Deputados estaduais visitaram unidades de saúde e ouviram que haveria pressão para que internados aceitem transferência para o João XXIII; governo do Estado nega impactos
Pacientes relataram aguardar há dias, no corredor, por cirurgias ortopédicas; médica alerta para risco de infecção e impactos na saúde mental, como depressão e ansiedade (Alexandre Netto/ ALMG)
Pacientes aguardando há dias por cirurgias ortopédicas nos corredores do Hospital de Pronto-Socorro (HPS) João XXIII, em Belo Horizonte. A denúncia é deputados estaduais que estiveram na unidade de saúde nesta segunda-feira (17) e atribuem a situação ao fechamento repentino do bloco cirúrgico do Hospital Maria Amélia Lins (HMAL) – também do Governo do Estado, e em vias de ser terceirizado. Durante a visita, os parlamentares ouviram ainda que pacientes estariam sendo pressionados a aceitar a transferência de um estabelecimento para o outro.
A visita da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais foi feita a pedido da deputada Bella Gonçalves (Psol), que preside o grupo. O objetivo foi verificar o impacto, no HPS, do fechamento, em dezembro, do bloco cirúrgico do HMAL.
Entre os pacientes instalados no corredor do João XXIII estava uma idosa de 79 anos. Segundo a mulher, ela espera por um procedimento cirúrgico no ombro há uma semana.
Segundo Maria Lúcia Barcelos, do conselho local de saúde, a situação atual vivenciada por pacientes no HPS seria "criminosa e degradante". Ela disse à comissão que além do João XXIII já ser uma unidade sobrecarregada, está agora atendendo a cirurgias eletivas que antes eram feitas no HMAL, atrasando o atendimento de cirurgias de maior urgência.
A médica psiquiatra Paula Aparecida Gomes afirmou que a espera nos corredores do HPS por cirurgias tem levado ao adoecimento psiquiátrico de muitos pacientes, demandando medicação não somente contra a dor, mas contra ansiedade, estresse e depressão.
Até dezembro, o HMAL atuava como retaguarda do HPS, recebendo pacientes já estabilizados depois de cirurgias no João XXIII e que precisavam de continuidade no tratamento ou até novas cirurgias ortopédicas.
Apesar de ter sido divulgado à época do fechamento que a reabertura do bloco do Amélia Lins para suporte ao HPS se daria tão logo fosse comprado um novo equipamento imprescindível às cirurgias, que estaria danificado, no início de março o governo do Estado anunciou a terceirização do HMAL.
Designer de unhas, Kellen Canpolian mora em Patos de Minas (Alto Paranaíba) e usa órtese numa das pernas há três anos. Por causa de uma queda sofrida há um mês, precisa de um procedimento cirúrgico por ter quebrado o pé.
Situação semelhante relata outro paciente, Fábio Henrique. Vítima de um acidente de carro, ele disse que quebrou o quadril e aguarda há dias por uma cirurgia. Contou ter chegado na quinta-feira da semana passada ao Amélia Lins, lá ficando por três dias, até ceder à pressão da direção e se transferir para o João XXIII.
"Não queria aceitar, porque sabia que ficaria no corredor. Mas o coordenador lá pagou um Uber para me trazer e agora estou há dois dias ainda em observação no pronto-socorro".
Segundo o relato de servidores e outros pacientes, a pressão para desocupação do Amélia Lins viria na esteira da tercerização da unidade, também visitada pela comissão de deputados nesta segunda (17).
No HMAL, o bloco cirúrgico foi encontrado desativado e em obras, e pelo menos um paciente ainda resistia a deixar a internação. Trata-se de Gabriel Rodrigues, que desde 2022, quando sofreu uma fratura exposta no tornozelo, seguida por sequelas de uma infecção dos ossos, é atendido na unidade.
Esporadicamente, como agora, ele precisa de antibióticos endovenosos, curativos e cirurgia para raspagem do osso, e tenta resistir a pressões para se mudar para o HPS.
"Não aceito ir para o João XXIII para ficar jogado já no corredor ao deus-dará", explicou, contando que na sexta-feira (14) passada chegou a ligar para a polícia ao ter sido novamente pressionado a se mudar para o HPS.
Apesar dos relatos de espera por cirurgias feitos à comissão, o diretor do Complexo de Urgência e Emergência da Fhemig, a Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais, Fabrício Giarola, disse que o fechamento do bloco do HMAL não impactou negativamente no HPS.
Segundo ele, servidores do HMAL foram transferidos para o HPS e teria havido aumento da produtividade em cirurgias no João XXIII, que teria absorvido as demandas.
Fabrício Giarola argumentou que o João XXIII é uma unidade de emergência e urgência de porta aberta, onde as demandas chegam a todo momento. Segundo ele, a média de atendimento diário é de 300 pacientes, e, durante a visita desta segunda (17), o quadro não se configuraria como de superlotação, porque a unidade ainda conseguiria internar mais 70.
Sobre a razão da terceirização do HMAL, em vez da reabertura do bloco para retaguarda do HPS, o diretor da Fhemig argumentou que o projeto agora é que o Amélia Lins seja um hospital exclusivamente cirúrgico e para demandas eletivas do SUS do município.
Para a deputada Bella Gonçalves, os argumentos não procedem.
"Vimos demandas por cirurgias de urgência com espera de 8 a 15 dias, de pessoas correndo risco de infecção e a direção afirmando que não há impactos", criticou. A discussão da situação vai continuar em audiência pública da comissão, nesta quarta-feira (19), na ALMG.
Presente à visita, a deputada Beatriz Cerqueira (PT) também avaliou que a situação encontrada foi desrespeitosa para pacientes e servidores e alertou que a proposta do governo passaria pela privatização de serviços de saúde, por meio da criação do Serviço Social Autônomo de Gestão Hospitalar (SSA-Gehosp), prevista em projeto do Executivo que tramita na ALMG.
O deputado Lucas Lasmar (Rede) acusou o governo de falta de planejamento na destinação pretendida para o HMAL e também contestou posição da Fhemig. "Não há como falar que o fechamento do bloco do Amélia Lins não teve impacto no João XXIII com pacientes no corredor da forma como vimos", reiterou.
* Com informações da ALMG
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