(Editoria de Arte/Hoje em Dia)
Lula Marques / N/ANo ano passado, o STF proibiu a doação de empresas para as campanhas políticas
De coadjuvante a protagonista. Formatado em 1995, o Fundo Partidário sempre teve papel secundário no quadro eleitoral, servindo, basicamente, para a manutenção das despesas administrativas das legendas.
Com a proibição da doação de empresas a partidos, no ano passado, o quadro mudou. Nas eleições deste ano, o Fundo será a base de recursos das campanhas.
Levantamento do Hoje em Dia aponta que os repasses do Fundo, em valores atualizados pela inflação, passaram de R$ 157 milhões, em 1996, para R$ 811 milhões, em 2015, cinco vezes mais.
Esse incremento foi aprovado pelo Congresso ano passado, pouco antes da votação do Supremo Tribunal Federal que considerou inconstitucional o repasse de pessoas jurídicas para as campanhas.
É um aumento substancial mas, ao mesmo tempo, se traduz em valores muito abaixo do total de gastos declarados pelos partidos ao Tribunal Superior Eleitoral em eleições. Em 2014, por exemplo, foram R$ 5,1 bilhões.
“O fundo partidário nunca foi diferencial para vencer a eleição. Agora passa a ser importante e reforça o quão caro é nosso processo eleitoral. Ao mesmo tempo, é um recurso insuficiente”, avalia o cientista político Felipe Lima, pesquisador na UFMG e especialista em financiamento eleitoral.
“A eleição brasileira tem um desenho muito caro, com seu número de candidatos e partidos. A gente mudou a forma de entrada do dinheiro, mas não mudou o desenho mais amplo”, pontua.
O presidente do PSB em Belo Horizonte, João Marcos Lobo, vai na mesma direção. “Vamos ter uma limitação muito grande. É uma realidade difícil. Os recursos do fundo são muito limitados, mas são importantes porque vão garantir o mínimo de campanha. Sem ele, seria praticamente inviável”.
Os repasses para o PSB saltaram de R$ 20,8 milhões (2014) para R$ 50,9 milhões (2015).
Insolvência
O secretário de Finanças do PT em Minas, Jorge Luna, argumenta de forma semelhante. “O fundo acabou se tornando o principal recurso, mesmo sendo um valor não suficiente para se custear uma campanha”.
Na avaliação dele, o fundo é a garantia do material mínimo, como panfletos e adesivos. Sem os reajustes de 2014 para 2015 haveria “uma quase insolvência na administração da máquina partidária”.
Os repasses para o PT saltaram de R$ 56,1 milhões (2014) para R$ 100,8 milhões (2015), R$ 20 milhões a menos que o segundo colocado da lista, o PSDB.
Doações
Para os defensores do fim do financiamento de empresas, a nova situação é importante na medida em que os partidos partem com maior igualdade na corrida eleitoral, sem distorções de verbas empresariais.
“Fica mais justo e equaciona um pouco as candidaturas. Entre 80% e 90% dos valores da campanha do PSOL são cobertos pelo fundo”, afirma a presidente do partido em Minas, Sara Azevedo.
Repasses para o PSOL passaram de R$ 4,4 milhões (2014) para 13,8 milhões (2015).
Fatias do bolo
No interior, no entanto, o quadro é de incertezas. Lideranças do Sul do Estado e do Vale do Aço temem que os recursos do fundo se esfarelem na redistribuição, com os diretórios estaduais privilegiando candidatos das capitais.
“Até agora não chegou nada aqui”, afirma um representante do PSDB do Sul de Minas.
Mecanismo não acaba com caixa dois nem limita gastos
De acordo com a legislação, 5% do Fundo Partidário deve ser distribuído igualmente entre todos os partidos políticos, e 95% proporcionalmente à composição da Câmara dos Deputados nas últimas eleições.
Quem tem mais deputados, leva mais. O fundo é composto com recursos do Orçamento federal e repassado mensalmente pelo Tribunal Superior Eleitoral aos partidos – é o chamado duodécimo.
À época da sua definição (Lei 9.9096/1995), o principal objetivo do Fundo era garanti r a manutenção básica dos partidos. Com a Minirreforma Eleitoral (Lei 13.165/2015), dentre outros pontos, ficou determinado que 20% do recurso devem ser investidos pelas legendas em pesquisa e educação política.
“O fundo tem algumas distorções, com partidos recebendo sem ter eleito nenhum deputado”, aponta o cientista político Felipe Lima. O Partido da Causa Operária (PCO), por exemplo, recebeu R$ 1,3 milhão em 2015 e R$ 896 mil em 2014, mesmo sem ter parlamentar.
Para Carlos Moura, do Movimento de Combate à Corrupção, que integra a Coalizão pela Reforma Política, o aumentou ocorreu de forma inoportuna.
“Eu penso que os partidos precisam de apoio do Estado, mas, infelizmente, no nosso país, esse investimento é muito grande”, afirma.
Ele defende uma reforma política ampla, com limitação para a criação e a existência de partidos, respeitando-se a diversidade ideológica. “É preciso tomar muito cuidado senão o fundo partidário vira meio de um grupo partidário sobrevier”, diz.
Caixa dois
Em outra linha de raciocínio, Felipe Lima avalia que, para este ano, ainda é nebulosa a forma como será controlada a doação de pessoas físicas.
Ele ainda critica a ausência de um limite de gastos dos partidos e lembra que o simples fato de as legendas passarem a depender do fundo e de doações de pessoas físicas não acaba com o caixa dois.
“A assistência do Fundo Partidário não aumenta os instrumentos de controle para a redução do caixa dois. Tiraram a doação de empresas, mas essas doações podem continuar ocultas. Na verdade, a gente vai ter é menos informação sobre elas, diz”
Pessoa física é desafio
Partidos vêm buscando formas de conseguir alternativas de recursos. João Marcos, do PSB, por exemplo, pontua que o partido desenvolveu sistema de arrecadação de pessoa física via internet e que colocará a ferramenta à disposição dos candidatos do interior.
Sara Azevedo, do PSOL, observa que a prestação de contas de doação de pessoas físicas ainda é um desafio. Ela lembra que alguns apoiadores que fizeram pequenas contribuições nas eleições de 2014 receberam notificações judiciais para explicar os repasses.
“Pessoas que doaram R$ 10, R$ 30, foram chamadas a responder por isso”, critica.