mais enxuta de trabalhar, com pouco recurso. Obviamente, são inúmeros os fatores que a gente traz dessas experiências. Mas, na situação atual do Porto, acredito que o principal seja essa capacidade de atuar com poucos recursos, sempre buscando resultado. Muito planejamento. Quando se tem recurso, já é ideal planejar mais do que executar. Mas quando não se tem, isso se torna essencial. Então, o planejamento vir antes da execução é algo que carrego comigo com bastante força.

O Porto de Porto Seguro é um clube jovem, mas já alcançou feitos expressivos, como a classificação para a Série D do Brasileirão de 2026. O que te motivou a apostar nesse projeto e quais os maiores desafios até aqui?
 
O Porto é possivelmente o clube mais jovem da Série D, fundado em 2 de fevereiro do ano passado. Em pouco tempo, disputou a segunda divisão do Campeonato Baiano — onde conquistou o acesso — e, neste ano, a primeira divisão, garantindo vaga na Série D. A aposta no projeto surgiu após um estudo de viabilidade encomendado pela empresa PMK, antiga consultora e hoje envolvida diretamente com o clube. O convite partiu de Ehler, gestor de carreira de atletas e conhecido por sua seriedade no futebol, com quem os consultores já tinham uma relação de confiança. Com um investimento inicial e planejamento conservador, concluiu-se que o clube teria sustentabilidade por pelo menos três anos. O maior desafio foi estruturar o clube do zero, conciliando perfis distintos entre os sócios — um experiente no futebol, o outro do setor imobiliário — e preparando todos os envolvidos para tocar um projeto que precisava começar imediatamente.

O time tem uma forte ligação com o futebol mineiro, contando com Sandro como técnico e Augusto Recife como auxiliar, ambos ex-jogadores do Cruzeiro. Como essa identidade influencia o trabalho e a filosofia do clube?
 
A relação entre o futebol mineiro e o Porto tem raízes geográficas e culturais. Porto Seguro, no sul da Bahia, é um destino frequente de mineiros, tanto a lazer quanto como opção de vida, criando uma conexão natural com Minas Gerais. O Ehler, um dos sócios do projeto, frequenta a região há anos e tem investimentos locais. A aproximação com o futebol mineiro veio por meio dele, que tem longa atuação na área e já revelou atletas como Vitor Roque e Estevão. Essa rede de relações inclui nomes como Anderson, figura fundamental nos bastidores, e Léo Silva, ex-jogador do Cruzeiro. O consultor que relata o caso passou a coordenar ações técnicas, e o ex-jogador Augusto Recife foi integrado ao projeto como líder do elenco, transmitindo confiança. A influência mineira se refletiu no modelo de jogo, inspirado em clubes de Minas e da Bahia, sempre respeitando as origens do Porto, ligadas à história do Brasil e ao apoio aos povos indígenas, especialmente os Pataxós. Assim, o Porto tem uma identidade muito forte no sentido cultural, ético e moral, e também uma identidade esportiva inspirada no futebol mineiro.

Comemoração do time que vai disputar a Série D do Brasileiro em 2026 (Reprodução: Instagram)

Comemoração do time que vai disputar a Série D do Brasileiro em 2026 (Reprodução: Instagram)

O futebol da Bahia tem crescido bastante nos últimos anos, com equipes se destacando em nível nacional. Como você enxerga o espaço do Porto nesse cenário e quais são os próximos passos para consolidar o time? 

E aí entram os clubes satélites, né? Que estão sempre orbitando clubes grandes, que podem fazer uma primeira captação mais segmentada, mais regionalizada. Se a gente pegar Porto Seguro e Salvador, são cerca de 10 horas de carro. Então, é uma distância considerável para um pai ou uma mãe deixarem um filho morando em Salvador, com todas as circunstâncias que a gente sabe que permeiam a vivência de uma criança isolada dos pais. E aí o Porto tem, como outros clubes, a capacidade de fazer uma captação regionalizada. E esses dois clubes, crescendo e aumentando o raio de ação, podem se tornar clientes desse atleta. Então, a consolidação do Porto agora passa pelo estabelecimento do projeto de formação. Mais uma vez, de forma consciente, do mesmo jeito que foi feito >no profissional, sem esperar resultados da noite para o dia — apesar do profissional ter tido —, o que não estava no planejamento. O planejamento era um pouco mais conservador, justamente para que a gente não fosse decepcionado ou surpreendido negativamente. Boas surpresas, tudo bem; decepções, não podemos ter. Então, o projeto foi desenhado de forma mais conservadora para a implementação da categoria de base, começando por uma captação regionalizada e buscando municiar clubes maiores — seja os clubes da Bahia, seja os clubes aqui de Minas Gerais —, porque o Porto acaba ficando no meio do caminho entre Belo Horizonte e Salvador. Ou até outros clubes, porque o alcance das pessoas envolvidas permite se relacionar com clubes do Brasil todo. Então, o próximo passo do Porto é a consolidação do projeto de base.

Luiz Kriwat em tempos de América (Mourão Panda)

Luiz Kriwat em tempos de América (Mourão Panda)

No América e no Cruzeiro, você lidou com diferentes estruturas e desafios. Comparando com o trabalho no Porto, quais as principais diferenças e semelhanças na gestão de um clube emergente?
 
Eu até já mencionei um pouco ali em cima a questão orçamentária. Mas, assim, no América, eu atuei o tempo todo em uma estrutura associativa. No Cruzeiro, atuei por dois anos em uma estrutura associativa e por um ano em uma estrutura de SAF. A principal diferença de um clube emergente é que, quando você o estabelece do zero, não existe nenhuma memória — nem processual, nem cultural, nem desportiva. Isso impacta no momento em que se tenta atrair um atleta ou comissão técnica para o projeto, pois tudo fica muito pautado nas pessoas. Também impacta na hora de atrair investimento, porque, como sabemos, é muito fácil alguém vender a ideia de que o clube vai fazer isso ou aquilo, mas as coisas só começam a acontecer de fato depois que o projeto está em andamento. É curioso porque a principal semelhança entre os clubes pelos quais passei — e entendo que isso seja uma característica geral do futebol brasileiro — é que a gestão fica muito pautada na questão pessoal, no relacionamento do gestor, seja ele o dono ou um presidente de associação. A gestão acaba dependendo muito da relação do presidente, do executivo, do treinador. Então, por mais que existam essas diferenças gritantes do ponto de vista estrutural — como o local de treino, por exemplo —, o Porto tinha tudo, mas tudo de forma simples. Às vezes utilizava o espaço da prefeitura, que é uma apoiadora do projeto. Já o Cruzeiro e o América têm seus próprios centros de treinamento; o Cruzeiro, inclusive, tem dois, ali na região da Pampulha, o que facilita a logística. O América, durante um bom tempo, manteve a base em Santa Luzia, o que gerava uma dificuldade geográfica. Essas peculiaridades existem, mas, mesmo com todas essas diferenças, há uma semelhança que me parece comum ao futebol brasileiro: a gestão pouco institucional e altamente personalizada, dependente da pessoa que está à frente. Quando muda quem está na gestão, mudam-se também os relacionamentos dentro do futebol.

O Porto já mostrou que tem potencial para crescer. O que o torcedor pode esperar para os próximos anos? A meta é brigar por acessos e, quem sabe, chegar à elite do futebol brasileiro?

O futebol tem muito essa questão da projeção, das apostas, não é? “Quem você acha que vai ser o campeão brasileiro? Quais times vão ser rebaixados?” Aquela coisa toda. Mas essa não é a forma como eu trabalho, né? A forma como eu trabalho é projetando cenários. Normalmente, a gente trabalha com três cenários: um otimista, um realista e um pessimista. A ideia é entender qual o impacto de cada um deles e desenhar as ações necessárias para que esse impacto seja mitigado — principalmente no caso de um cenário pessimista. Então, quando me perguntam o que o torcedor pode esperar dos próximos anos, a única coisa que eu posso afirmar é que, enquanto essas pessoas que fundaram o clube estiverem lá, podem ter certeza de que será um clube com os pés no chão, com um trabalho ético, com as contas em dia. Essas pessoas são sérias. Agora, sobre o desempenho esportivo, já podemos colocar o seguinte: qual era o cenário projetado para o Porto? O cenário realista previa dois anos na segunda divisão: o primeiro ano seria para garantir a permanência, e o segundo ano, já na primeira divisão, para conquistar a vaga na Série D e, no quinto ano, disputar a primeira Série D. No início do projeto, a meta era que, em 10 anos, o clube estivesse disputando uma Série C. Hoje, a gente já pode dizer que encurtamos esse prazo de cinco anos para dois. Em um ano, o projeto já alcançou a chegada à Série D, e o clube vai disputar a Série D no segundo ano do projeto — não no segundo ano esportivo, tá? É o segundo ano do projeto. Então, podemos dizer que existe uma projeção, um desejo, um planejamento para que o clube, dentro desse período de cinco anos, atinja a Série C. Para isso, existe todo um arcabouço de ações que precisam ser cumpridas. Há necessidade de investimento, porque a Série D é um campeonato traiçoeiro — tanto do ponto de vista do formato de disputa quanto da forma de aquisição da vaga. É preciso disputar o Baianão do ano que vem para conquistar a vaga na Série D do ano seguinte. Um desajuste em um ano pode tirar a vaga na Série D do ano seguinte. Por isso, é preciso superar essa etapa com mais investimentos. O clube está formatando a possibilidade de receber novos investidores, para ter uma equipe competitiva na Série D. É claro que ninguém entra para perder — todo mundo sabe que o objetivo é conquistar o acesso à Série C. Mas sabemos que há clubes com orçamentos infinitamente superiores, já acostumados com a competição, clubes que vieram de divisões maiores e hoje estão na Série D. Há também clubes tradicionais da Série D se transformando em SAFs, recebendo investimentos. É um cenário que exige que a gente mantenha os pés no chão. Se conseguirmos manter o Porto disputando dois anos seguidos de Série D, entraremos fortes no terceiro ano para buscar esse acesso, já com um know-how maior da competição. A gente falou isso também na segunda divisão do Baiano — e já conquistamos o acesso. Falamos isso na primeira divisão do Baiano — e já conquistamos a vaga para a Série D. Então, a gente prefere ser conservador, mas sabendo que temos potencial para ser a surpresa da competição.

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