Ele estava satisfeito no Japão. O convite do Sada/Cruzeiro, no entanto, o motivou a fazer as malas de maneira definitiva para o retorno ao Brasil, em maio do ano passado. De lá para cá, vieram uma medalha de ouro olímpica, um título mundial de clubes e mais dois troféus pelo time mineiro.
Não é à toa que o oposto Evandro Guerra, 34, classifica 2016 como o ano mais especial de toda a carreira, mesmo tendo a prateleira recheada com as taças da Liga Mundial (2006,) da Copa dos Campeões (2013) e da Superliga (2007/08,) entre outras conquistas.
Neste Papo em Dia, o jogador fala sobre a volta a Belo Horizonte, a responsabilidade de substituir o ídolo Wallace na equipe celeste e a renovação da Seleção Brasileira de Vôlei para os Jogos Olímpicos de Tóquio-2020.
Você fechou o ano com o ouro olímpico pela Seleção e o título mundial pelo Sada/Cruzeiro. O que significa esse 2016 para a sua vida?
Eu posso te garantir que foi o melhor ano da minha carreira. Não digo que foi o melhor ano da minha vida porque o nascimento das minhas filhas foi ainda mais emocionante. Mas, da minha carreira profissional, foi disparado o melhor. Ser campeão olímpico e mundial no mesmo ano tem um peso muito grande na trajetória de qualquer atleta. Me emocionei demais com a conquista da medalha no Rio e, logo depois, cheguei ao Sada e a gente conseguiu ganhar três títulos em pouquíssimo tempo (Mundial, Supercopa e Mineiro). Foi muito especial.
O título olímpico foi tão especial que virou até tatuagem no seu braço...
Logo que cheguei a Belo Horizonte, conheci um grande tatuador e resolvi fazer. Nunca fui a favor de marcar essas coisas na minha pele, mas, depois de ser campeão olímpico, não teve como. Pensei melhor, e acho que é uma coisa para toda a minha vida. É algo que eu não quero esquecer, que eu quero ver todos os dias e também quero que todo mundo veja. Acho que ficou muito legal, estou super contente com a tatuagem e com tudo isso que está acontecendo na minha vida agora. Tenho uma outra tatuagem, uma fênix, que também tem um peso muito grande para mim, porque fiz depois de algumas contusões que superei. Mas não chega nem perto dessa nossa conquista no Rio.
Em algum momento você teve receio de ficar fora da Olimpíada?
Eu tinha convicção de que seria convocado no ano passado. Mas havia, sim, a dúvida se eu conseguiria estar na Olimpíada, porque haveria alguns cortes, e os concorrentes na minha posição são muito fortes. O Wallace (ex-Cruzeiro, atualmente no Funvic/Taubaté) já era um nome certo, então ficava aberta a disputa pela segunda vaga. Eu sabia que precsaria dar tudo de mim para garantir um lugar, e acho que o trabalho foi muito bem feito. Acredito que o Bernardo (Rezende, técnico) já tinha feito mais ou menos essa opção por mim, até pela não convocação do Leandro Vissotto, que era um grande concorrente. No fim, acho que correspondi bem, tanto lá no Rio quanto nesse caminho até lá.
Você chegou ao Cruzeiro justamente para substituir o Wallace, que era um dos grandes ídolos do clube. Como lidou com essa responsabilidade? Sentiu alguma pressão ou usou isso como uma motivação?
Não senti nenhuma pressão. Eu sei que o Wallace fez muito, tem uma história enorme aqui dentro do clube, conquistou vários títulos e a torcida reconhece ele demais. Mas eu sei do meu potencial e sabia que só precisaria chegar aqui e jogar o meu voleibol. Eu já estou há bastante tempo na estrada, então não sentiria uma pressão dessa maneira. Eu tinha consciência de que, se desse o meu máximo e mostrasse o meu melhor voleibol, assim não haveria cobranças de nenhum lado. Até porque eu sou mais um aqui no time, eu não sou a estrela do time. Temos Leal, Simón, William, Isac, Felipe, Serginho... É uma equipe cheia de grandes estrelas.
Quando você foi apresentado pelo Cruzeiro, enfatizou muito o projeto e o “status” do clube no cenário internacional. Houve algum outro fator pessoal que pesou na decisão de voltar ao Brasil?
Eu estava muito feliz lá no Japão. Mas eu recebi essa proposta do Sada/Cruzeiro, que é um excelente clube, com uma estrutura maravilhosa. É claro que pesa voltar para a família e os amigos, mas o que mais influenciou foi o time mesmo. Eu não teria voltado para jogar em qualquer time. Existe uma diferença tremenda entre jogar em um clube mediano e em clube como esse.Reprodução/Instagram
Como foi essa experiência no Japão, tanto no time (Suntory Sunbirds) quanto em relação à distância do Brasil?
Era um time grande, mas que não estava nas cabeças. No ano anterior, tinha ficado em sexto lugar na liga nacional. Depois que eu cheguei, disputei três campeonatos e fui a duas finais, então estava sendo muito reconhecido e muito bem tratado pelos japoneses. A minha família ia para lá, passava 50% do tempo comigo. Mas o problema é que os outros 50% do tempo eu ficava sozinho, então essa parte era sofrida.
E qual era a repercussão dos feitos recentes do Cruzeiro fora do país?
É exatamente como você pode imaginar daqui. Porque é o campeão mundial ganhando do time da Rússia que não perde nenhum jogo, que não perde nenhum set (Zenit Kazan). Vai lá, ganha de todo mundo por 3 a 0, vence todos os campeonatos que disputa, mas chega aqui e perde de 3 a 0, e essa não foi a primeira vez. Então há um reconhecimento em nível mundial. No Japão, muita gente me perguntava: ‘Que times existem no Brasil? Sada/Cruzeiro e qual mais?’.
Essa é a sua segunda passagem por Belo Horizonte (defendeu o Minas em 2004/05). O que mudou em relação àquele período, quase dez anos atrás?
Eu tenho sentido bastante diferença, sim. Naquela época, como eu não sou um cara da noite, o meu estilo de vida me levava a não curtir muito a cidade. Era uma rotina completamente diferente. Atualmente, com a minha família aqui comigo, eu curto muito mais a cidade do que curtia antigamente, passeando, indo a restaurantes... Ainda mais agora que eu sou um pouco conhecido aqui. A torcida do Cruzeiro é muito grande, muito forte, então sou reconhecido e muito bem tratado em todos os lugares.
O Bernardinho já havia dado indícios de que poderia deixar o cargo de técnico da Seleção. Te surpreendeu a saída dele?
Para mim, sinceramente, a surpresa seria se ele continuasse. Acho que estar na dúvida já era um indício de que iria sair, pois ele nunca teve esse dilema antes. Mas o Bernardo não saiu completamente, eu acredito que ele vai continuar, assim como todo o estafe dele, e o Renan vai chegar para substituir pontualmente. Tem toda a inteligência por trás, do Rubinho e do Juba (auxiliares) e de toda a comissão técnica. Acredito que o Bernardo vai estar junto, ajudando nas convocações e nas escolhas. Não tem como. Ele gosta disso, o vôlei é a vida dele.
E a escolha do Renan para ser o novo treinador, foi uma surpresa? Você, que treinou e conviveu com ele, consegue prever como será esse novo trabalho na Seleção?
Conheço o Renan há muito tempo, inclusive joguei uma temporada com ele, quando era o treinador na Cimed (2006/07). É um cara de grupo e que tem o respeito dos atletas. Você ter o respeito dos seus funcionários é muito importante, não apenas em qualquer esporte, mas em todas as profissões. Ele é um cara do bem, então acredito que vai dar muito certo, seguindo bem essa linha de trabalho do Bernardo, mas dando a cara dele para a Seleção. Acho que vai ser bem legal essa passagem dele e vou torcer demais por isso.
A renovação da Seleção passa também pelo elenco. Você pretende disputar os Jogos Olímpicos de Tóquio-2020?
Sinceramente, eu não tenho como meta pessoal fazer parte desse próximo ciclo olímpico. O meu objetivo era, sim, estar no ciclo passado, e isso foi bem cumprido. Eu já tenho uma certa idade, vou chegar a 2020 com 38 anos, não sou novinho. Mas jamais vou recusar uma convocação para a Seleção. Não tenho muito esperança de fazer parte, mas, se precisar, estou aqui para servir o meu país e a minha Seleção da melhor maneira possível.