(COB/divulgação)
Disputar uma Olimpíada já uma façanha na vida de qualquer atleta, especialmente brasileiro, obrigado a lidar com a falta de apoio e as dificuldades de preparação. Imagine então chegar à sexta edição – feito que, entre as mulheres, só havia sido conseguido pela atacante Formiga (futebol) –, ainda por cima em três modalidades diferentes.
É exatamente o que está prestes a acontecer com uma mineira que, ainda pequena, deixou de lado a ginástica para se aventurar nas trilhas do ciclismo de montanha e se tornou a primeira a defender o Brasil numa edição olímpica (Atenas-2004), feito repetido em Pequim-2008. Sobre rodas, tornou-se ainda a primeira brasileira a vencer uma etapa da Copa do Mundo de Mountain Bike/Maratona.
O casamento com o também ciclista Guido Visser e a mudança para o Canadá fizeram com que viessem o primeiro contato e a paixão pelo esqui cross-country, com uma participação inédita nos Jogos de Turim-2006 – tornou-se a única brasileira a competir nos Jogos de Verão e Inverno –, seguida pela de Vancouver-2010.
Como se ainda faltasse alguma coisa, quem nunca se imaginou em um estande de tiro se viu, durante um acampamento com a equipe canadense, diante do desafio de a manejar uma carabina de ar, superado com sucesso. O Biatlo (que mistura esqui e tiro ao alvo) entraria então na vida de Jaqueline Mourão, com a chance de defender o Brasil (e ser a porta-bandeira) em Sochi-2014.
Como a família cresceu e o lado atleta teve de ganhar a companhia do lado mãe (de Ian, de sete anos, e Jade, de dois, que várias vezes a acompanham nos treinos), a atleta de Belo Horizonte, hoje com 42 anos, decidiu se concentrar novamente em uma só modalidade e voltar ao esqui cross-country para os Jogos de Pyeongchang (Coreia do Sul), a partir do dia 8. No dia 15, ela disputa os 10 quilômetros de esqui cross-country estilo livre consciente de que um resultado de respeito entre as principais potências do esporte terá valor de medalha.
Na reta final dos preparativos, Jaque, que é mestre em Educação Física, falou ao Hoje em Dia sobre a carreira, as expectativas e o desafio de manter a preparação e ser mãe ao mesmo tempo.
Você está prestes a iniciar sua sexta Olimpíada. Quando começou a praticar esporte competitivo, ainda no Mountain Bike, imaginava que viveria uma trajetória tão extensa e marcante?
Eu sou muito agradecida por tudo que vivi no esporte, muitos não conseguiram…quando comecei sonhava com uma Olimpíada, a do MTB cross-country. E neste momento que decidi competir no cross country, eu estava no hospital, me recuperando de uma fratura na tíbia e fíbula em uma prova de downhill. Toda esta trajetória foi incrível e nunca imaginei chegar tão longe.
Seu começo na neve foi pelo esqui cross-country e, em seguida, você aprendeu a atirar e passou a competir no Biatlo. O que te trouxe de volta ao XC para Pyeongchang?
Em 2015, eu sabia que precisava decidir entre uma modalidade e outra para equilibrar a minha vida de mãe de dois pequenos, e como o Biatlo demanda muito tempo por causa de todo o treinamento do tiro, decidi focar no cross-country. Adoro o Biatlo, ainda tenho a minha carabina, mas naquele momento, foi importante criar prioridades e me concentrar em um só esporte. E foi uma decisão acertada, pois logo em seguida passei a conquistar pódios e quebrar recordes no cross-country.
O que seria um bom resultado na Coreia do Sul. Qual a sua meta?
Os 10km estilo livre são a prova de que mais gosto no esqui cross-country. Eu esperei 8 anos para finalmente poder competir esta prova novamente, a última vez que a disputei foi em Vancouver-2010. No cross-country, o estilo das provas muda a cada edição – em Torino-2006 e Sochi-2014 a disputa foi no estilo clássico, em Vancouver-2010 e agora, em Pyeongchang-2018, estilo livre. Um bom desempenho seria bater meu resultado em pontos FIS da prova de Vancouver-2010, e dar trabalho para as atletas de outros países tradicionais.
O que te motiva a seguir fazendo uma preparação pesada, enfrentando baixas temperaturas, viagens e competições?
Adoro tudo isso, é o que faço desde os 15 anos de idade e praticamente se transformou em meu estilo de vida.
Você já competiu machucada, participou de uma prova de downhill com o braço imobilizado e teve outras contusões. Valeu a pena tanto sacrifício?
Estranho…hoje quando penso em tudo isso, não acredito que fiz tanto, mas a vida a gente vai escrevendo com os desafios que vêm vindo… não acredito que faria isso hoje (talvez por ser mãe agora)… mas, naquele momento, era o que eu achava importante fazer.
Se você tem a vantagem de contar com o técnico em casa, por outro lado tem que cuidar dos dois filhos. Como é ser mãe e atleta olímpica ao mesmo tempo? E a experiência de treinar e competir grávida?Arquivo pessoal
Jaqueline com os filhos Jade e Ian
Eles somente me fizeram ser mais forte e feliz, preencheram minha vida com brincadeiras e muita diversão. Antes era totalmente focada nos treinos, e isso as vezes me atrapalhava. Hoje tenho minha ‘válvula de escape’, meu equilíbrio.
A experiência da gravidez foi fantástica, nunca me senti tão feliz em toda a minha vida, completa. A cumplicidade mãe e bebe é algo inexplicável. Eu competi Vancouver-2010 grávida de pouquinhos dias, não sabia que estava grávida, e acredito que não competiria se soubesse. Mas os treinos foram muito bons tanto para a mamãe quanto para o bebê, tinha sempre meu cardiofrequencímetro e sempre me alimentava e hidratava muito bem. As duas gestações foram tranquilas e saudáveis graças a Deus, sem nenhuma complicação e por isso pude continuar com as atividades físicas e ter um parto natural.
Até onde vai Jaqueline Mourão? Os Jogos de 2022 estão nos planos?
Gostaria que fosse até o infinito, risos… Sou muito agradecida a Deus por me dar muita saúde e chegar até aqui, adoro praticar esporte, amo fazer parte da história do esporte brasileiro e, como descobri o esqui tarde, ainda vibro com minha evolução. Estou batendo minhas marcas, sou a melhor latino americana no ranking internacional e enquanto estiver em ascensão e ganhando de atletas de times nacionais, vou continuar buscando minha excelência. Mas vamos ano a ano, passo a passo… não sei se chegaria até lá…
Você deu início a um trabalho para passar sua experiência no ciclismo a outras atletas. Pensa em fazer o mesmo com os esportes de inverno? Afinal, para eles é ainda mais complicado revelarmos novos talentos.
Sim, o MTeenB (projeto que levou destaques do Mountain Bike brasileiro para estágios e competições no Canadá) foi uma fantástica experiência, eu sabia que deveria fazer isso para que a nova geração pudesse ir mais longe. No esqui cross-country já existe um projeto em São Paulo e a CBDN já tem dado todo o incentivo para isso, se precisarem de mim estou à disposição.
Não tem vontade de voltar a competir no Mountain Bike? Que tal um retorno em provas maratona, ideais para atletas mais experientes?
Eu pedalo bastante no verão e sempre vou prestigiar a etapa da Copa do Mundo de Mont Saint-Anne e torcer para os brasileiros. Talvez algumas provinhas para diversão, mas preferimos focar no esqui, pois é um esporte muito técnico e que exige muita dedicação.
Como atleta de ponta e educadora física formada, você pode falar de cadeira: qual o segredo do sucesso num esporte de competição?
Hoje para ter sucesso o atleta precisa trabalhar com uma equipe multidisciplinar, ter condições de treinamento e recuperação e também uma alimentação balanceada. Mas acima de tudo, do talento genético, acredito que a principal característica de uma atleta de sucesso é a capacidade de lidar com as derrotas, com os momentos difíceis e ter uma atitude positiva para aguentar todas as pressões que vêm com o alto”.