Técnico da Seleção, Vadão afirma que futebol feminino no país ainda engatinha

Henrique André e Felippe Drummond Neto - Hoje em Dia
Hoje em Dia - Belo Horizonte
28/06/2015 às 09:31.
Atualizado em 17/11/2021 às 00:40
 (RAFAEL RIBEIRO/CBF)

(RAFAEL RIBEIRO/CBF)

Oswaldo Alvarez, o Vadão, assumiu o comando técnico da Seleção Brasileira feminina de futebol em abril do ano passado. Crítico da má organização da modalidade no país, o treinador, de 58 anos, espera que os gestores brasileiros se espelhem no modelo adotado nos países de primeiro mundo. Em entrevista exclusiva ao Hoje em Dia, Vadão aponta as falhas de estrutura no futebol feminino, conta as dificuldades enfrentadas pelas atletas e diz ser fã incondicional da obediência tática das seleções europeias. Prestes a comandar a Seleção no jogos do Pan, em Toronto, no Canadá, o paulista quer apagar a má impressão deixada no último domingo – com a eliminação nas oitavas de final do Mundial, também em solo canadense – e mostrar que o fracasso foi “um acidente de percurso”. Vadão, que em ocasiões passadas já recusou propostas de América e Atlético, diz que um dia comandará um clube mineiro. Contudo, mesmo com uma experiência de 20 anos treinando homens, atualmente ele não cogita “largar as meninas”.   A campanha no Canadá foi a pior da Seleção desde o Mundial de 1995. Como avalia essa performance? Embora tenha sido ruim, nós nos apresentamos bem. Tivemos uma evolução muito grande, só que quando você chega num Mundial e passa da primeira fase, encara uma eliminatória, na qual passa um ou outro. Hoje, é uma pena ver Alemanha e França se enfrentando precocemente nas quartas de final.    Desde o fim da década de 90, a seleção já esteve perto de atingir resultados vitoriosos como os de Alemanha e Estados Unidos, principalmente, mas não conseguiu. O que faltou? Se a gente for falar lá de trás, vamos falar que foi um acidente de percurso. Assim como foi agora no nosso jogo contra a Austrália. O que aconteceu foi que os outros países desenvolveram demais a modalidade e cresceram demais. Se joga nas universidades, nas prefeituras. Não é nem mais um compromisso esportivo, é um compromisso social. O Brasil estacionou. Daqui pra frente, se não mudarem a estrutura, a coisa vai piorar. Está cheio de menina querendo jogar futebol, mas não tem onde. Os outros países estão jogando muito e isso vai ter um peso muito grande no futuro da Seleção Brasileira se as coisas não começarem a mudar a partir de agora.   O próximo desafio é o Pan de Toronto, em julho. O Brasil não terá Marta. Qual é a expectativa para essa competição sem a presença da estrela nacional? Quem será a dona da camisa 10? Ela também não participou da Copa América do ano passado. A não presença da Marta é um grande desfalque, em questões técnicas e de comando. Durante os treinamentos vou escolher quem irá substituí-la neste período do Pan.   A Seleção, hoje, ainda depende de Marta, Cristiane e Formiga. Por que essa aparente demora na renovação de safra? Porque não temos a modalidade desenvolvida. Ouvi de duas francesas, num simpósio, que só nas idades Sub-6 e Sub-8, hoje, o país tem 100 mil crianças jogando futebol, num país que é muito menor que o nosso. Isso significa que quando essas crianças tiverem 18, 20 anos, eles (franceses) terão 100 mil atletas jogando a mais do que o Brasil. É por isso que a nossa reposição é muito lenta.   A proposta do governo, com a nova MP do futebol, é obrigar os clubes a investirem mais no futebol feminino. O relatório já foi aprovado pela Câmara. A CBF e os clubes não concordam com essa imposição. E você? O que acontece é que tem muita gente querendo jogar futebol femino no Brasil, mas não dá, como nos outros países. A Fifa está forçando e incentivando para o desenvolvimento da modalidade, mas a gente não vê uma resposta. Nada que é impositivo é bem aceito. O Governo, através da MP, força os clubes a fazer isso. A CBF está tomando suas providências e o futebol brasileiro também terá que tomar para que isso aconteça. Nos outros países, isso passou a ser um compromisso social.    A CBF dá algum apoio à Seleção e até montou o modelo permanente, contratando e pagando salários às jogadoras sem clubes que a integram. Por outro lado, falta fomentar o desenvolvimento do futebol feminino e investir mais em competições, a fim de atrair os próprios clubes a investirem. Concorda?  A Seleção permanente é de momento. Mas todas as grandes da Europa fazem algo parecido. A diferença é que as ligas no exterior são altamente competitivas, o que faz com as atletas estejam preparadas para o Mundial. Por aqui não há competitividade, não há disputa. Tem jogo que termina 8 ou 14 a 0. Sempre três ou quatro equipes, no máximo, brigam pelo título. Se você perguntar a Marta se ela quer voltar para o Brasil, ela vai responder que volta para morar e não para jogar, pois não existe um campeonato competitivo.    Por que é um homem que sempre treina a seleção feminina no Brasil? Na Copa do Mundo, vimos a maioria dos times de ponta sendo treinado por mulheres. Porque temos poucas mulheres trabalhando no futebol. Às vezes me incomoda o fato de algumas pessoas olharem pra mim como se eu tivesse tomando o lugar de alguém no futebol feminino. O futebol feminino tem tão pouco apoio que nem as próprias mulheres se preparam para ser treinadoras. Na Europa, as pessoas fazem cursos e são altamente qualificadas para assumir o cargo.    Uma mulher pode integrar sua comissão no futuro? Temos a intenção de incluir uma mulher na comissão. É até uma orientação da Fifa. Já tivemos uma auxiliar no Mundial. A Márcia Taffarel, ex-jogadora da Seleção e que hoje treina crianças nos EUA, esteve com a gente. No jogo contra a Costa Rica, inclusive, ela ficou no banco.   Como você enxergava as mulheres no futebol antes de receber o convite, no ano passado? As mulheres tem uma aplicação tática astronômica. Eu aprendi muito jogando contra as grandes potências do futebol. São equipes muito fortes na parte tática. No masculino, não tive a mesma experiência. Só joguei campeonatos por aqui na América. Logicamente que estudei o Barcelona e outras equipes, mas não tinha jogado contra e vivido aquele momento. Este aprendizado me acrescentou muita coisa na minha carreira. Países que não têm nenhuma tradição no masculino, como EUA, Japão e a própria Austrália, são fortíssimos na modalidade feminina. É uma pena que ainda estejamos engatinhando neste sentido.   O coordenador de futebol feminino da CBF, Marco Aurélio Cunha, deu uma entrevista ao jornal canadense The Globe and Mail, dizendo que as jogadoras precisam ser mais “bonitas” e se produzirem mais para atrair o público e alavancar o futebol feminino. Como interpreta a declaração? Na verdade, eu estava junto com ele e foi um mal entendido. O que ele quis dizer é que hoje a mulher não precisa utilizar os uniformes que sobravam dos homens, como acontecia no passado. Hoje, os uniformes são feitos exclusivamente para elas. A camisa azul, por exemplo, ficou tão bonita, que minha esposa e minha filha me pediram uma. O Marco Aurélio quis dizer que as meninas precisam mostrar a feminilidade e acabar com os tabus preconceituosos.   A mulher passa por questões peculiares, como menstruação (precedida da chamada TPM) e gravidez. Como lidar com isso?  A diferença hormonal existe, mas tudo isso você percebe na hora, mas passa. Elas são muito aplicadas. O maior problema que enfrentei na Seleção foi as mulheres esconderem dores para poderem treinar. Para tirar uma mulher do treino é uma coisa impressionante. Você tem que brigar com a Formiga quando ela sente uma dor. Pra tirar a Marta contra a Costa Rica, tive que explicar que já estávamos classificados e que eu não podia colocá-la.    Caso receba uma proposta de um grande clube brasileiro, hoje, para comandá-lo nas Séries A ou B, aceitaria? Hoje, não. O compromisso que tenho com o presidente Marco Paulo foi de um projeto até a Olimpíada. Pode ser o melhor clube do Brasil que eu não abro mão por nada. Estou satisfeito aqui.

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