Focados na redução do sofrimento do paciente, cuidados paliativos ganham adeptos

Flávia Ivo
fivo@hojeemdia.com.br
22/11/2018 às 19:09.
Atualizado em 28/10/2021 às 01:57
 (Pixabay/Divulgação)

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Frente a uma doença grave, a decisão mais comum dos familiares é a de prolongar a vida do ente querido a qualquer custo. No entanto, uma modalidade da medicina prega que a prevenção e o controle de sintomas aplicados a pacientes e parentes são o caminho ideal para a redução do sofrimento e a aceitação da morte. Os cuidados paliativos são tema de congresso internacional que acontece, até amanhã, em Belo Horizonte.

Há cerca de um ano, a família da professora Edna Grandi Morais, de 67 anos, teve o primeiro contato com uma equipe especializada na técnica. Na ocasião, a mãe dela, com 92 anos, havia enfartado e estava na UTI. “Se eu já conhecesse os cuidados paliativos, não teria assinado a autorização para a minha mãe ser intubada. A população precisa ser orientada da existência disso. Os profissionais fazem de tudo para que o paciente sofra menos”, relata.

Após o falecimento da mãe, há dez meses, o pai da professora, que já estava em tratamento contra câncer na gengiva, teve uma reincidência da doença. Mais uma vez, a família conta com o apoio da medicina paliativista. “A equipe vem aqui periodicamente com médico, enfermeira e fonoaudióloga. Agora, meu pai está vivendo uma vida normal, com menos intervenções e com a oportunidade de passar pelo luto da minha mãe”, expõe Edna.

Multidisciplinar

Os benefícios sentidos pelos familiares e pela professora são comuns àqueles que optam pelos cuidados paliativos, especialmente os que sofrem com enfermidades graves como câncer, Alzheimer, Parkinson, insuficiência cardíaca e sequelas do Acidente Vascular Cerebral (AVC), para citar alguns.

“A modalidade de tratamento é voltada para a resolução e prevenção dos sofrimentos físico, psicológico, social e espiritual de pacientes e famílias em situação de doenças ameaçadoras à vida, com ou sem chance de cura”, explica o geriatra Douglas Crispim, secretário-geral da Academia Nacional de Cuidados Paliativos.

De acordo com o médico, os profissionais que compõem os times multidisciplinares são altamente especializados. “São formados por médicos, enfermeiros, assistentes sociais, psicólogos, odontólogos, fisioterapeutas e muito mais. Há bastante gente envolvida. Além disso, são experientes em comunicação difícil, que envolve más notícias e resolução de conflitos”.

“A comunicação deve se dar em todo o cenário de saúde. Mas o profissional de saúde tem, às vezes, dificuldade de ouvir o paciente. No entanto, pode ser treinado para isso” (Sarah Gomes, presidente da Sociedade de Tanatologia e Cuidados Paliativos de Minas Gerais)

Singularidades

A comunicação, inclusive, é a base dos cuidados paliativos. Por meio da fala e da escuta, a equipe de saúde envolvida no tratament[/TEXTO]o lida com as emoções tanto de família e paciente quanto as que surgem no próprio grupo.

“Precisamos ter uma comunicação efetiva e impecável. Por isso, há um treinamento muito grande. Existem vários instrumentos para dar uma notícia difícil. É preciso preparar um cenário, conversar com a pessoa sentada, sem linguagem técnica e com informação fracionada para facilitar a compreensão”, detalha a médica Sarah Gomes, presidente da Sociedade de Tanatologia e Cuidados Paliativos de Minas Gerais.

Entender a singularidade de cada família é fundamental para a eficácia da técnica, aponta a psicóloga clínica Marília Aguiar, coordenadora do curso de pós-graduação em psico-oncologia da Faculdade de Ciências Médicas. “Cada família tem uma demanda diferente. Por exemplo, as funções sociais de cada membro variam de um grupo para o outro. Nosso foco é o bem-estar dos envolvidos. É preciso que eles comecem a se escutar e buscar sentido para o que estão sentindo, ressignificando o que está acontecendo”, diz.

Resistências

Em 31 de outubro foi assinada a primeira resolução do Sistema Único de Saúde (SUS) para os cuidados paliativos. O serviço já está disponível em unidades públicas, mas, apesar do crescimento da área nos últimos anos, o caminho a percorrer ainda é longo.

“A maioria da população desconhece ou mesmo não tem acesso a esse tipo de prática. O Risoleta Neves, em BH, talvez seja o mais antigo a contar com uma equipe especializada. Os cuidados têm entre 90% e 95% de aprovação do público, mas ainda são pouco difundidos”, conta o secretário-geral da Academia Nacional de Cuidados Paliativos, Douglas Crispim.

Para a psicóloga Marília Aguiar, o envelhecimento dos brasileiros e o consequente aumento das doenças degenerativas e cânceres são motivos para o crescente interesse de profissionais da saúde pela técnica. Só o congresso que é realizado em BH registrou 150% mais inscrições em 2018 que há dois anos.

“Quando a gente começa a falar, as pessoas começam a usar. Hoje, falamos em cuidados paliativos até dentro do CTI, além de na própria casa do paciente, com a família também tendo um suporte”, expõe.

Além de faltar conhecimento da população sobre a técnica, poucas são as faculdades de medicina que oferecem cadeiras na área. “Existe uma resistência dos próprios médicos, porque é uma mudança de paradigma. Porém, os cuidados paliativos são considerados primordiais para a qualidade da morte, conforme a OMS (Organização Mundial da Saúde)”, diz a médica Sarah Gomes.

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