Fórum denuncia Brasil à ONU por alta taxa de assassinato de negros; em Minas, são 73% das execuções

Tatiana Lagôa e Mariana Durães
horizontes@hojeemdia.com.br
03/12/2017 às 15:03.
Atualizado em 03/11/2021 às 00:01
 (Editoria de Arte)

(Editoria de Arte)

Aos 16 anos, Leandro* foi vítima de “bala perdida” em Venda Nova, na capital mineira. Uma década depois, o irmão Vinícius*, de 33, foi executado por se envolver com o tráfico de drogas no mesmo bairro. Os dois fazem parte de uma estatística que mostra que nove negros morrem a cada dia em Minas – 73% dos homicídios registrados no Estado. Os dados mais atuais, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, são de 2015.

A quantidade de óbitos de jovens negros levou o Fórum Permanente pela Igualdade Racial (Fopir), entidade nacional que reúne grupos antirracistas, a protocolar denúncia contra o Brasil nas Organizações das Nações Unidas (ONU), em 22 de agosto. Apenas na semana passada ela se tornou pública.

Com base em histórias como as de Leandro e Vinícius e no relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Assassinato de Jovens do Senado, finalizado em 2016, o Fopir acusa o governo de omissão diante do que eles classificam como genocídio (extermínio parcial ou total de um grupo étnico, racial ou religioso). “O Senado faz recomendações a serem adotadas para mudar o quadro, mas nada foi feito desde então. Internacionalizando a questão, aumentamos a pressão”, afirma o advogado Daniel Teixeira, do Fopir.

A reportagem contactou o Ministério da Justiça e Segurança Pública. Porém, não houve retorno até o fechamento desta edição.

Especialista em educação, cultura afro-brasileira e identidade racial, o professor Luiz Alberto Oliveira, da UFMG, afirma que a tentativa de pressionar a União não é nova e há certa dificuldade em levar as propostas até o fim por falta de interesse. “Os jovens negros estão morrendo de forma assustadora, e cada vez mais. É um assunto antigo, mas ninguém se importa com a vida deles. Isso é, claramente, racismo”.

Discriminação

Assassinatos de negros são apontados como reflexo de preconceito racial. O relatório indica que acontecem por ações de repressão por meio de intervenção policial e pela falta de políticas públicas eficientes de redução das mortes. “O Estado brasileiro é leniente com o genocídio”, diz o texto.

Pesquisador do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp), da UFMG, Frederico Marinho lembra que a vitimização dos negros é histórica. “É uma população inserida em áreas mais vulneráveis do ponto de vista de acesso à educação e inserção no mercado de trabalho. Isso faz com que a maioria resida em locais mais violentos e menos estruturados das cidades, tornando-se alvos fáceis”, observa.

O papel do crime organizado também deve ser discutido, reforça o professor Luiz Alberto Oliveira, da UFMG. Segundo ele, há mortes porque não existe controle nesse sentido. “São esses bandidos que assediam, dão oportunidade e também matam esses meninos”.

“Se a gente tivesse condições de morar longe do tráfico eu não teria perdido meus filhos. O mais novo tomou um tiro sem fazer nada de errado. O mais velho se envolveu com drogas por causa da falta de oportunidade” (Antônia*, de 58 anos, mãe de Leandro e Vinícius, jovens negros assassinados em BH, que culpa a desigualdade racial no país pela dor que sente desde 2001, quando perdeu o filho caçula)

Postura do país deverá ser cobrada em reunião internacional

Os assassinatos de negros no Brasil deverão pautar a próxima reunião de Direitos Humanos da ONU, prevista para março. “Já tivemos o retorno de que a instituição recebeu nosso doc[/TEXTO]umento e uma postura do país deverá ser cobrada no encontro”, afirma o advogado do Fórum Permanente pela Igualdade Racial (Fopir) que está à frente da medida, Daniel Teixeira. Ele explica que uma pressão do órgão internacional pode surtir efeitos devido às pretensões do governo federal de manter uma imagem de país justo e democrático. Neste ano, inclusive, as Nações Unidas chegou a fazer uma campanha chamada “Vidas Negras: Pelo fim da violência contra a juventude negra”.

No site da instituição, ela lembra que o Brasil está entre os 193 países que se comprometeram com a agenda de 2030 de desenvolvimento sustentável. “Se o racismo tem deixado os jovens negros para trás, ele precisa ser enfrentado. ‘Vidas Negras’ é um convite aos brasileiros e brasileiras a entrar no debate e promover e apoiar ações contra a violência racial”, diz a ONU.

De acordo com o Atlas da Violência, elaborado pelo Instituto de Economia Aplicada e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, os negros têm 23,5% mais chances de serem mortos, se comparado aos brancos, amarelos e indígenas.

Em Minas, de 2005 a 2015, os óbitos de negros tiveram queda de 4,2% a cada 100 mil habitantes. Para o especialista em educação, cultura afro-brasileira e identidade racial, Luiz Alberto Oliveira, a variação ainda não significa melhora nesse cenário. “A realidade ainda é muito perceptível. Até temos programas como o ‘Fica Vivo!’, que tentam chamar a atenção do jovem para o risco da criminalidade, mas estamos longe de acabar com o problema. Nenhum Estado resolveu e não podemos blindar isso mais”, analisa.

No documento enviado pelo Fopir à ONU, são indicadas algumas soluções para o genocídio no país. Algumas propostas dizem respeito à padronização das informações sobre segurança pública, fundação de um banco nacional de dados sobre violência e desenvolvimento de um plano nacional de redução de homicídios.

*Nomes fictícios

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