"Vergonha de ser mineiro", por Lincoln Pinheiro Costa

Lincoln Pinheiro Costa (*)
20/07/2012 às 16:36.
Atualizado em 21/11/2021 às 23:43

Por que alguns mineiros, especialmente oriundos das regiões periféricas do Estado, não torcem pelos times mineiros, preferindo torcer pelos times paulistas e cariocas? De onde vem essa vergonha de ser mineiro, essa vontade de ser paulista ou carioca, mesmo sofrendo discriminação e sendo motivo de chacota em São Paulo e no Rio de Janeiro? A resposta mais óbvia e mais fácil é a influência da mídia paulista e carioca sobre Minas Gerais.

Deveras, passados mais de vinte e três anos da promulgação da Constituição, o capítulo da comunicação social da Carta Magna permanece sem regulamentação, de modo que o preceito constitucional que manda regionalizar a programação continua descumprido e os mineiros, assim como todo o resto do Brasil, são obrigados a assistir as partidas de futebol de times paulistas e cariocas.

E não será fácil pôr fim ao oligopólio das comunicações e acabar com a propriedade cruzada no setor, haja vista a quantidade de parlamentares que detém a concessão de canais de rádio e TV ou que são financiados, direta ou indiretamente, por tais concessionários. Mas vou buscar mais longe a explicação para tal subserviência. Quando as primeiras riquezas minerais foram descobertas aqui, o território mineiro recebeu as expedições das Entradas e Bandeiras, compostas por jagunços que invadiram Minas Gerais para espoliar as riquezas naturais, capturar índios e escravos fugitivos.

Em 1986, o meu professor de Teoria Geral do Estado nas Arcadas, então mais jovem do que sou hoje, recomendou a leitura do livro “Discurso da Servidão Voluntária”, de Étienne de La Boétie. Confesso que na época não gostei – talvez melhor seria dizer que não entendi o livro – mas o tempo passa, a experiência
chega e a interpretação do texto fica facilitada. Aquele professor, Ricardo Lewandowski, se tornou Ministro do Supremo Tribunal Federal e resolvi reler o livro.

La Boétie afirma que a opressão se mantém principalmente com a obediência consentida dos oprimidos. A servidão voluntária, no nosso caso, consiste em se adotar os valores e ideais dos invasores, assimilar a cultura veiculada na mídia paulista e carioca e torcer pelos times de São Paulo e do Rio de Janeiro, rejeitando a mineiridade.
 

(*) Juiz federal em Belo Horizonte e ex-procurador da Fazenda Nacional em Salvador. É graduado pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP) e MBA em Direito da Economia e da Empresa pela FGV. É membro do Instituto San Tiago Dantas de Direito e Economia. twitter.com/lincolnpinheiro

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