França retoma reduto islamista no leste do Mali

Lourival Sant'anna, enviado especial
27/01/2013 às 11:30.
Atualizado em 21/11/2021 às 21:14

Tropas francesas entraram neste sábado em Gao, no leste do Mali, um dos últimos bastiões dos grupos islâmicos que chegaram a dominar metade do país. A liberação da cidade é um alívio para o comerciante Boubaka, de 47 anos, que chegou à capital, Bamako, há uma semana. Ele fugiu de Gao levando cerca de 50 pessoas, entre eles 7 irmãos, seus filhos e mulheres, em um caminhão convertido em ônibus, com 100 pessoas apinhadas em bancos de madeira com 6 passageiros cada.

Com o conflito, a passagem subiu de 8 mil para 10 mil francos (de R$ 13,50 para R$ 17). A travessia durou quatro dias, numa rota tortuosa que incluiu duas noites no vizinho Níger. No caminho, ele diz que viu meninos de 10, 12 anos, recrutados como soldados dos insurgentes.

"Sempre convivi com os tuaregues, mas até agora não entendi o que eles querem", diz Boubaka, da etnia peul, que representa 17% da população do Mali, enquanto os tuaregues, somados aos mouros, de origem berbere, são outros 10%. "Os tuaregues são privilegiados. Têm empregos públicos sem terem diploma. São oficiais superiores no Exército." Como parte de acordos entre o governo do Mali e representantes dos tuaregues, eles têm reservada uma fatia no serviço público, nas Forças Armadas e no gabinete de ministros.

"A verdadeira minoria do Mali são os bobous, que representam entre 2% e 3% da população e trabalham como empregados domésticos", diz o comerciante. "Se alguém tivesse de fazer rebelião, seriam eles." Embora isso seja proibido, no Mali ainda existem escravos-famílias que nascem para servir a outras famílias, e fazem trabalhos domésticos em troca de comida e assistência.

Boubaka, que não quis dar o sobrenome nem ser fotografado, por medo de represálias contra seus parentes que continuam em Gao, conta que sua casa e sua loja foram saqueadas. Ele lembra que os separatistas tuaregues do Movimento Nacional de Libertação do Azawad (MNLA) chegaram à cidade com os militantes do Movimento pela Unidade e Jihad na África Ocidental (Mujao), em 29 de março. "Eles ficaram juntos até maio. Em junho, o MNLA partiu." Os dois grupos entraram em confronto porque o MNLA tem uma agenda secular, de independência do território do norte, enquanto o Mujao e o Ansar Dine querem a conversão de todo o Mali em uma república islâmica.

O Mujao pôs esse projeto em prática em Gao. "Mulheres que saiam sem véu são chicoteadas em praça pública", testemunha Boubaka. "Os homens pegos fumando também apanham."

Música e festa foram proibidas na cidade. "Os tuaregues não gostaram disso. Eles são festeiros", diverte-se Boubaka. Os militantes também obrigaram os moradores a arrancar antenas de TV dos telhados das casas, conta ele.

Boubaka observou que entre os militantes havia malineses de várias etnias, árabes de Gao e de Timbuctu (outra cidade ocupada no norte), tunisianos, marroquinos, egípcios, saarauis (etnia do deserto) e até três franceses convertidos ao Islã. "Se os islâmicos forem embora de Gao, voltaremos imediatamente para lá", garante Boubaka. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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