O Brasil se despede de Félix, ex-goleiro da Seleção de 70

SÃO PAULO - Quase no fim da cerimônia, uma nova coroa de flores chegou à sala do velório e o torcedor anônimo fez as vezes de cada brasileiro ao inscrever a seguinte mensagem: "Muito obrigado pelas alegrias que você nos proporcionou. Descanse em paz".

Os dedos das mãos que asseguraram o tricampeonato do Brasil na Copa do Mundo se entrelaçaram na manhã desta sexta-feira (24), quando complicações de um enfisema pulmonar vitimaram, aos 74 anos de idade, o ex-jogador Félix, titular da Seleção Brasileira que foi ao México e alegrou os 90 milhões em ação. O "goleiro dos anos de ouro" foi escalado para "jogar no time do céu", como definiu uma de suas filhas.

Com a presença de amigos, familiares e ex-companheiros do futebol, o ídolo nacional foi velado no início da tarde do mesmo dia em que faleceu, no Cemitério do Araçá, Zona Oeste de São Paulo. Coroas de flores, como as da Associação dos Campeões Mundiais de Futebol, da CBF e da FPF enfeitaram a sala em que Félix Miéli Venerando despediu-se da vida. O enterro será realizado na manhã de sábado (25), às 10 horas (de Brasília).

O corpo de Félix chegou ao Cemitério do Araçá às 16h30, duas horas após o prazo previsto. Já às 14 horas, um antigo companheiro o esperava para o último adeus por puro acaso. O ex-atacante Buzzoni, que atuou ao lado de Félix no Juventus da Moóca, estava presente no local para velar o corpo de um primo de sua esposa e ficou perplexo quando tomou conhecimento de que, no mesmo dia, seu antigo colega de Moleque Travesso receberia as últimas homenagens.

"Joguei seis meses com ele no Juventus, antes de ele sair e ganhar o mundo, no final da década de 50. Perdemos contato por muito tempo, mas depois descobrimos que éramos vizinhos no Tatuapé. Era frequente que eu o encontrasse no banco, na padaria, criamos um vínculo de amizade", disse Buzzoni, relembrando o passado nem tão distante do "mártir" Félix.

De acordo com o relato de Buzzoni, o velho Félix andava feliz há cerca de três meses, data do último encontro, porque soube que teria direito de receber a aposentadoria dos campeões mundiais de 70. "Pela vontade de Deus", como definiu uma senhora, às lágrimas na beirada do caixão que trazia o
corpo, Félix não recebeu parte da recompensa pelo maior legado que deixou-a segurança e a habilidade para executar defesas inesquecíveis. A recompensa de verdade já ocorria há 42 anos, em forma de carinho por parte dos fãs.

Félix, titular da seleção brasileira campeã da Copa do Mundo de 1970, no México (Foto Arquivo AE)

Falecido em São Paulo, cidade que escolheu para morar, Félix havia nascido 74 anos antes, em Caratinga, na região Leste de Minas, e construiu a carreira profissional em clubes como o próprio Juventus, além da Portuguesa e do Fluminense, onde atuou entre 1968 e 1977. Qualquer uma das bandeiras poderia cobrir o corpo do ex-goleiro no velório, mas a escolhida tinha a seguinte inscrição gravada ao centro: ordem e progresso.

No início de 2012, o jogador aposentado teve uma infecção urinária, primeira complicação do enfisema pulmonar até então inofensivo. Desde então, a doença não deu trégua, como definiu sua filha Lígia: "Ele lutou até o final, não desistiu de viver nenhum minuto. É essa a lição que fica: temos que guerrear. A dor é grande, mas o que eu vivi ao lado dele é ainda maior.

Agora ele está escalado para jogar no time do céu, porque aqui a missão já foi cumprida". A neta Juliana tem outra lembrança de Félix: "Quando saíamos para a rua, ele respondia a todo mundo que cumprimentava. Eu perguntava "Quem é, vô? e ele dizia "Eu não sei quem ele é, mas ele sabe quem eu sou". Nunca foi uma estrela e ensinou isso a todo mundo".

Quase no fim da cerimônia, uma nova coroa de flores chegou à sala do velório e um torcedor anônimo fez as vezes de cada brasileiro ao anotar a seguinte mensagem: "Muito obrigado pelas alegrias que você nos proporcionou. Descanse em paz".