Além de causar danos ao usuário, o consumo de drogas adoece o sistema de saúde, como mostram os números desta última matéria da série do Hoje em Dia sobre os impactos da possível legalização da maconha. Entre 2005 e 2015, foram 604.965 internações provocadas pelo uso de substâncias ilícitas no Brasil, segundo o Ministério da Saúde. Considerando dados de 2014, os últimos disponíveis sobre gastos, o país vem desembolsando a cada década R$ 7,76 bilhões para custear o tratamento de quem consome entorpecentes. Corrigido pelo IPCA, o valor equivale hoje a R$ 9,139 bilhões.
O montante, no entanto, seria coberto com folga no caso da legalização do uso da cannabis, prevista em projetos que tramitam no Congresso. A arrecadação oriunda da venda legal de maconha é estimada em R$ 6,68 bilhões ao ano. Em dez anos, seriam R$ 66,8 bilhões arrecadados, 7,3 vezes mais do que o gasto com o tratamento médico dos usuários de drogas. Do total de internações, menos de 1% eram de consumidores de maconha, segundo estudo da Consultoria Legislativa do Congresso Nacional.
Atendimentos
Em 2014, foram atendidos 62.229 mil usuários e desembolsados R$ 950,9 milhões com o tratamento deles e a manutenção de programas de prevenção do uso de drogas no país. Desse montante, R$ 798,3 milhões foram destinados a internações hospitalares e atendimentos ambulatoriais. Como foram 62.229 usuários atendidos, a média de gasto por pessoa foi de R$ 12,8 mil.
Os R$ 152,58 milhões restantes foram destinados a programas de prevenção e tratamento de doenças que podem ser contraídas devido ao uso de substâncias ilícitas. Entre elas estão HIV/Aids e hepatites virais, que podem ser causadas pelo compartilhamento de seringas.
Em 2015, foram registradas 53.530 internações motivadas pelo uso de drogas no país. Em Minas, foram 2.604 naquele ano. Entre 2005 e 2015, 36.993 pessoas foram atendidas no Estado. O Ministério da Saúde não disponibilizou o custo dos tratamentos desses usuários.
Na prática
Alex Maciel Teixeira, de 36 anos, dá vida à estatística. Natural de Salvador, na Bahia, ele começou a usar drogas aos 14 anos e foi internado pelo menos 12 vezes: nove em clínicas de reabilitação e três em hospitais psiquiátricos. “Se hoje falar de drogas é um problema, imagine há 16 anos. Não recebi ajuda e acabei indo para o crack”, afirma.
Aos 18 anos, ele saiu de Salvador para não ver o sofrimento da família. Morou por quase dez anos nas ruas, até que conheceu o Consultório de Rua, programa da Prefeitura de Belo Horizonte que coloca, diariamente, ambulatórios móveis à disposição de usuários de drogas.
Lá, Teixeira foi convencido a conhecer o Centro de Referência em Saúde Mental – Álcool e Drogas, também da PBH. “As clínicas em que fui internado antigamente eram ligadas a entidades religiosas. Nelas, quem falava sobre drogas era castigado. Imagine, você tem um problema, quer tratá-lo, mas não pode falar sobre ele. No Cersam AD, aprendi o que é a recuperação com liberdade. Ia de manhã, voltava à noite. Conversava com meu técnico sobre o que estava sentindo. Aprendi a ter responsabilidade e cuidado comigo mesmo”, diz.
Segundo o coordenador de Saúde Mental da PBH, Arnor Trindade, a cocaína é a droga que mais leva os usuários às clínicas e hospitais da capital. “São dois grupos de drogas ilícitas. A maconha e a cocaína com seus derivados: crack, oxi, merla, aspirada e a injetada. Maconha aparece pouco”, diz.
Legalização pode aumentar o número de acidentes do trânsito
O uso desenfreado de drogas tem reflexo direto nos acidentes de trânsito no Brasil. E, segundo levantamento da Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, a legalização do uso e venda de maconha tem potencial para ampliar a quantidade de pessoas que dirigem entorpecidas. A afirmação tem como base a expectativa de aumento de 17% no consumo da cannabis, caso o uso da planta seja regulamentado. A maconha, aliás, é a segunda droga ilícita mais usada por motoristas, perdendo apenas para a cocaína.
Estudo do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) aponta que em 61% dos acidentes de trânsito o condutor havia ingerido bebidas alcoólicas. Segundo a Consultoria Legislativa, um levantamento realizado em 2010 com 3.338 motoristas que se envolveram em acidentes mostrou que 4,6% usaram alguma substância ilícita.
A cocaína foi a droga mais presente entre os condutores, com 39%. Em seguida aparecem a maconha, com 32%, anfetaminas (16%) e benzodiazepínicos (14%). É importante ressaltar que o Brasil é o quarto país no mundo em mortes no trânsito, ficando atrás apenas da China, Índia e Nigéria, de acordo com a Organização das Nações Unidas (ONS).
Somente em Minas Gerais foram 234.087 acidentes em 2016. Destes, 76.582 com vítimas, o equivalente a 32% do total, conforme dados da Secretaria Estadual de Segurança Pública. Em Belo Horizonte, foram 32.725 acidentes no primeiro semestre do ano passado.
Colorado
Se considerarmos países que liberaram a maconha recentemente, também é possível constatar impacto no número dos acidentes em que condutores dirigem sob influência de drogas. Conforme a Consultoria Legislativa, após a legalização da cannabis no Colorado (EUA), a direção perigosa relacionada à maconha sofreu uma escalada.
Em 2014, 77% das ocorrências ligadas a acidente de trânsito naquele estado envolviam drogas e 41% envolviam apenas a maconha. “O estudo alerta sobre a limitação dos dados já que os motoristas são testados apenas para álcool e não para outras drogas. Portanto, a intoxicação de motoristas por maconha foi aferida apenas por policiais em seus relatórios”, diz o levantamento.
Além Disso
No mundo, conforme estudo da Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, há 29 milhões de pessoas com problemas relacionados às drogas, como transtornos mentais e comportamentais e aids e hepatites virais, entre os usuários de drogas injetáveis.
Em 2014, cerca de 12 milhões de pessoas eram usuárias de drogas injetáveis, sendo que 14% delas eram portadoras de HIV e 50% de hepatite C. Ainda em 2014, houve mais de 207 mil mortes no mundo relacionadas às drogas, sendo um terço por overdose.
Segundo o coordenador do Centro de Referência em Drogas da Universidade Federal de Minas Gerais (CRR-UFMG), Frederico Garcia, são inúmeros os impactos das drogas sobre o organismo. “A maconha, assim como o cigarro, causa problemas pulmonares graves. O risco de contrair câncer de pulmão é grande. Não temos dados sobre isso porque as pessoas não costumam declarar que fumam maconha. Então fica na conta do cigarro”, afirma.
Enquanto alguns acreditam que a maconha seja a porta de entrada para outras drogas, o coordenador de Saúde Mental da PBH afirma que a planta é utilizada em larga escala por pessoas que querem deixar as substâncias mais pesadas. “A maconha é porta de saída para o crack, por exemplo”, diz.