(Hoje em Dia)
Desde os primeiros chutes na bola vestindo as camisas de Venda Nova e Santa Tereza, tradicionais times reveladores de talentos da capital mineira, Palhinha já era visto como craque, mesmo com a baixa estatura e o porte físico franzino.
Revelado ao mundo da bola pelo América e com passagens vitoriosas por Cruzeiro e São Paulo, o “protegido” de Telê Santana e fã de Zico e Cerezo, ainda respira futebol. Aos 50 anos, Jorge Ferreira da Silva, mineiro de Carangola, se prepara para um desafio em Portugal, onde buscará formar novos atletas; ele usará a experiência adquirida nos sete anos em que morou e trabalhou nos Estados Unidos.
Nesta entrevista ao Hoje em Dia, Palhinha relembra o passado como jogador, fala das conquistas por Raposa e Tricolor, analisa o futebol de hoje, rasga elogios ao uruguaio Arrascaeta, atual camisa 10 do time celeste, e muito mais.
Como foi o seu início no futebol? Como apareceu o apelido Palhinha?
Tudo isso aconteceu no Venda Nova. Comecei lá com Tiãozinho e Nivaldo, naquele campo de terra que eu adorava ver os jogos do primeiro quadro. Tinha um goleiro lá que eu não esqueço o nome, o Magrelo, que pegava demais e eu não sei como se quebrava todo naquele campo, que ficava sempre cheio. Me falavam que eu me parecia com o Palhinha e felizmente tive este apelido. Com o passar do anos, tive a oportunidade de conhecer o Palhinha de verdade, fizemos uma matéria, e isso marcou muito a minha vida.
Quem era seu ídolo de infância?
Era o Zico. Ele era a estrela maior e eu queria ser igual a ele. Adora vê-lo jogar e depois tive a felicidade de conhecê-lo. O futebol te proporciona estas coisas. Eu morava em Venda Nova e meu pai me levava em todos os jogos no Mineirão; eu seguia todos os dias. Via o Cerezo jogar, e depois atuamos juntos no São Paulo. Eu falava para ele: "mestre, eu ia te ver um monte de vezes". Ele respondia: "nem me fala Padilha, eu estou me sentindo muito velho". Ele me chamava assim. Comecei com 17 anos no América, com o Jair Bala me lançando no time profissional.
O que o América representou para você?
O América foi a minha vida, na verdade. As pessoas às vezes não entendem. "O Palhinha fala mais do Cruzeiro do que do América...". Mas não é! Os títulos no Cruzeiro foram muito mais marcantes para mim; foram dois Mineiros, uma Copa do Brasil e uma Libertadores. No América a Sul-Minas de 2000. Mas se não tivesse o América na minha vida, eu não seria o Palhinha que sou hoje. Me levaram do Santa Tereza pra lá e o Jair Bala acreditou naquele magrelo pequenininho. Joguei com muita gente e isso foi o América que proporcionou; assim como o empréstimo para o São Paulo no final de 1991. O doutor Magnus Lívio que abriu este mercado e mostrou que o América tinha jovens talentos bons. Isso fez com o que clube crescesse.
Quando você e o Ronaldo Luiz foram para o São Paulo, o Tricolor já era uma máquina. Como foi para você, de repente chegar no Morumbi, e jogar com alguns dos principais jogadores do país naquele momento?
Na verdade é que até hoje não dá para acreditar. Quando eu e o Ronaldo Luiz fomos até o Morumbi para fazer nosso contrato, vimos chegado Raí, Zetti, Muller, Ronaldão, Pintado, Macedo, Elivélton, Cafu e outros, e eu falei para o Ronaldo que a gente não ia jogar nunca naquele time (risos). O São Paulo tinha oito jogadores na Seleção Brasileira e eu, logo no meu primeiro ano lá, já estava incluído nesta lista. Infelizmente só não fui para a Copa de 94. Todo mundo sonhava em estar no álbum de figurinhas. Até hoje, conversando com os amigos, perguntamos como pode ter acontecido daquela forma. O Telê ter nos visto de uma maneira diferente, sair do América e integrar um time campeão e virar titular.
Como era sua relação com o Telê Santana?
Quando eu falo do Telê é uma emoção muito grande. Ele foi a água pro vinho para mim. Foi espetacular para mim; das brigas que tinha comigo até a maneira que me orientava para investir meu dinheiro, da maneira de me fazer treinar e conduzir dentro e fora de campo. Ele foi tudo de melhor e um pouquinho mais. Fiquei muito triste quando eu estava no Cruzeiro e saiu uma matéria dizendo que eu havia falado um tanto de coisa do Telê. Conversei com ele sobre isso e expliquei que eu não tinha nada com aquilo. Ele foi mais do que um pai para mim. Arquivo/América
Por que você não foi para a Copa de 1994 nos Estados Unidos?
O problema é que eu sei porque não fui, né? O outro problema é que eu não posso falar também (risos). Fiquei muito magoado na ocasião, porque eu poderia ter sido até titular naquela Copa do Mundo. Estive presente em quase todos os jogos das Eliminatórias. Nesse mundo do futebol, várias outras situações envolvem. Infelizmente não posso falar porque não fui, porque posso me prejudicar muito mais. Mas eu fiquei na torcida por aquele grupo.
Quando falavam que você estava em decadência, você assina com o Cruzeiro e veste a camisa 10 de um time que também marcou história...
Então, no São Paulo eu já vinha numa situação ruim. Eu havia perdido um pênalti na Libertadores e fiquei mais um ano no clube. Estavam fazendo uma mudança no elenco e eu tive várias propostas para sair do país, mas não aceitavam a oferta, assim como a do Grêmio. Mas com o Cruzeiro foi diferente. O Levir era o treinador, conversamos, e eu queria ir para lá. Já tinham um baita elenco e pensavam em construir uma estrutura no futuro também. Eu não vim naquela troca de Serginho e Beletti; cheguei antes e joguei com os dois, inclusive. Depois vieram Ronaldo Luiz, Ailton, Gilmar, Vitor, Donizete... Eles sim vieram naquela troca. Foi uma transformação no São Paulo, que não me achava mais importante, e o Cruzeiro me via diferente. Recebi a camisa das mãos do Dirceu Lopes e foi a primeira vez que eu tremi as pernas. Foi uma responsabilidade muito grande.
E aquela final da Copa do Brasil de 1996 contra o Palmeiras? Seu gol mais lamentado foi aquela cavadinha que o Velloso acabou barrando? E o que dizer daquela virada no Parque Antártica?
Hoje as pessoas acham que é fácil a gente falar porque ganhou, mas nosso time tinha tanta certeza que ia ganhar, que naquele dia o Dida pegou tudo que podia e não podia. Tem dias que você tem certeza que não vai perder. É até engraçado de se falar. A estrutura do clube, do time, a amizade e o respeito entre os jogadores nos mostrava isso. Tomamos o gol logo de cara, mas o empate veio em seguida com o Roberto Gaúcho, numa jogada que era para ser ensaiada, mas não foi. Meu lance, se eu faço aquele gol, o Palmeiras tinha que sair de campo. Depois ele teve o erro e soltou a bola nos pés do Marcelo Ramos. Podíamos jogar dia e noite que ganharíamos aquela partida.Vinnicius Silva/Cruzeiro / N/A
Dirceu Lopes, Nogueirinha, Palhinha e Alex na festa dos 15 anos da Tríplice Coroa
E a Libertadores de 1997? O que fez aquele time ter tanta força para se recuperar das três derrotas iniciais e chegar ao título?
Acho que a grande virada foi a entrada do Autuori. Ficamos uma semana num hotel fazenda, onde tivemos mais conversas do que treinamentos. O Paulo foi muito feliz em todas as palestras, mostrando qual a forma que tínhamos que encarar o Grêmio, que era o time a ser batido naquele momento. Tivemos mais chances do que eles e o nosso time jogou demais. Meu gol de peixinho foi para selar aquela vitória. Aquele jogo nos deu o start. O ambiente melhorou, passamos a acreditar mais no outro e descobrimos o que era preciso fazer para ser campeão.
A sua saída do Cruzeiro tem a ver com a saída do Autuori?
Não tem nada a ver. Talvez eu tenha sido negociado antes dele. Estávamos nas quartas de final da Libertadores e já tínhamos esta proposta do Mallorca (da Espanha). Eles subiram para a Primeira Divisão, pagou o Cruzeiro, e coincidiu com o acerto do Paulo com o Flamengo. Viajamos no mesmo voo, inclusive. No sábado, joguei contra ele num amistoso. Sou eternamente grato ao Cruzeiro por ter me aberto portas na Europa e por ter me ajudado a ganhar um dinheiro a mais, mesmo que no pouco tempo que fiquei lá. Era para ser um contrato de três anos, mas vim para o Flamengo. Tínhamos um time muito forte, mas nada deu certo.
Você tinha algum parceiro com o qual se entendia só pelo olhar em campo?
Tive alguns. Com o Muller era muito engraçado. Só de olhar para ele, sabia onde ia. Com o Raí eu tinha que pensar o que ele estava pensando. O Marcelo Ramos eu sabia que se colocasse uma boa para ele, não erraria o gol. O Romário era espetacular; a chance de erro dele era zero. Eu amava jogar com o Paulinho McLaren; fora que ele me fazia passar o jogo inteiro dando risadas. São situações diferentes, mas eu sempre fui muito bem servido lá na frente.
Hoje você ainda está respirando futebol?
Quando fui para o Estados Unidos, há sete anos, fui para trabalhar na escolinha do Corinthians na Califórnia. Fiquei três anos ajudando adminstrar. Depois fui para Boston, com um convite de uma outra academia. Lá conheci um o brasileiro, o Renato Valentim e fundamos o Boston City lá e um também em Manhuaçu. Eu tinha porcentagem deste clube e agora tive uma outra oportunidade. Estou me mudando para Portugal. Vou trabalhar com o Aloisio Duarte, ex-presidente do Marília-SP. Ele tem um projeto de pegar um clube da Quarta Divisão para montar uma estrutura e "fabricar" os meninos por lá. Ainda não definimos qual o time, mas em breve teremos uma definição.
Qual a função que você passou a exercer no futebol desde que pendurou as chuteiras?
Já fiz de tudo para te falar a verdade. Já montei barraca, já carreguei bola, material, lavei roupa. É natural fazer tudo isso lá nos Estados Unidos. Eu trabalhava tanto na área administrativa como dava treinos. Treinava também os treinadores. Agora em Portugal não sei como vai ser, de verdade.
Você foi um craque. Em determinados momentos você vê jogadas e sente raiva por saber que deveriam ter sido executadas de outras maneiras?
Dá muita raiva. Eu não gosto de ver jogo na televisão porque sofro demais. Acho que eles complicam tanta coisa. A bola está sofrendo demais. Hoje o campo tem que ser bom, a bola já não tem que ser tão pesada, a chuteira você tira da caixa e já coloca direto no pé e joga; a camisa não segura mais o suor. Então não tem mais nada para carregar. Só peso deles. Tem muito "astronauta hoje". O jogador corre conforme o GPS que é colocado nele. Eu jogava terça, quinta, sábado, domingo, segunda, quarta, viaja pela Seleção, voltava, jogava de novo e nunca estava cansado. Hoje estão todos muito cansados. Não têm mais a mesma qualidade e esqueceram a bola.
Você vê semelhanças suas com o Arrascaeta, atual camisa 10 do Cruzeiro?
Eu gosto muito dele. É um jogador inteligente, não afina, joga para o time e não para ele. É uma função muito importante para um camisa 10. Ele entra na área para finalizar, faz gol com os dois pés, com ou sem velocidade, é inteligente... O que está faltando hoje no futebol, o Cruzeiro tem.