(Flávio Tavares)
A fome atinge cerca de 33,1 milhões de pessoas no Brasil. É o que aponta o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19, realizado entre novembro de 2021 a abril de 2022. A pesquisa, realizada pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, mostra ainda que, no fim de 2020, o volume de brasileiros convivendo com a fome era de 19,1 milhões. O saldo atual representa um aumento superior a 70%.
Conforme o levantamento, outras 125,2 milhões afirmam conviver com insegurança alimentar. Já a quantidade de brasileiros que vivem com restrição de água chega a 12% da população.
Segundo o levantamento, a insegurança alimentar ocorre quando uma pessoa não tem acesso regular e permanente a alimentos. Ela é classificada em três níveis:
- leve (quando há Incerteza quanto ao acesso a alimentos em um futuro próximo e/ou quando a qualidade da alimentação já está comprometida)
- moderada (quantidade insuficiente de alimentos)
- grave (privação no consumo de alimentos e fome)
Os resultados revelam que 41% dos domicílios estavam em situação de segurança alimentar, enquanto em 28% dos lares havia incerteza quanto ao acesso aos alimentos, além da qualidade da alimentação já comprometida.
Também conforme o levantamento, percentualmente, a situação alimentar de habitantes da área rural é mais grave, mas o contingente de famintos em área urbana - cerca de 27 milhões - é assustador e revela o fosso social existente nas cidades do Brasil.
A pesquisa apontou que, por trás dos números da fome, aparecem outras questões quando o recorte inclui indicadores com crianças, mulheres e a população negra.
O levantamento analisou ainda indicadores sobre as características sociais e demográficas da população, incluindo renda familiar, condições de trabalho, raça/cor, gênero e escolaridade da pessoa de referência.
Desigualdade por região
Ao analisar as duas regiões que concentram o segmento de menor renda do país, o Norte e o Nordeste, foi encontrado o maior percentual de famílias em situação de fome no Brasil. Quatro em cada 10 famílias dessas regiões relataram redução parcial ou severa no consumo de alimentos durante o período da pesquisa. Na região Sudeste são três em cada 10 famílias.
Outro indicador social que reflete na desigualdade alimentar é a raça/cor. Mesmo quando os rendimentos mensais ficam acima de um salário mínimo por pessoa, a insegurança alimentar é maior nos domicílios onde a pessoa de referência se autodeclara preta ou parda.
Enquanto a segurança alimentar está presente em 53,2% dos domicílios onde a pessoa de referência se autodeclara branca, nos lares com responsáveis de raça/cor preta ou parda ela cai para 35%.
Em outras palavras, 65% dos lares comandados por pessoas pretas e pardas convivem com restrição de alimentos.
A pesquisa também revelou que as mulheres são as mais impactadas pela fome: 6 de cada 10 lares comandados por mulheres convivem com a insegurança alimentar.
Nas casas em que a mulher é a pessoa de referência, a fome passou de 11,2% em 2020 para 19,3%. Nos lares que têm homens como responsáveis, a fome passou de 7,0% para 11,9%. De acordo com o levantamento, isso ocorre, entre outros fatores, pela desigualdade salarial entre os gêneros.
Ao incluir a variável ‘crianças’ na pesquisa, o número também é assustador. A fome dobrou nas famílias com crianças menores de 10 anos, passando de 9,4% em 2020 para 18,1% em 2022. Crianças que vivem em condição de carência alimentar podem ter suas potencialidades e seu futuro comprometidos.
Para a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional ao olhar para a fome, é importante lembrar que cada número representa a vida de uma pessoa.
Mudanças em percentuais de insegurança alimentar — ainda que pareçam pequenas — significam milhões de pessoas convivendo cotidianamente com a fome.
“Há necessidade urgente da adoção de políticas públicas integradas e participativas capazes de enfrentar as múltiplas dimensões envolvidas, bem como sirvam de fator gerador de indignação e mobilização da sociedade brasileira diante de tamanha mazela”, conclui um trecho do documento.