(Juan Barreto)
O homem que por anos foi a garantia de segurança de Hugo Chávez hoje é o grande trunfo de investigadores americanos para comprovar a corrupção na Venezuela. Detido nos EUA no ano passado, Alejandro Andrade é considerado peça-chave num inquérito internacional que busca dinheiro desviado pelo chavismo.
Na terça-feira (20), a Justiça dos EUA revelou a existência de um esquema ilegal de câmbio que movimentou subornos de mais de US$ 1 bilhão na Venezuela, hoje governada por Nicolás Maduro. Para que o sistema funcionasse, a corrupção passou por Andrade, catapultado do posto de guarda-costas para o de chefe do Tesouro Nacional.
A Justiça americana prendeu Andrade no final de 2017 e fechou com ele um acordo de delação premiada. Permitiu que ele permanecesse em prisão domiciliar, mas exigiu colaboração total.
Além de devolver avião, cavalos, relógios de luxo e propriedades, o venezuelano deu informações que levaram os americanos a abrir inquéritos contra pelo menos 20 diretores e ex-dirigentes da PDVSA, a estatal do petróleo da Venezuela.
A Justiça americana acredita que, com as informações de Andrade, pode descobrir quem eram os principais beneficiários do esquema de corrupção.
O processo nos EUA revela dezenas de transferências de milhões de dólares entre o banco HSBC, na Suíça, e a aquisição de bens de luxo no mercado americano. Em março de 2013 foram transferidos da Suíça para os EUA cerca de US$ 281 mil para a compra de um barco. No mesmo ano, foram gastos US$ 1 milhão para instalar um sistema de segurança na casa de Andrade.
Os investigadores suspeitam que o uso do banco na Suíça não é uma coincidência. A partir de 2005, o governo de Chávez fechou um acordo para que a instituição financeira em Genebra fosse a gestora do Tesouro. Em 2007, Andrade passou a ocupar o cargo e a ter autoridade sobre as contas secretamente mantidas na Suíça. Estima-se que essas contas possam ter acumulado US$ 14 bilhões.
Sua gestão no Tesouro Nacional foi alvo de duras críticas. A oposição o acusava de negociar com empresários o acesso ao mercado de câmbio em troca de propinas milionárias. Ainda em 2008, em audiência parlamentar, Andrade foi denunciado por ter montado o esquema financeiro com a compra de papéis da dívida de países como Bolívia e Argentina. Ainda em 2009, agências reguladoras americanas passaram a investigar as transações do Tesouro venezuelano.
Parte das suspeitas foi confirmada nesta semana pela Justiça americana, que indiciou dois empresários por pagamentos que movimentaram US$ 1 bilhão.
Andrade deixou o Tesouro em 2010 e passou a presidir o Bandes, o principal banco estatal venezuelano. O governo lhe fornecia uma unidade da Guarda Nacional Bolivariana para que fizesse a proteção permanente de sua família e de sua casa.
Quando Chávez morreu, em 2013, inimigos de Andrade chegaram a avisar a procuradora-geral, Luisa Ortega, que crimes cometidos por pessoas próximas ao líder custaram mais de US$ 20 bilhões para a economia. Procurado, o governo em Caracas não respondeu às perguntas da reportagem.
Ascensão
Com o fim do governo Chávez, Andrade se mudou para os EUA. Com um jato de luxo, fazia com frequência viagens para Caracas. O ex-segurança de Chávez passou a frequentar locais exclusivos na Flórida e dedicou seu tempo aos cavalos e aos jogos de polo. No total, teria cerca de 150 animais, sendo que alguns poderiam estar avaliados em US$ 500 mil.
A vida do guarda-costas nem sempre foi de luxo. Ele cresceu em um meio modesto, mas caiu nas graças de Chávez em 1992, ao participar do fracassado golpe militar. Durante a campanha eleitoral de 1998, foi seu segurança privado e, em 1999, elegeu-se deputado.
Muitos creditam à perda de um olho seu momento de sorte. Ele perdeu a vista em um golpe de "chapita", uma espécie de beisebol em que a bola é substituída por tampinhas de refrigerantes.
Em um jogo descontraído dentro próprio palácio do governo, uma das tampinhas acertou o olho de Andrade. Desde então, ele ficou ainda mais próximo de Chávez, que se tornou padrinho de seu filho mais novo.