Novo endereço faz garota desistir de sonho e irmão largar estudo

Bruno Moreno - Hoje em Dia
13/05/2014 às 07:57.
Atualizado em 18/11/2021 às 02:33
 (Samuel Costa/Hoje em Dia)

(Samuel Costa/Hoje em Dia)

SÃO PAULO – Desde pequena, Raquel*, de 14 anos, sonha ser atriz. Há quatro anos, ela conseguiu uma bolsa no Theatro Municipal de São Paulo para estudar balé, um importante passo na futura carreira. Mas, em 2013, quase na metade do curso, abandonou o salão espelhado, as sapatilhas e o tutu. Antiga moradora do Buraco Quente, comunidade ao lado do aeroporto de Congonhas, a família da garota foi uma das desapropriadas em função da obra do monotrilho Linha 17 – Ouro.    Raquel deixou o balé por falta de tempo. Como não conseguiu vaga em escola perto da nova moradia, gasta quase 5 horas no trânsito para estudar: sai de casa às 10h30 e volta às 20h. Por isso, a carreira artística ficou em segundo plano.   O irmão mais velho de Raquel, Fábio*, de 17 anos, também foi impactado pela mudança. Em 2013, só encontrou vaga em uma escola distante de casa. Faltava dinheiro para ir à aula, e ele perdeu o ano. Em 2014, disse à mãe, a cabeleireira Regina Almeida, de 35 anos, que não iria mais estudar.   A indenização recebida devido à desapropriação permitiu à família comprar um lote na zona Sul de São Paulo, mas não erguer a casa. Hoje, Regina, o marido e os filhos moram de aluguel no Jardim Selma, a 12 quilômetros do Buraco Quente.   Raquel e Fábio fazem parte do grupo de 57,3 mil a 76,5 mil brasileiros de zero a 19 anos que vivem nas cidades-sede do Mundial de futebol e foram impactados pela Copa. Obrigados a mudar de casa, enfrentam dificuldades para continuar estudando, como mostra o Hoje em Dia desde a última segunda-feira (12). Não há levantamento de quantos estão nessa situação.   De acordo com o MetrôSP, a Linha 17 – Ouro não tem relação com o Mundial de futebol. Entretanto, orçada em R$ 1,8 bilhão, a obra esteve na Matriz de Responsabilidade da Copa até 2012, dois anos após o anúncio de que o estádio do torneio na cidade seria o Itaquerão, e não mais o Morumbi. O último será atendido pela Linha 17 – Ouro.   A assessoria do MetrôSP afirma que as desapropriações “respeitam os trâmites judiciais”, mas não informa o valor da intervenção ou quantas pessoas foram removidas. No entanto, no site da companhia consta que 161 famílias seriam desapropriadas. Já o Comitê dos Atingidos pela Copa em São Paulo aponta mais de 430.   Para a defensora pública de São Paulo, Anaí Arantes Rodrigues, é preciso observar que o direito à moradia inclui outros. “Quando a pessoa vai parar em um lugar tão distante, onde não há como manter o filho na escola, o direito dela à moradia digna e a todos os outros direitos, sem dúvida, ficam prejudicados”, avalia.

Crianças realocadas em conjunto habitacional sem escola em Cuiabá

CUIABÁ – A capital do Mato Grosso teve muitas desapropriações relacionadas à Copa do Mundo em imóveis comerciais para a implantação do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT). Entretanto, por pressão da comunidade do bairro Castelo Branco, a prefeitura desistiu do projeto de abertura da avenida do córrego do Barbado, onde 400 famílias estavam ameaçadas de remoção.

Apenas 33 que moravam em área de risco de inundação, na beira de um curso d’água, foram realocadas para a construção de uma rotatória. A obra não faz parte da Matriz da Copa, mas indiretamente está ligada ao Mundial.

Para muitos moradores, a mudança de endereço não é vista como negativa. Mas o que os aflige é para onde foram levados: um imenso conjunto habitacional do programa Minha Casa Minha Vida, o Altos do Parque, distante 14 quilômetros, onde não há escola para as crianças das mais de mil famílias.

Segundo a presidente da Associação de Moradores do Bairro Castelo Branco, Deumaci Freitas Afonso, algumas famílias foram para o conjunto habitacional “divididas”.

“Como não há vagas para todo mundo nas escolas próximas, houve quem deixasse os filhos com parentes aqui perto, para que continuem a estudar. Mas nem todos puderam fazer isso. Então, muitas crianças ficaram fora da escola”.

A Secretaria da Copa do Mato Grosso (Secopa) não se manifestou sobre o caso até o fechamento desta edição. Segundo a Secopa, houve cerca de 700 desapropriações na capital mato-grossense.   (*Os nomes são fictícios)  

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