Em partidas que antecipam o clássico, a torcida do Atlético reserva alguns segundos para entoar uma canção que fixou nas arquibancadas, que faz provocações ao rival Cruzeiro. Na segunda estrofe, um gol específico é citado. Este lance, marcado pelo inusitado, completará neste sábado (29), 10 anos de vida, justamente na véspera da primeira final do Estadual que volta a reunir Galo e Raposa.
O tal "vi o gol do Vanderlei" foi marcado em 29 de abril de 2007, também nos primeiros 90 minutos da decisão do Campeonato Mineiro daquele ano. O Atlético goleou a Raposa por 4 a 0, sendo que a última bola foi parar nas redes aos 47 minutos do segundo tempo, com o goleiro Fábio virado de costas para o gramado, sem ter visto o ex-atacante. A cena rodou o mundo e nunca mais foi esquecida pelos atleticanos, que saíram do Mineirão com a certeza de ter conquistado o Estadual depois de cinco anos de seca.
"Acabei sendo reserva na final e entrei aos 38' do segundo tempo. Eu dei um passe para o Marcinho, que sofreu o pênalti. Ele cobrou no canto esquerdo do Fábio e a bola ficou lá dentro do gol. Nisso, o Fábio foi brigar com a arbitragem, gesticulando, revoltado. E a bola ficou lá dentro do gol. O que aconteceu? O árbitro deu a saída de bola no centro do campo, e eu estava tão focado, que assim que o Cruzeiro tocou na bola, eu corri atrás dela e interceptei o passe. Então eu vi o Fábio de costas, indo bem devagar em direção ao gol. Só bati de chapa na bola e quando ele olhou, eu já estava comemorando com a Massa atleticana", relembra Vanderlei, em entrevista ao Hoje em Dia.
O lance não teve grandes efeitos na carreira do goleiro no clube celeste, apesar de ter sido criticado por parte da torcida. Pelo contrário. Ele acabou sofrendo uma lesão séria no joelho esquerdo no gol de Danilinho, de chapéu, e parou por um tempo. Retornou para se tornar o recordista de jogos da Raposa, além de bicampeão brasileiro. Mas Vanderlei ficou imortalizado na história do clássico.
Aos 38 anos, de chuteiras penduradas, o ex-centroavante se arrepia toda vez que escuta a música, criada após a febre do "Brasil, decime qué se siente" da Argentina na Copa do Mundo de 2014. Naquele ano, Vanderlei acompanhou as épicas vitórias do Galo na Copa do Brasil, vencida justamente num clássico, mas com reviravoltas diante de Corinthians e Flamengo. Pela TV, aprendeu a letra e, com orgulho de quem pode comprovar que eternizou um capítulo no futebol mineiro, ensinou a canção às filhas.
"Nos jogos memoráveis que o Atlético fez na Copa do Brasil, revertendo derrotas de 2 a 0 para Corinthians e Flamengo, eu via os jogos aqui em Santa Catarina e quando eles cantavam a música, eu cantava junto para as minhas filhas, que adoraram e me acompanharam. É um marco, fico feliz demais ainda mais por estar completando esses 10 anos", disse.
Atualmente, o ex-jogador mantém uma academia em Tubarão-SC. Pretende se formar em Educação Física e tem como futuras intenções abrir uma escolinha de futebol e até mesmo empresariar outros atletas profissionais. Nestes 10 anos, o jogador saiu do Atlético em 2008 e rodou o Brasil. Jamais conversou com Fábio sobre aquele lance, mesmo tendo reencontrado ele no Campeonato Mineiro de 2013. Vindo como artilheiro da Série B 2006 vencida pelo Atlético, o ex-atacante não se firmou no Galo, 15 gols em 60 jogos, mas, longe dos holofotes, precisou de três segundos para nunca mais ser esquecido.
DOIS TOQUES
Ao término da partida, o goleiro Fábio estava "soltando os cachorros" para cima do trio de arbitragem. Deu uma entrevista aos repórteres de campo chamando o juiz Cléver Assunção de "ignorante", para não citar outros termos. E uma das reclamações do camisa 1 celeste é visível no replay do "gol de costas". Ao dar a saída de jogo após levar o terceiro gol, de Marcinho (pênalti), o atacante Araújo rola a bola no centro do gramado, mas o companheiro ao lado dele, Guilherme (outro futuro atleticano) não encosta na esfera. Nisso, o próprio Araújo encosta novamente na bola, tocando-a para trás. Neste momento, Vanderlei já está em disparada para roubá-la e estufar as redes.
"O que aconteceu de errado naquele momento começou com a saída com dois toques do nosso próprio jogador e omissão dos outros jogadores de estarem atentos no lance para defender. Se estivéssemos atentos, o jogador do Atlético não conseguiria fazer o gol", disse Fábio, em julho de 2007, ainda durante a recuperação no joelho.
DENÚNCIA CONTRA ÁRBITRO
Quatro meses depois de apitar o clássico Atlético 4 x 0 Cruzeiro na primeira final do Mineiro 2007, o árbitrO Cléver Assunção Gonçalves eve o nome envolvido numa denúncia do Gama-DF de superfaturamento de preços de passagens aéreas. Juntamente com outros "donos do apito" da FMF, Cléver foi punido pelo STJD e afastado do quadro de árbitros, com uma punição de 120 dias.
A FICHA DO JOGO
ATLÉTICO 4
Diego, Coelho, Lima, Marcos e Ricardinho; Rafael Miranda (Germano), Bilu, Marcinho e Danilinho; Éder Luís (Tchô) e Galvão (Vanderlei)
Técnico:Levir Culpi
CRUZEIRO 0
Fábio, Gabriel, Luizão, Gladstone e Jonathan; Léo Silva, Ricardinho, Geovanni (Maicosuel) e Fellype Gabriel (Simões); Araújo e Nenê (Guilherme)
Técnico:Paulo Autuori
MOTIVO: jogo de ida da final do Campeonato Mineiro
DATA: 29 de abril de 2007
LOCAL: Mineirão
GOLS: Éder Luís, a 1, Danilinho, aos 36, Marcinho, aos 46, e Vanderlei, aos 47 minutos do segundo tempo
ÁRBITRO: Cléver Assunção Gonçalves
CARTÕES VERMELHOS: Gladstone e Simões (Cruzeiro)CARTÕES AMARELOS: Fellype Gabriel, Léo Silva e Ricardinho (Cruzeiro); Marcos, Marcinho, Rafael Miranda e Danilinho (Atlético)
PÚBLICO: 38.644 pagantes
RENDA: R$ 673.288,50
Quais são as suas memórias daquele clássico?
Aquele clássico teve uma preparação especial, na concentração, um dia antes. Tivemos uma reunião no auditório do CT, com o Levir mostrando um vídeo para nós, alertando para os pontos fortes e fracos do Cruzeiro. Ao final do vídeo, ele comentou: 'Eu já ganhei muitos títulos, mas este é muito importante, porque marca uma trajetória e marca o fato de termos uma família aqui. Por tudo aquilo que fizemos no Campeonato, merecemos o troféu. Isso chega a até me arrepiar, lembrando desse momento. Acho que o jogo em si se encaminhou pela vibração do nosso time, nossa concentração. Eu acho que o resultado foi extremamente fantástico, pelo trabalho desenvolvido na véspera. Nós não tínhamos estrelas, mas tínhamos o foco, a vontade de ganhar o campeonato, pelo que fizemos nesses três meses de partidas. Dava gosto de ir ao CT treinar, independentemente de jogar ou não. Eu não fui prejudicado, mas entrava no segundo tempo e fazia gol.
Mais do que a distração do Fábio, o gol só foi possível porque você roubou a bola logo na saída. Como foi essa ação sua?
Acabei sendo reserva na final e entrei aos 38' do segundo tempo. Eu dei um passe para o Marcinho, que sofreu o pênalti. Ele cobrou no canto esquerdo do Fábio e a bola ficou lá dentro do gol. Nisso, o Fábio foi brigar com a arbitragem, gesticulando, revoltado. E a bola ficou lá dentro do gol. O que aconteceu? O árbitro deu a saída de bola no centro do campo, e eu estava tão focado, que assim que o Cruzeiro tocou na bola, eu corri atrás dela e interceptei o passe. Então eu vi o Fábio de costas, indo bem devagar em direção ao gol. Só bati de chapa na bola e quando ele olhou, eu já estava comemorando com a Massa atleticana.
Como foi o pós-jogo
Foi uma euforia muito grande, pelo resultado que construímos no jogo de ida. A torcida já gritava que seria campeã. O Paulo Autuori, técnico do Cruzeiro, pediu demissão no vestiário, dizendo que tinha vergonha na cara. Realmente ele entregou o cargo. E era um clima de despedida do Levir, que iria deixar o Atlético depois do Campeonato Mineiro. Lembro que a torcida gritou no jogo do título: 'Ei Levir, não vai embora não, ano que vem nós vamos para o Japão'. Ele acabou indo trabalhar no Japão e ficou muito tempo lá.
Você chegou a reencontrar o Fábio depois daquele lance, a conversar com ele?
O Fábio tem uma história muito bonita no Cruzeiro. São quase 20 anos de história no clube. Difícil um atleta permanecer tanto tempo num clube. Igual a ele só o Rogério Ceni (São Paulo) e o Marcos (Palmeiras), nesses últimos tempos. E todos goleiros. Eu não cheguei a conversar com ele depois daquilo. Voltei ao futebol mineiro em 2013 e joguei contra ele, mas fiquei só no banco quando eu estava no Nacional de Muriaé. Também reencontrei o Atlético neste ano, pelo Mineiro, mas não joguei muito. Reprodução/Facebook / N/A
O seu gol está imortalizado numa das mais usuais canções da torcida do Atlético. Como se sente e qual a sua relação atual com o clube e o torcedor?
Até inusitado isso. Porque nos jogos memoráveis que o Atlético fez na Copa do Brasil, revertendo derrotas de 2 a 0 para Corinthians e Flamengo, eu via os jogos aqui em Santa Catarina e quando eles cantavam a música, eu cantava junto para as minhas filhas, que adoraram e me acompanharam. É um marco, fico feliz demais ainda mais por estar completando esses 10 anos.
Você guarda algumas camisas dos clubes que defendeu na academia. Tem do Atlético?
Tenho as camisas dos clubes, não coloquei todas na parede da academia, porque são 30 clubes na carreira. Coloquei as camisas mais representativas da carreira, pois senão faltaria espaço. Tenho duas do Atlético, uma preto e branca e uma branca. Uma do Flamengo que ganhei do Márcio Araújo, meu colega de Galo, quem eu encontrei em Criciúma numa vez que o Flamengo veio aqui jogar.
E como está a vida de ex-jogador, administrando uma academia? Há novos projetos?
Está neste lado empresarial. Eu possuo a academia e curso a faculdade de Educação Física voltada para a área de academia. Hoje é uma outra pessoa com diploma que rege a minha academia, conforme determinações do Conselho Regional. Eu formando, nesses quatro anos, eu posso responder pela própria academia. Mas ainda tenho em mente montar uma escolinha de futebol e também ingressar na área de agenciamento de atletas. Sempre me perguntam se eu não toparia ser treinador, gestor, diretor, por ter muita experiência de bola. Mas não é o que me atrai, pois precisaria de um dia a dia que desgasta, precisaria abdicar da família. E foi um dos motivos que me fez pendurar as chuteiras.