(Maurício de Souza/Arquivo Hoje em Dia)
Em Minas Gerais ele vestiu a camisa do Cruzeiro, do América e do Atlético, mas foi na Toca da Raposa onde teve mais sucesso. Marco Antônio Boiadeiro, que ganhou esse apelido por suas raízes no campo, é o entrevistado do Papo em Dia.
Bicampeão da Supercopa e campeão da Copa do Brasil pela Raposa, além de ter faturado o Campeonato Brasileiro da Série B pelo Coelho, o ex-meia, que hoje mantém uma vida pacata no interior paulista, conta detalhes de sua época nos gramados.
Como você começou no futebol e de onde vem esse apelido de Boiadeiro?
No futebol mesmo eu comecei em um time amador. Na escola eu jogava no time de lá, aí o zagueiro Paulão que havia atuado no Botafogo-SP na época do Sócrates, me viu jogando quando eu tinha uns 15 anos, e me levou para o clube de Ribeirão Preto. Lá eu fiz uma peneira com 39 meninos e passei. Eu chegava lá de bota, acanhado, mas tinha aquelas fivelas do cinto que eram grandes, do tamanho de um prato de sobremesa, bota de bico fino virado para cima. Aí tudo que eu falava era de fazenda, coisa do meu jeito, e não mudei. Aí me deram esse apelido de Boiadeiro.
E sua vida depois da bola, como está?
A vida ficou mais tranquila depois da bola, eu que sempre fui um cara mais caseiro. No começo da minha aposentadoria estranhei um pouco, porque fiquei mais de 20 anos jogando. Eu sinto mais falta dos amigos, o jogo no fim de semana. Como eu gostava muito de fazenda, das minhas raízes, eu não sofri tanto depois de pendurar a chuteira. O que mais me faz sofrer é pensar que a gente jogava mais, corria muito mais, só que não ganhava 10% do que se paga hoje no futebol. Pegamos uma época ruim de contrato, de grana. Se eu jogasse hoje, acredito que ganharia uns R$ 500 mil, pelo menos.
Mas, então, você ganhou dinheiro com o futebol?
A gente recebia mensalmente, um contrato mensal somado às luvas. Mas, quando eu passei pelo América e no Atlético eu ganhei mais dinheiro do que nos outros clubes que joguei antes, porque era outra realidade do futebol. Melhorou essa parte financeira no meio dos anos 1990, principalmente com o retorno do Romário para o Brasil. Aí o futebol começou a dar uma grana melhor. A situação mudou, evoluiu, apareceram empresários e mudou a lei do passe impedindo que o atleta ficasse completamente refém dos clubes. Eu já tinha juntado um bom dinheiro, mas com essa mudança financeira consegui me estabilizar mais, segurar tudo o que eu já tinha ganhado.
Foi no Cruzeiro que você viveu sua melhor fase? Arquivo Hoje em Dia / N/A
Com certeza. Vivi a melhor fase da minha vida. Tive outras fases boas, no América, por exemplo, no Vasco, mas no Cruzeiro foi diferente, pena que não deu para ficar mais tempo. O que me atrapalhou no Cruzeiro foi o finado Carlos Alberto Silva (ex-treinador), eu tive um problema com ele quando eu estava renovando o contrato. Nessa época eu havia voltado há pouco tempo após ficar mal por causa de uma depressão forte, mas me lesionei e ele quis me forçar a jogar uma partida. Aí acabamos nos desentendendo e foi onde eu saí do Cruzeiro”
Você falou em depressão, o que te fez ficar tão mal assim?
Quando eu bati o rosto em Itabira, em um jogo contra o Valério pelo Campeonato Mineiro. Tinha um banco de concreto na linha de fundo, fui cruzar uma bola, estava rápido, mas bati o rosto nesse banco. Fraturei em cima da arcada dentária e em outros três lugares no rosto. Desmaiei, não vi onde eu estava, me vi em outro mundo, uma coisa esquisita. Saia muito sangue e eu achei que ia morrer, até pedi para ligarem para minha filha, que na época era novinha. Montei em um Opala, que era ambulância, e fui para Belo Horizonte ficar em observação. A depressão veio e eu ficava mal, principalmente quando lembrava de tudo.
Como o Boiadeiro veio parar no Cruzeiro?
Eu estava no Vasco e sabia que havia uma negociação com o São Paulo, mas apareceu o Cruzeiro. Eu não queria ficar no Rio de Janeiro. Eu falei, o time que aparecer primeiro eu vou embora. Eu não me adaptei ao Rio, cidade de noitada, movimento. Belo Horizonte era mais meu estilo, cidade mais tranquila. Falei para o Eurico Miranda que eu não queria ficar mais no Vasco. Com o Cruzeiro deu certo e para mim foi bom demais. Era uma época difícil do Cruzeiro pelo fim dos anos 1980, e com a minha chegada e de outros atletas o clube deu uma guinada.Cristiano Machado/Arquivo Hoje em Dia / N/A
Quem te viu jogar pelo Cruzeiro lembra bastante da sua musiquinha. Você lembra?
Claro que lembro, pelo amor de Deus, era uma música legal demais, ‘boi, boi, boi, boi, Boiadeiro, vê se faz um gol pra torcida do Cruzeiro’. Só tenho boas recordações dessa época, foi a melhor passagem da minha carreira. Eu me adaptei demais ao Estado, porque o mineiro é um povo ‘bão demais’. Me identifiquei com a torcida, com a cidade. No Rio de Janeiro eu joguei bem, mas não foi a mesma coisa, não era o meu tipo, Belo Horizonte combinou muito mais comigo.
Depois que você saiu do Cruzeiro houve uma possibilidade para seu retorno?
Fiquei sentido de sair do clube, as coisas poderiam ser diferentes naquela história do Carlos Alberto (Silva). Quando eu sai e fui para o Corinthians, por pouco não voltei. O Zezé Perrella tentou me contratar, mas o Corinthians não liberou mesmo tendo proposta. Se eu tivesse voltado, e eu tentei de tudo para voltar para o Cruzeiro, tinha jogado mais uns três anos com força. Tristeza maior foi essa, de ter saído e não conseguir voltar.
E aquele título de Supercopa em cima do River Plate, hein, foi uma guerra?
Antes a torcida do River Plate queria virar o ônibus. Descemos no Monumental de Nuñes com um cordão de isolamento de polícia, mas a torcida rival cuspindo, jogando bomba. Dentro do estádio estávamos entrando no vestiário, um torcedor deu a cara para cuspir, mas dei um soco dentro do olho dele. O Douglas tomou uma paulada na perna, eu tive que ser escoltado para ir para o antidoping no fim do jogo. Deus me livre, ganhamos naquela vez na raça, na pegada. Naquela época, os caras chegavam duro, mordendo, não deixavam respirar. Para ganhar uma Supercopa era luta, batalha
Você viu de perto o surgimento de um “Fenômeno”. Como foram os primeiros passos do Ronaldo no Cruzeiro?
O Ronaldo subiu para o profissional para jogar com a gente. Lembro que ele treinava na categoria de base, sempre conversava com ele. O primeiro jogo dele foi contra o Corinthians, até perdemos, mas nós conversamos bastante. Ele era diferente, dava a bola para ele, e ele resolvia. Ele sempre foi humilde, muito tranquilo. Só encontrei com ele uma vez depois do Cruzeiro, em um programa Cartão Verde (da TV Cultura). Não falei mais com ele depois.
E sua passagem pelo Atlético? A torcida do Cruzeiro não ficou ressentida?
No Atlético eu tive a infelicidade de não chegar à final do Brasileiro. Era uma época em que o clube também passava por problemas com a diretoria, estava complicado lá. Trabalhava três meses para receber um. Peguei uma época muito ruim. Mas eu agradeço aos três clubes de Belo Horizonte, fiz amizade em todos, com dirigente, roupeiros. Foi um prazer e honra jogar nos três clubes da cidade. E nenhuma torcida nunca me crucificou por isso, também nunca falei mal de nenhum clube. Quando você veste a camisa tem que vestir como se fosse sua segunda pele, tinha era que jogar bola.
Já se recuperou totalmente do baque daquela eliminação da Copa América de 1993, quando você errou um pênalti justamente contra a Argentina?
Claro que o sofrimento diminuiu, mas na época foi difícil demais. Eu falo que eu não fui para a Copa pelo pouco tempo que joguei na Seleção Brasileira. Disputei um torneio nos Estados Unidos, a Copa América, no Equador, mas eu tenho autocrítica, e pelo que apresentei mesmo em pouco tempo que tive lá, foi mais do que alguns outros fizeram em anos de convocação. Mesmo tendo perdido o pênalti eu merecia uma chance. Muitos caras que eram para bater o pênalti, não quiseram. Só que estava ali já sabendo quem ia para a Copa, estava ali para disputar a Copa América. Na época até falei do Parreira, que eu não sabia se ele tinha alguma coisa contra, porque sempre levavam um monte de jogador, e a gente matando a pau eles nunca levavam. Eu estava no auge e merecia ter ido antes e apresentar mais um pouco. Não deveria ser um pênalti a fazer eu nunca mais jogar”.Cristiano Couto / Arquivo Hoje em Dia / N/A