ENTREVISTA

'Precisamos tratar o futebol, de verdade, como negócio', diz especialista em marketing Rene Salviano

Angel Drumond de Lima
angel.lima@hojeemdia.com.br
Publicado em 12/12/2022 às 11:06.

Com atuação de 20 anos em grandes empresas do país, formado em administração de empresas e diversos cursos de Marketing no currículo, Rene Salviano tem larga experiência no mercado esportivo e publicitário. Atualmente, é CEO da Heatmap, agência de marketing esportivo que será responsável por comercializar os ativos do Campeonato Mineiro de futebol, o que inclui bancos de reservas, carro maca, placas de substituição e placas de campo.
Estudioso e atualizado, além de especialista em captação de patrocínios, Rene é Agente Fifa e tem na bagagem vasto conhecimento em Direito Desportivo, Finanças, Gestão do Futebol e Esportiva, Gestão Estratégica no Esporte e Estratégia de Patrocínio.

Em três anos prestando serviços ao Cruzeiro, comandou a coordenação comercial e a diretoria de marketing e novos negócios. Durante esse período foram batidos dois recordes de arrecadação em patrocínios – mesmo com a pandemia, que deixou o país em crise. Rene também criou projetos inovadores, como um aplicativo de mobilidade urbana, um banco digital, uma telefonia celular e até mesmo uma usina de energia fotovoltaica.

Pensando em todo esse crescimento do marketing esportivo e digital, o HOJE EM DIA bateu um papo com o agente sobre todo o trabalho voltado para a captação de recursos e inovações para o meio esportivo. Confira:

O que mais tem te chamado a atenção nesta Copa do Mundo? O que ela tem ensinado ao mercado? Em termos de marketing, streaming...
Acredito que a Copa no Catar é especial por muitas razões. Primeiro por ser a primeira Copa no Oriente Médio, onde o tamanho do país e a compactação da Copa do Mundo não atrapalhou em nada. Pelo contrário, os torcedores vão para uma só cidade e a quantos jogos quiserem, até dois jogos por dia, basta pegar um metrô... As três linhas construídas em Doha como legado do Mundial atendem a sete dos oito estádios da competição - apenas Al Bayt, o mais afastado de todos, não é servido pelo metrô. Pela primeira vez na história, todas as seleções e seus torcedores estão todo o tempo na mesma região, sem necessidade de deslocamentos entre cidades. A Copa no Catar prova também que tamanho não é documento.

Algum outro ponto?
Outro que me chamou a atenção foram as opções para acompanhar os jogos, além de TVs com canal fechado/aberto e rádios, canais de youtube, twitch e o app da Fifa dão opções para cada torcedor escolher onde quer assistir ao jogo, isto é fantástico. Acredito que este sucesso do segmento de streaming foi impulsionado, nos últimos anos, pela popularização de dispositivos inteligentes (smartphones), associado à crescente preferência do público por conteúdos transmitidos ao vivo. No entanto, questões de conectividade e produção ainda restringem o avanço desse mercado. A tecnologia de transmissão ao vivo pela internet melhorou significativamente e está sendo cada vez mais sendo usada para live streaming de jogos eletrônicos, eventos esportivos, shows, teatro, rotinas de exercícios e conteúdo educacional; mas ainda precisamos dar alguns passos para que de uma vez por todas tenhamos qualidade de conexão por todo o país.

Como você tem visto o crescimento dos influencers no cenário esportivo? Como os clubes, as federações e as empresas podem tirar proveito disso?
Atletas, músicos, artistas e todos os influenciadores estão percebendo o poder que possuem de conexão, e obviamente, capacidade de monetização junto às suas comunidades. É um caminho sem volta, é difícil para as instituições comunicarem como se faz uma pessoa, e o que era parte do processo se torna algo essencial quando se pensa em aproximar do público consumidor. Não olhar para o segmento digital é andar na contramão, em qualquer segmento, em qualquer lugar do mundo. Acredito que as empresas precisem conhecer seu público consumidor com os mais profundos estudos e pesquisas para, a partir daí, criarem todas as suas estratégias de conexão, monetização e crescimento. Aqui na agência criamos um braço voltado para experiências através de NFTs. O digital já é uma realidade em todo o mundo e acreditamos que, usando criatividade e estratégia, este será o maior ativo de conexão e monetização em breve, ultrapassando qualquer ativo de receita atual existente nos clubes e instituições desportivas. 

Acredita que, em termos de inovação, o futebol brasileiro ainda está abaixo do nível europeu?
Perdemos décadas com a falta de transmissão do nosso rico futebol para o resto do mundo, e com isto, perdemos chance de crescer absurdamente, como aconteceu, por exemplo, com o futebol inglês. Temos talento e muita matéria-prima, temos ótimos profissionais em todas as áreas que envolvem o futebol dentro e fora das 4 linhas, mas precisamos tratar de verdade como negócio. Futebol é um grande negócio, com muita paixão envolvida... Acredito que este mercado terá um crescimento absurdo nos próximos anos, e todos os stakeholders envolvidos que tenham uma cabeça que pensa em recorrência, previsibilidade de receitas e obviamente escalabilidade terão sucesso no desafio de aproximar dos fãs e levar o produto ideal para cada deles; o brasileiro é especial, temos talento e um produto amado por todo o mundo.

Sobre o futebol mineiro, como você avalia o campeonato estadual? Acredita que a competição tende a se valorizar nos próximos anos?
Vejo uma evolução grande na gestão do Campeonato Mineiro. Eu visitei a FMF há dez anos e visito hoje. Não é difícil perceber a evolução dos profissionais, gestores, da estrutura física e, consequentemente, dos campeonatos que entregam. A final de 2022 foi um espetáculo, falo em todo o Brasil que tenho orgulho do trabalho feito em Minas Gerais, mesmo com tantas dificuldades. Nosso campeonato estadual masculino profissional está valorizado, e acredito que outras frentes serão melhor monetizadas, como os campeonatos de base, feminino e os outros módulos do profissional masculino. Várias marcas nacionais descobriram a nossa força e têm nos procurado, sou prova disto, pois a Heatmap faz este tipo de trabalho de conexão das marcas com torneios por todo o país.

As SAFs estão cada vez mais presentes no futebol brasileiro. Em Minas, o Cruzeiro já está se consolidando neste modelo. Atlético e América também devem se tornar SAF em breve. Quais são os benefícios desta mudança?
O sucesso não se trata de um modelo associativo, Ltda, S/A ou SAF. Tem que ter é uma gestão profissional, com cadeiras ocupadas por gestores que se prepararam e sabem o que estão fazendo. O modelo SAF no país deve trazer junto uma exigência básica de gestão, gastar menos do que recebe, isto é, o básico do básico... depois se pensa em inovação, criação de projetos especiais e qualquer outra frente que seja bonito de se falar. Tenho muito orgulho do futebol mineiro, tem muita coisa boa acontecendo não apenas nos três grandes da capital, mas também no interior, como, por exemplo, com o North em Montes Claros, o Itabirito e o Athletic, de São João del-Rei, clubes preocupados com gestão, sem um pingo de dívidas e com foco não somente em criar grandes estruturas no futebol e de verdade pensando nas categorias de base e toda a transformação social que isto traz; a sigla ESG, por exemplo, deve estar na cultura dos clubes, no DNA, e não algo bonito de um PowerPoint para se mostrar aos investidores. O futebol mineiro vai crescer muito nos próximos anos, temos muitos profissionais e gente séria nos processos que estão acontecendo, já somos e continuaremos a ser referência no que fazemos para o mercado de marketing esportivo no Brasil e no mundo.

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