Barreiras estruturais

Instituto credenciado pela OMS quer atuar no STF em ação pró aborto

Unidade auxilia a instituição em questões legais relacionadas aos campos da saúde e dos direitos humanos

Agência Brasil
08/04/2025 às 14:05.
Atualizado em 08/04/2025 às 14:13
Abrigado pela Universidade de Georgetown, nos EUA, instituto é o único credenciado como colaborador direto da OMS
 (Paulo Pinto / Agência Brasil)

Abrigado pela Universidade de Georgetown, nos EUA, instituto é o único credenciado como colaborador direto da OMS (Paulo Pinto / Agência Brasil)

Por causa de uma série de barreiras estruturais, o Brasil viola “suas obrigações básicas”, indo contra a própria legislação e as leis internacionais, por não garantir a oferta de aborto legal no país, aponta o Instituto O’Neill, em manifestação enviada ao Supremo Tribunal Federal (STF). 

Abrigado pela Universidade de Georgetown, nos Estados Unidos, o instituto é o único credenciado como colaborador direto da Organização Mundial da Saúde (OMS), auxiliando a instituição em questões legais relacionadas aos campos da saúde e dos direitos humanos. 

Na semana passada, o instituto pediu para ingressar como amicus curiae (amigo da Corte, apto a apresentar informações relevantes ao julgamento) na ação em que a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abraco) pede que seja reconhecido o estado de coisas inconstitucional em relação à oferta do aborto legal no país. O relator é o ministro Edson Fachin. 

No pedido encaminhado ao STF, o instituto destaca a escassez de serviços e equipes treinadas como uma das principais barreiras ao aborto legal no Brasil. Atualmente, há apenas 88 serviços de referência cadastrados para a interrupção da gravidez em todo o país, distribuídos por 55 cidades, o equivalente a 4% dos municípios brasileiros. 

Não há sequer um serviço do tipo por estado. O Pará, estado de dimensões continentais, por exemplo, tem apenas um serviço de aborto legal. Em todo o país, existe apenas um programa de telemedicina dedicado ao atendimento para o aborto legal, que funciona no Hospital Universitário de Uberlândia, em Minas Gerais, salienta o instituto.  

“Nesse sentido, ao dispor de tão poucas unidades de saúde que realizam o aborto legal, e somente uma que realiza o procedimento por telemedicina, o Brasil incorre em violação de suas obrigações básicas, e por consequência da interdependência dos direitos, ao direito à saúde, direito à vida, à não discriminação e à igualdade”, diz o texto apresentado ao Supremo. 

A falta de acesso ao aborto legal é discriminatória com mulheres e meninas, já que representa uma ameaça à vida desse público específico, denuncia o instituto. Conforme estabelecido pela OMS, estima-se que até 90% das mortes de gestantes no mundo poderiam ser evitadas pela oferta de serviços como os de aborto legal. 

Métodos ultrapassados

Nos poucos serviços disponíveis no país, inexistem protocolos adequados para os casos de aborto legal, com a aplicação de métodos que não estão de acordo com as evidências científicas mais recentes. 

Desde 2005, uma portaria do Ministério da Saúde estabelece o passo a passo em caso de atendimento para o aborto legal. O problema é que a norma prevê procedimentos “vexatórios” e que “revitimizam” as mulheres. Isso porque, no caso de gravidez por estupro, por exemplo, a gestante é obrigada a relatar o acontecimento, além de ter que assinar um termo de responsabilidade, dando ciência que ela comete crime se mentir. 

“As falhas no atendimento decorrentes de protocolos e serviços inadequados tornam-se uma barreira para que a pessoa dê continuidade ao atendimento ou até mesmo para que outras pessoas busquem aquele serviço de antemão em razão da insegurança e medo gerados”, alerta o instituto. 

Outro ponto destacado no documento enviado ao Supremo, é que a grande maioria das mulheres que conseguem ter acesso ao serviço acabam sendo submetidas ao método de curetagem, considerado ultrapassado, e que deixou de ser recomendado em 2022 pela OMS por causar dor e sofrimento, violando os direitos humanos. 

O método mais seguro e adequado, conforme recomendado pela OMS, é o aborto por meio de medicamentos. “A prática brasileira destoa dessas recomendações, sendo o aborto medicamentoso praticamente inexistente no Brasil”, afirma o Instituto O’Neill. 

No país há apenas uma droga registrada para induzir o aborto, e ainda assim com uso estritamente restrito ao ambiente hospitalar. “A prática brasileira destoa dessas recomendações, sendo o aborto medicamentoso praticamente inexistente no Brasil”, diz o documento.

“Infelizmente, a realidade brasileira está totalmente em descompasso com as recomendações estabelecidas pela OMS: ainda são realizadas práticas ultrapassadas, além da falta de materiais necessários para realização do aborto legal que estejam de acordo com as últimas evidências científicas ou da restrição excessiva em torno de alguns procedimentos”, denuncia o instituto no documento. 

Descriminalização

Protocolada em 2022, a ação sobre a falta de acesso ao aborto legal no país segue parada ao menos desde 2023, quando oministro Edson Fachin proferiu o último despacho no caso. 

O presidente do Supremo, ministro Luís Roberto Barroso, já deu declarações afirmando que o tema não está pronto para ser julgado.

A legislação brasileira permite o aborto de forma legal nos casos de gravidez decorrente de violência sexual ou se a gestação ameaçar a vida da mãe. O Supremo também autorizou a interrupção da gravidez nos casos de anencefalia, a má formação do cérebro do feto. 

O Supremo já chegou a iniciar o julgamento no plenário virtual de uma outra ação, que pede a descriminalização do aborto em qualquer caso, em 2023, quando a ministra Rosa Weber, hoje aposentada, votou a favor da liberação do procedimento até a 12ª semana de gestação. 

Logo em seguida, entretanto, a análise do processo foi interrompida por um pedido de destaque do ministro Barroso. A ação então saiu da pauta do plenário virtual para ser remetida para debate no plenário físico da Corte. Não há data definida para a retomada do julgamento.

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