Um dos símbolos do time do Cruzeiro bicampeão brasileiro em 2013 e 2014, o volante Lucas Silva, de 24 anos, está de volta à Toca da Raposa II.
Depois de dois anos no futebol europeu, ele retorna em busca do que foi perdido com a sua ida para o Velho Mundo, embora destaque que a experiência adquirida será levada por ele para o resto da vida.
Nesta entrevista exclusiva ao Hoje em Dia, o jogador revelado pelo Cruzeiro, onde chegou com 13 anos, fala, além do retorno, da convivência com craques consagrados, entre eles Cristiano Ronaldo, no Real Madrid, da passagem conturbada pelo Olympique Marselha, da França, pelo susto que passou ao ser reprovado nos exames cardíacos do Sporting , de Portugal, no ano passado, da frustração de ter ficado de fora da conquista do ouro olímpico, no Rio de Janeiro, e do desejo de retornar à Seleção Brasileira, mas agora a principal, comandada por Tite.
Como que o garoto Lucas Silva, do interior de Goiás, veio parar na base do Cruzeiro?
Comecei jogando com oito anos. Aos 12, fui para Goiânia, jogar numa escolinha que tinha parceria com o Cruzeiro. Nesta época, morava na casa dos meus tios. Depois vim fazer o teste na Toquinha. Fiquei duas semanas em avaliação, quando tinha de 13 para 14 anos. E fui aprovado. Fiz todo o ciclo de base, pré-infantil, infantil, juvenil e junior, até chegar ao profissional. E Graças a Deus, no meu segundo ano como profissional, tive a chance de me tornar titular, ser campeão brasileiro e ganhar a confiança da torcida.
Como é o período de transição, do anonimato da base ao sucesso no time principal, chegando inclusive à Seleção Olímpica?
Tudo o que aconteceu não esperava. Mas tenho uma cabeça boa. Sempre tracei metas e objetivos na minha vida. E a Seleção de base foi uma, assim como chegar ao time profissional, me firmar como titular, conquistar títulos no Cruzeiro e ser reconhecido. Consegui absorver bem e desfrutei ao máximo de tudo isso, sempre junto de minha família e amigos. Me sinto privilegiado por ter vivido isso muito novo. Se Deus quiser, ainda vai acontecer muita coisa boa na minha vida, mas fico feliz de tão novo já ter tanto reconhecimento e um grande início de carreira.
Que marca deixou o aquele clássico de 2012, em que Ronaldinho Gaúcho marcou um golaço após driblar você, sendo que o técnico da época, Celso Roth, cobrou o fato de você não ter feito a falta?
Naquele momento passou um filme na minha cabeça, por ser tão jovem, de que um jogo poderia marcar para sempre a minha carreira. Mas não deixei que me afetasse. Segui meu trabalho, com meu foco, objetivos. Não deixei fugir minha personalidade e características nos treinamentos e jogos. No ano seguinte, veio o Marcelo Oliveira. De início, não tive tantas oportunidades, mas não deixei cair, mantive meu trabalho. Quando a oportunidade surgiu não sai mais da equipe, conquistamos o Brasileiro e me firmei como titular.Gerard Julien/AFP
Volante Lucas Silva treina ao lado de Cristiano Ronaldo e do francês Benzema
O Lucas Silva de hoje faria aquela falta no Ronaldinho Gaúcho?
Não sei exatamente como seria. Naquele jogo estava com cartão amarelo e se fizesse a falta seria expulso. Naquele lance tinha uma cobertura e optei por não fazer a falta. Talvez hoje, com mais maturidade, fizesse a falta. Mas por ser jovem naquele jogo não queria ser expulso num clássico, pois talvez tivesse ficado pior minha situação. A decisão tem que ser em poucos segundos. Mas acho que acabei fazendo a coisa certa e é um lance que já passou. É bola pra frente.
Pela sua qualidade de passe e chute de fora da área, já pensou em jogar mais adiantado?
O Cruzeiro está muito bem servido em todos os setores. A concorrência é grande. Isso é importante, para manter o alto nível. Fica a opção do treinador. Tenho essas boas características e jogando mais à frente elas poderiam ser melhor exploradas. Me sinto a vontade jogando em qualquer posição do meio-campo. Se surgir a oportunidade de jogar mais à frente, por que não?
Quando vocês perceberam que o time de 2013 poderia brigar pelo título brasileiro, já que o projeto da diretoria naquele ano era G-4?
Fizemos uma excelente pré-temporada e o time encaixou rápido. Mas lembro de um jogo contra o Criciúma, no Mineirão, que conseguimos virar e buscar a vitória. Naquele jogo,
Aquele time de 2013 e 2014 seria tricampeão?
Em 2014 entramos bastante confiantes. Fizemos uma manutenção do ano anterior. Arrisco a dizer que se fosse mantido, aquele time poderia até não ser campeão de novo, mas daria muito trabalho.
Como foi deixar a Toca, onde você estava desde os 13 anos, e chegar ao vestiário do Real Madrid, recheado por alguns dos maiores craques do mundo na atualidade?
Foi a realização de um sonho. Acho que todo jogador, desde pequeno, sonha em jogar num grande clube da Europa, principalmente no Real Madrid, considerado por muitos o maior do mundo. Fui muito bem recepcionado por todos os jogadores. Fiquei até surpreso pela qualidade do ambiente e dos treinamentos. Foi muito boa a passagem. Aprendi muito, tive muita experiência. Por questão de passaporte, por ser extra-comunitário, tive que sair por empréstimo. Fazendo um balanço, foi muito bom.
Você fez uma amizade maior com algum jogador?
Assim que cheguei, fiquei mais próximo dos brasileiros (Danilo, Marcelo e Casemiro). Logo depois, os portugueses, com quem a gente se dá muito bem: Coentrão, Pepe, o próprio Cristiano Ronaldo, que desde a minha chegada me deu muita moral. Me recepcionou muito bem. Tive bastante contato com ele. Algumas vezes, me convidou e fui jantar na casa dele. A gente batia muito papo. Até hoje a gente mantém contato. Temos um grupo de WhatsApp. Eles sempre perguntam como estão as coisas aqui. Me desejam boa sorte. E eu igualmente, sempre que eles jogam.
O Cristiano Ronaldo passa a imagem de um cara muito individualista, que está sempre em busca de marcas. Dentro do grupo, as atitudes dele mostram um jogador diferente, um líder de grupo mesmo?
Ele passa essa imagem de ser um pouco marrento, muito competitivo, mas dentro do vestiário tem um ótimo relacionamento. É um líder técnico, também fora de campo. Como pessoa, é excelente ser humano. Tem um coração muito bom. Gosta de ajudar. É um cara que merece todo o sucesso e reconhecimento que tem.
Os problemas enfrentados no Olympique Marselha, da França, quando eles queriam te repassar ao Anderlecht, da Bélgica, mas você se recusou e acabou sendo perseguido pelo presidente (Vicente Labrune), foi o pior momento da sua carreira?
Pode-se dizer que sim. Tive muitos momentos adversos, mas também pontos positivos. Foi uma grande experiência. Vejo sempre pelo lado positivo, embora não tenha sido um dos melhores momentos da minha carreira. Me deu maturidade, passei a entender melhor o futebol. O dirigente queria que eu me transferisse, mas eu disse que não, pois queria cumprir meu contrato até o final.
Numa possível transferência para o Sporting, de Portugal, no ano passado, emprestado pelo Real Madrid, seus exames cardíacos apresentaram problemas. O coração já está 100%? O susto já passou?
Está 100%, como quando comecei a jogar bola, com oito anos. Foi apenas um susto. Nas férias fiquei um tempo parado, sem exercer atividade física, e no retorno fiz um teste de esforço físico, que deu uma pequena alteração. Não senti nem fraqueza e nem tontura, mas os médicos, para preservar minha integridade física, preferiram fazer novos testes e me colocar em observação. Fiquei mais ou menos seis meses sem jogar. Agradeço ao Real Madrid, por todo o suporte que me deu. Disseram que estariam comigo para tudo, que faria todos os exames lá. E foi assim que aconteceu. Não houve nenhuma alteração e voltei a ficar liberado para jogar futebol. Na vinda para o Cruzeiro, fiz exames em São Paulo, e o médico não entendeu o que aconteceu, pois falou que o meu coração é muito bom.
Esperava a idolatria da torcida do Cruzeiro neste retorno?
Por ser jogador da base, a torcida tem um carinho maior ainda. Mesmo de longe, sempre fiquei acompanhando o Cruzeiro, Mas confesso que fiquei surpreso na minha chegada, Torcida no aeroporto. No estádio, estão sempre gritando meu nome, pedindo para eu entrar em campo. Fico feliz de fazer história num grande clube. Minha melhor forma de retribuição é estar dentro de campo fazendo o meu melhor.
A transferência para o Real Madrid acabou tirando você da Seleção Olímpica. Foi uma frustração não participar da conquista do ouro nos Jogos do Rio? Neste retorno, você pensa em Seleção?
Desde o início da montagem da Seleção Olímpica eu sempre fiz parte do grupo. Era um dos meus objetivos jogar as Olimpíadas. Mas às vezes as coisas não acontecem como a gente planeja. Por ter ido para um grande clube, como o Real Madrid, não consegui jogar tanto como esperava. Isso afetou para não ser convocado. Vida que segue. Um dos motivos de ter voltado para o Cruzeiro é poder mostrar meu futebol novamente, estar mais perto da Seleção, do Tite e da comissão técnica dele. Quero chegar à Seleção Principal. Vou brigar por uma vaga. Um dos meus objetivos é jogar a Copa do Mundo.
Já na Rússia, em 2018?
Isso eu não sei se será possível. Mas meus planos incluem uma Copa.Flávio Tavares